Vou tentar explicar o motivo deste blog ter este nome. Vai ser uma tarefa difícil, mas eu vou tentar! E vai ser uma tarefa difícil justamente porque a origem do nome é profundamente conceitual, afundada nos campos teóricos da psicologia e do marxismo. Mas como a intenção do blog é exatamente a de ser o quarto de motel em que a arte e a ciência fazem amor, vou tentar um esforço poético de explicar este nome com bastante literatura! Só que vai ser uma literatura científica, ok?
Em primeiro lugar, o motivo do nome é o motivo do blog: ser um artifício para a construção do socialismo! Então vamos lá na tal da ontologia do ser social:
O humano é um bicho diferente, porque o que os outros animais fazem para a sua vida (ou seja, sua atividade vital) se resume à sobrevivência, no entanto o ser humano pode fazer mais do que apenas trabalhar pela sua sobrevivência, ou seja, a atividade vital humana pode ser muito mais plena do que a de qualquer outro ser vivo. É por isso que os marxistas insistem tanto no tema do trabalho: não é só porque querem ganhar eleições em sindicatos e organizar a classe trabalhadora para a luta socialista. Na verdade isso é consequência, e a raiz da coisa é que todo ser vivo tem que trabalhar de alguma forma pra viver, e o trabalho humano é diferente de todos os outros seres vivos, uma coisa muito rica que surgiu na natureza, porque ao contrário do trabalho de outros animais, o trabalho humano é previamente ideado, e é isso que faz dos seres humanos seres humanos.
Mas que diacho de trabalho previamente ideado é esse? Simples, é aquele que não é impulsionado meramente pelo repertório comportamental que a carga genética nos deu, mas que pode ser planejado antes da ação. O ser humano é o único animalzinho da natureza que, diante da realidade concreta, entende como os objetos dessa realidade funcionam, depois planeja mudar esse funcionamento, e só depois trabalha sobre ele. O trabalho humano põe idéia no objeto trabalhado, aí o objeto que o homem trabalhou fica cheio de humanidade. E aqui tem uma coisa muito louca, que se alguém que ler esse texto conseguir entender, vai pirar tanto quanto eu pirei quando eu entendi isso: o ser humano é uma parte da natureza que, quando mexe na natureza, deixa ela alterada de um jeito tão louco, que põe a natureza numa outra condição! Digamos assim, cada vez que o homem trabalha sobre um objeto da natureza, ele coloca um pouco de si no objeto, mas também coloca o objeto no mundo dos seres humanos!
Aí eu vou dizer que ele tira o objeto da natureza pra colocar no mundo dos seres humanos? NÃO! O mundo dos seres humanos faz parte do mundo da natureza, é feito de matéria e energia retirada da natureza, funciona de acordo com as leis que as ciências naturais estudam, gravidade, inércia, magnetismo, genética, respiração celular. O mundo dos seres humanos é apenas a invenção de novas leis dentro de uma parcela desse mundo maior que é a natureza, e essas novas leis são as leis sociais, são as leis históricas. Porque quando uma pessoa trabalha e põe no objeto uma parte de si, quem usa aquele objeto encontra ali um pouco de quem trabalhou, e quando trabalha sobre outro objeto, ou se relaciona com outra pessoa, deixa um pouco de si e também um pouco do que recebeu de outras pessoas nos outros objetos que já usou ou trabalhou. Isso quer dizer que o ser humano se transforma e transforma outros seres humanos o tempo inteiro através do trabalho, e esse processo biológico, psicológico e, acima de tudo, social, de transformação ininterrupta, se chama história. História é uma coisa que só é possível com o trabalho dos seres humanos, que é aquele trabalho diferente, cheio de idéias, lembra? Então existe uma parcela da natureza que, por ter sofrido o trabalho do homem, é cheia de história, faz parte da história, faz parte do mundo dos seres humanos, ok?
Então vamos falar rapidinho sobre o trabalho dos seres humanos de novo: esse trabalho é diferente dos outros trabalhos, basicamente por três coisas: uma é que esse trabalho é feito pelo corpo humano, que é diferente do corpo de outros animais, e que por isso pode fazer coisas que outros animais não podem (por exemplo, o corpo humano pode dançar, e outro animal só dança se antes for adestrado através do trabalho humano, através do trabalho de um corpo humano); outra coisa é que o corpo humano pode ter idéias, então o trabalho humano é previamente ideado, como eu já expliquei agorinha mesmo, é um trabalho que injeta idéia, história, humanidade, sociedade, nas coisas; e a terceira coisa é que o corpo humano pode usar instrumentos, de um jeito que nenhum outro animal consegue usar.
Sobre os instrumentos, outra idéia terrível, que mudou minha vida depois que eu entendi: alguns animais, como os macacos, até conseguem usar um instrumento uma vez ou outra, mas o ser humano é um ser profundamente instrumental, usa instrumentos o tempo inteiro. A sua atividade vital só tem um poder tão maior do que a atividade vital dos outros seres vivos porque, em algum momento do percurso da natureza, o corpo humano adquiriu essa capacidade de dominar tão bem os instrumentos. No trabalho o ser humano se põe diante de um objeto, depois tenta entender o funcionamento deste objeto, em terceiro lugar tem uma idéia de como transformar esse objeto em instrumento, em quarto lugar tenta pôr a idéia em prática (e aí põe sua idéia e sua história no objeto até que ele vire instrumento), e em sexto lugar vai usar esse instrumento pra colocar suas idéias e suas histórias em outros objetos, para que eles sejam usados como novos instrumentos, ou mesmo apenas como objetos de consumo, para que a vida humana possa continuar. Tira do homem o trabalho, que ele morre e a história acaba. Mas enquanto o homem tem um corpo, tem idéias, e produz instrumentos, ainda há história, e ainda há vida humana. Mesmo que precária.
Depois eu falo da precariedade, agora eu só vou explicar uma coisa simples: O homem faz história através de instrumentos, e os instrumentos mediam a relação entre o corpo humano e o objeto que será transformado. Por mediar essa relação em que alguma coisa nova será produzida, podemos chamar o instrumento de meio de produção (quem já ouviu falar em marxismo vai entender o que eu disse agora). Mas podemos chamar também o instrumento de dispositivo, porque é algo de que dispomos com a finalidade de produzir, ou seja, com a finalidade de transformar a natureza. E podemos chamar esse dispositivo de dispositivo artificial, porque estamos usando de uma estratégia, de um meio, de um artifício, para produzir e transformar a natureza. O dispositivo, o meio de produção, foi retirado da natureza, e ainda é parte dela, mas foi inserido nesse mundo mais novo, que é o mundo humano, histórico e social. Por isso, o dispositivo não é puramente natural, mas é um dispositivo artificial. Agora decorem a próxima frase que eu vou falar, que ela é muito importante: O artificial não é o oposto da natureza, o artificial é a natureza enriquecida pelo trabalho humano. E artifício é aquilo que usamos em um trabalho transformador. Artifício é o instrumento através do qual o ser humano escreve a sua história.
Agora vamos falar de precariedade? A história humana é a mistura dialética (ou seja, uma mistura incerta, contraditória, que pode seguir vários caminhos, e que terá seu destino decidido pela mistura das ações de cada corpo humano, com suas idéias e seus artifícios). A história humana é a mistura dialética da história de cada indivíduo, de cada grupo social, de cada produto e instrumento trabalhados por cada indivíduo e cada grupo social. Ou seja: nós não temos como controlar a história sozinhas e sozinhos, só em grupo, só coletivamente, só nos unindo com essa intenção. Idear previamente a idéia de trabalhar sobre a história da sociedade humana, depois escolher instrumentos para aplicar essa idéia, e depois executar o trabalho de transformar a sociedade. A revolução é um processo de trabalho! O produto deste processo de trabalho é uma sociedade diferente da atual, e é por isso que desde o início da vida humana na terra, as sociedades já sofreram tantas mudanças, porque a história é fruto do trabalho dos indivíduos, e também do trabalho da sociedade, que faz esses indivíduos e é feita por eles. Mas como a mistura dialética é uma mistura incerta, contraditória e que pode seguir vários caminhos, aconteceu que em algum momento da história humana, inventamos a precariedade planejada. É diferente da precariedade por falta de recursos naturais, que os seres humanos sofreram na savana, eras geológicas atrás. É a precariedade que é fruto dialético do trabalho humano, e do planejamento de uma sociedade em que um grupo humano vai ter certos privilégios às custas de outro grupo humano, que trabalhará para produzir as riquezas, mas não poderá fazer uso dessas riquezas. A precariedade é uma invenção humana, e podemos desinventar a precariedade, inventando uma coisa melhor que isso!
A atualidade humana, a sociedade capitalista, é o extremo da precariedade já inventada pelo ser humano, mas dialeticamente é também o extremo da possibilidade de superar essa precariedade e substituí-la pela plenitude. É a dialética entre precariedade e plenitude, ou seja, o fato de as duas coisas estarem, contraditóriamente, presentes ao mesmo tempo da potência dos corpos humanos, de suas idéias e de seus artifícios, o que nos faz achar que vale a pena lutar.
Se fosse certo que o ser humano vai ser pleno, não precisaríamos lutar porque com luta ou sem luta, chegaremos à plenitude humana. Se fosse certo que o ser humano vai ser pra sempre precário, não valeria a pena lutar, porque com luta ou sem luta, nunca sairíamos da precariedade humana. Mas o fato de termos em nós, dialeticamente, tanto plenitude quanto precariedade, é o que torna a luta algo que faça sentido! E a classe que tem privilégios com a precariedade luta contra a plenitude, enquanto a classe que é privada da plenitude luta contra a precariedade. Os marxistas adquiriram o hábito de chamar essa situação conflituosa de luta de classes.
A luta de classes é a luta entre a classe que quer mais plenitude e a classe que quer mais precariedade. Nós somos da classe que luta por plenitude, e ao longo da história humana as classes mudaram muito, mas na atualidade capitalista a classe que luta por plenitude se chama classe trabalhadora.
Então vou explicar o que é plenitude, já que já falei um pouco sobre a precariedade. A plenitude é mais ou menos assim: todo ser humano tem direito e condição de acesso pleno à história humana inteira e a tudo o que ela produziu. Por exemplo: numa sociedade plena faz sentido que um navio balance no mar, porque o navio é produto de trabalho humano, mas o mar não, então o navio desliza numa substância que é naturalmente movente. Mas numa sociedade plena não faz sentido algum que um ônibus balance sobre uma estrada de asfalto, porque tanto o ônibus quanto o asfalto são produtos do trabalho humano, e ao longo de nossa história já desenvolvemos tecnologia tanto pra fazer o ônibus andar bem regulado e sem tremer, tanto pra fazer o asfalto ser bem feito e não esburacado, quanto pra levar essa tecnologia de ônibus e asfalto pra qualquer ser humano que dela precise e que a queira utilizar. Quando o objetivo do trabalho não é o lucro de uma das classes (que depende da precariedade da outra classe), mas o prazer de todas as pessoas, sem distinção de classes, o nome disso é plenitude. Quando o trabalho deixa de ser suor em troca de salários baixos, e se torna novamente aquilo que faz do ser humano um ser pleno, quando o produto do trabalho (de todas e todos, e não do trabalho apenas de uma classe) não é privatizado, não vira propriedade de alguns, mas está a serviço de todas e todos. temos uma sociedade plena. Quando o trabalho não tem a função de produzir riqueza pra virar propriedade privada, a serviço do capital, mas sim de produzir riqueza pra ser compartilhada plenamente com todas e todos, de ser socializada e tornada comum, estamos saindo do capitalismo e indo pro socialismo.
Artifício socialista é um instrumento para o processo de trabalho revolucionário, ou seja, para o processo de trabalho que vai produzir uma sociedade plena e socialista. E um blog que quer contribuir para que nossos corpos tenham idéias de como usar artifícios na construção do socialismo, não poderia ter outro nome que não fosse ARTIFÍCIO SOCIALISTA!
beijinhos de maracujá!
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