domingo, 27 de maio de 2012

Da Lírica Ednardiana (delicadeza e violência)



Eu gostaria de compartilhar um confuso sentimento. Nas músicas do Ednardo, eu sinto uma coexistência pesada e forte entre delicadeza e violência. Ouço esse cara desde menino, mas já ficando adulto é que fui conhecer o conjunto de sua obra. Espero que curiosas e curiosos busquem conhecê-lo, porque seu trabalho não é muito disseminado. Eu o considero o maior poeta vivo da música brasileira, e sei que em tempos tão sombrios como os tempos capitalistas, não daria pra um ariano assim tão profundo e genial ser ícone midiático. Os maiores arianos são os que mais trabalham nos bastidores, nos subterrâneos, o sucesso dos arianos não se mede pelo quanto eles aparecem, mas pelo quanto eles imprimem sua marca no arrogante campo do aparecido, de lá do auge de seu impensado desaparecimento.


Não é que arianos queiram não aparecer, eles se escondem sem perceber que o fazem. Não é do campo da intencionalidade e da volição, a sua discrição, e sim um imperativo de seu corpo. O corpo ariano é, assim como dizem, meio mineiro: come quieto.

A lírica ednardiana não tem porta de entrada. Mistura o belo mais sublime com o belo mais esquisito, o experimental e o popular, o antigo e o moderno. Aliás, essa mistura clássica entre antigo e moderno (que quase todo mundo tenta fazer, na verdade), não poderia ser melhor aplicada por outra pessoa que não um ariano, e esse é o papel do Ednardo na música brasileira, na minha opinião: efetivar o projeto mais clichê, mais perseguido, e no entanto nunca tão bem alcançado. Acho que Ednardo faz parte do trio de compositores que o alcançou em plenitude na música brasileira (os outros dois são Itamar Assumpção e Sérgio Sampaio, pra constar).

Já que a lírica ednardiana não tem porta de entrada, vou inventar uma porta qualquer, à maneira dos inventores aquarianos, que é o que me é possível fazer. Fui lá num site de letras e peguei a letra de Pastora do Tempo:


O cavaleiro do medo
Usa do ouro a razão
Pra ofuscar os meus olhos
E confundir minha emoção
Não sabe que a luz que me guia
É da estrela que irradia
A linda pastora do tempo
Que guarda o meu povo eterno
E livre o meu pensamento


Quem faz a história da vida
Com ela rompeu as entranhas do chão
Quem quer saber do que está escondido
Procura no fundo dos olhos do povo
E dentro do seu coração
Vão com o vento as palavras
São como pombos-correio
Mas estão sempre atrasadas
Pois o seu vôo é lento
E o meu pensamento é ligeiro

Pra um psicólogo vigotskiano, um poema assim traz muita alegria e três anos de profundas análises, mas não é disso que quero tratar. Da relação entre pensamento e linguagem (cuja principal unidade de análise é a palavra, segundo Vigotski), só me interessa neste post uma coisa: a lentidão da palavra, que arrasta só um rastro do pensamento. A palavra voa com o vento, como pombo correio, mas ainda não tem toda a ligeireza e liberdade do pensamento. Me parece uma música suave, e de fato ela é extremamente delicada no trato lírico, mas suave ela não é. A violência tá justamente aí: ela denuncia uma força opressora, e denuncia a fragilidade dessa força, em função de uma característica secreta nossa, que é uma arma contra essa opressão. O pensamento que deixa as palavras pra trás é um pensamento guiado por uma estrela pastora, que organiza as idéias que o medo tenta desorganizar. Ednardo poetizou um grito ameaçador contra quem explora: TOLOS! Nunca confundirão nossa emoção, a liberdade do pensamento de nosso povo está eternizada.


Mas acho até que expressei mal a violência de Ednardo, ele não entrega o jogo tanto assim. Ela está repleta de Vontade Guerreira, e a Vontade Guerreira não é burra de ser sempre frontal no enfrentamento. Em momentos de repressão como os que forjaram este poema de Ednardo, a violência das guerreiras costuma fazer bom uso da mandinga, e o ariano Ednardo faz uso dela o tempo inteiro. Vou me explicar: a lírica guerreira ednardiana não conta para o opressor sobre o fracasso de seu artifício do medo. Ele conta para nós, conta para o seu povo eterno. Um compositor popular é assim, ele escreve de povo pra povo, e onde o opressor só vê plástica, os oprimidos reconhecem uma ótima arma pra lutar contra a opressão. A burguesia acha que o Ednardo é só um poeta, mas nós que também somos Guerreiras, vemos na delicadeza de Ednardo um convite à violência.

E aqui está o que oculta a ligeireza do nosso pensamento violento para os "cavaleiros do medo": a lentidão da palavra. Para nós, ela é pombo-correio, ela é instrumento da lírica, da poética. Mas nós não nos deixamos prender a ela. Não somos dependentes da palavra, nem da linguagem, nem da burocracia, nem das leis, pra fazer o nosso pacto de conjuração. Conjuramos fazendo uso das palavras, mas conjuramos apesar delas. Conjuramos fazendo uso das leis, mas conjuramos em oposição a elas. Fazemos uso inclusive do que queremos demolir. "Quem quer saber o que está escondido procura", segundo Ednardo, em dois lugares, a saber: "no fundo dos olhos do povo e dentro do seu coração". A gente faz uso da palavra, mas na hora H, a gente sente o que o coração da gente diz, e olha nos olhos de nossas companheiras e companheiros, de nossa tribo guerreira, pra saber o que seus corações estão dizendo, e seus olhos estão contando pra gente.

A linda pastora do tempo é a estrela organizadora de nossa máquina de guerra, é a estrela organizadora de nossa matilha. É ela que nos põe em condição de intuir a hora certa de agir, quando o inimigo, com todo o seu aparato censor, capturar os pombos-correios de nossas palavras. Podem calar nossa voz, mas nunca calarão o brilho das nossas estrelas e do nosso olhar, muito menos o fogo de nossos corações. Se a censura entendesse Ednardo, viria que no meio de tanta delicadeza, ela está sendo violentamente ameaçada.

Vou concluir a primeira parte dessa nossa viagem na lírica ednardiana com outra porta forjada, já que a lírica guerreira não tem entrada nem saída. Pra essa porta de saída que inventei, lhes apresento Estaca Zero:


Cada braça de caminho
Um soluço de saudade
Toda vereda de roça
Vai descambar na cidade


E a gente fica sereno
Desconhecendo o destino
E com um sorriso besta
De quem sabe onde chegar


Em cada prédio ou palmeira
Luz de neon ou luar
Elevador, capoeira
A gente vai se assustar


Mas faz de conta que sabe
Que tem um canto da estrada
Chamado estaca zero
Onde a gente pode dizer
O rumo que quer tomar


Cada braça de caminho
Um soluço de saudade
Toda vereda de roça
Vai descambar na cidade

Uma canção sobre sair de casa pra conhecer o mundo, sair da vila pra se jogar na cidade. A delicadeza de quem descreve o percurso rumo a uma nova vida, em um novo lugar. A estaca zero que Ednardo fala é um ponto dessa caminhada em que a gente decide pra onde ir, decide se vai ou fica, decide se vai ou não. A estaca zero é o ponto da dúvida e da decisão. E a mandinga guerreira de Ednardo está em um lugar improvável, alguém já achou? Onde está wally leitores Guerreiras? onde está? Como diria o Marcelinho: "Não sei! Vamos ver?"


Apesar de a gente se assustar, a gente faz de conta que sabe desse canto da estrada, chamado estaca zero. A gente faz de conta porque não sabe. Desconhecer o destino nos deixa serenos, nos dá um sorriso besta. Um sorriso de quem sabe onde chegar. Mas a gente não sabe nada, só faz de conta que sabe. A gente põe na cara uma certeza pra suportar a incerteza de enfrentar o destino, de se jogar no mundo. Faz de conta que foi a gente que escolheu se dá o play ou não nessa jornada. Faz de conta que foi a gente que escolheu o nosso destino, que não foi o nosso destino que nos escolheu. Mas afinal, a gente pode ou não pode dizer o rumo que quer tomar?

E é aqui que está o segredo. Se a gente conhece o destino, a gente não diz o rumo que quer tomar, a gente toma o rumo que o destino diz pra gente. Quando a gente faz de conta que sabe que pode dizer o rumo que quer tomar, a gente não sabe que não pode, a gente desconhece o destino, e aí a gente decide o nosso rumo, acha que sabe onde chegar, e aí sorri um sorriso besta. Inventamos no destino um caminho que o destino escondia da gente. O segredo pra tomar as rédeas do destino é ignorar que o destino não nos dá as suas rédeas. A ignorância mais rebelde que pode haver, é a ignorância diante dos limites da vida. Tem uma frase clichê, que expressa bem o que eu quero dizer. É uma frase que o Google disse ser de Jean Cocteau, mas segundo a Wikipedia, talvez possa ser também de Mark Twain: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez".

Explicando melhor: o "sorriso besta" é na verdade o "sorriso de quem se faz de besta". Se em cada braça de caminho há um soluço de saudade, e se toda vereda de roça vai descambar na cidade, então é preciso se fazer de besta pra poder conviver com os sustos dessa cidade
 sem enlouquecer
. Os olhos curiosos brilham diante de tudo o que é novidade nesse destino desobedientemente inventado. Não há maior proteção, diante dessa selvagem novidade, do que se fazer de besta. Lição ednardiana pra quem quer, como eu disse no início, deixar sua marca na história sem enfrentar as barreiras que os holofotes trazem junto. Quanto mais alarde, mais alaga, então tramemos no subterrâneo, e nos façamos de bestas. Todo ponto da estrada é estaca zero, pra quem cinicamente finge não entender o que está rolando. Ponha no rosto uma expressão de quem acredita em tudo que te contam, que quanto menos eles sabem que você tá conspirando, mais perigosa sua conspiração será. Quanto mais você parece ser inofensivo, adequado e adaptado ao sistema, mais se torna violentamente nocivo a esse sistema, e mais pode dizer o rumo que quer tomar. "Enquanto o caos segue em frente, com toda a calma do mundo", dizia um outro. A velha nova ameaça está por todo lugar, disfarçada de pura delicadeza plástica, como um capoeirista que finge que só dança pra inglês ver.



Vai vendo, inglês, vai vendo!

(continua...)

beijinhos de maracujá!


sábado, 19 de maio de 2012

Superação, uma palavrinha muito sapeca!

Eu decidi escrever esse texto pra dizer o que acho sobre uma palavra. Nossa! Um texto sobre apenas UMA palavra? Isso mesmo! Mas não é uma palavra qualquer. Vejamos: ela tem três sentidos, sendo que dois deles são um só, ou seja, são dois sentidos (um dialético e um anti-dialético), e eu escrevi esse texto para me posicionar em relação a estes dois sentidos (a favor de um deles e, de certa forma, contra o outro).

Vou chamar os dois sentidos de "Superação Conservadora" e "Superação Revolucionária", ok? Espero que esse meu escrito sirva para vocês fazerem bons usos dessa palavrinha.

I - A Superação Conservadora

A superação conservadora, reformista ou reacionária, é um valor muito propalado em nossa sociedade, em tempos de neo-liberalismo e individualismo. É a idéia de que a sociedade é um cenário e os indivíduos são atores neste cenário. Já que é assim, o sucesso das pessoas depende da forma como elas atuam, e o cenário não passa de um plano de fundo que não interfere nessa atuação, ou se interfere, não tem tanto valor quanto a atuação desses indivíduos, desses atores. A dignidade humana depende da ação individual desses atores. Se tem vários seres humanos na merda, não dá pra ficar perdendo tempo ao caçar no cenário a causa dessa merda coletiva, o importante é que cada indivíduo faça um esforço individual pra sair dessa merda, e se esse esforço dá certo, se esse indivíduo tem sucesso, temos aí um exemplo de SUPERAÇÃO. Um indivíduo superou as condições coletivas, atuou bem tendo ao fundo o cenário social e VENCEU! A idéia da vitória, diretamente ligada à idéia de "mérito", tem a função de colocar aos indivíduos a responsabilidade por seu fracasso e seu sucesso.

Para defender essa teoria, é preciso torturar a realidade, extraindo dela uma percepção distorcida, equivocada, mentirosa. O sucesso do indivíduo é produzido a partir de uma conjugação de processos diversos, o estudante que passa no vestibular não conseguiu a vaga na universidade APENAS por seu mérito, houve muito trabalho alheio intervindo no seu processo, e essas pessoas não vão usufruir dessa vitória. O moço pobre que vira esportista famoso, o cadeirante que supera o preconceito e vence, a moça que sofria abusos na família e se torna escritora de sucesso (entre outros exemplos de superação que a mídia ADORA mostrar), são histórias individuais produzidas por processos históricos e coletivos, assim como TODA história de vida. A nossa sociedade produz coletivamente tanto os POUCOS sucessos quanto os MUITÍSSIMOS fracassos. Nem o sucesso nem o fracasso são puramente individuais.

Claro que os indivíduos fazem parte da autoria de sua história (o sucesso é um tipo de história individual, o fracasso é outro tipo), mas não são autores sozinhos. A história individual é a síntese dialética de processos coletivos, ou seja, a vida de uma pessoa só é possível de uma maneira assim ou assada diante de uma sociedade assim ou assada, e as escolhas individuais podem mudar pra cá ou pra lá os rumos da sociedade, das condições concretas dela, e do pedaço de sociedade chamado indivíduo, mas muda pra cá ou pra lá dentro de um horizonte limitado. O indivíduo não pode promover grandes mudanças em sua história sem mudar a sociedade que limita o seu horizonte e o horizonte de todos os indivíduos.

O pressuposto básico da idéia que eu estou defendendo está, então, na seguinte frase: o indivíduo é um pedaço de sociedade. Dialeticamente, todo indivíduo é um pedaço diferente dessa sociedade, mas ao mesmo tempo todos os indivíduos são pedaços da mesma sociedade. Pedaços diferentes da mesma sociedade, os indivíduos são enganados quando o discurso da Superação Conservadora diz que eles devem lutar pra vencer na vida e apenas isso. Isso não basta. Se todos lutarem para vencer na vida, essa sociedade da precariedade não tem vaga para todos no panteão do sucesso. A Superação Conservadora é um privilégio de poucos, e digo mais: aqueles que acham que estão vencendo, na verdade estão sendo utilizados por esse sistema como vitrine, para enganar outros com a idéia de que eles devem continuar se esforçando DENTRO deste sistema, para vencer dentro dele, para crescer dentro dele, para superar a precariedade que é intrínseca a ele.

Só um sistema sustentado na precariedade precisa de exemplos de superação. Um sistema sustentado na plenitude compartilha a plenitude com todas e todos. Essa idéia básica pretende acabar com o individualismo (que incentiva os indivíduos a vencerem dentro deste sistema atual, de precariedade), e produzir relações sociais fundadas na valorização tanto do indivíduo quanto da coletividade, já que uma coisa não é o oposto da outra, mas sim dois lados de uma mesma moeda. Quando você acaba com um sistema pra criar outro, você não joga fora tudo o que o sistema anterior trouxe, produziu, ofereceu. Você usa as ferramentas oferecidas pelo próprio sistema para destruí-lo, e com isso, o sistema destruído é ao mesmo tempo levado mais longe do que qualquer lugar que ele pudesse alcançar em seu formato anterior, limitado e precário. Ou seja, ao mesmo tempo que você destrói algo (nega o sistema anterior), você leva esse algo para além (o afirma transformando em um sistema novo, que usa de forma melhor o que o sistema anterior havia criado). Esses são os sentidos negativo e afirmativo da Superação Revolucionária.

II - A Superação Revolucionária

Esse é o nosso princípio básico, não distorcer a verdade. Por isso um conceito revolucionário de superação precisa ser dialético. Sem dialética, um conceito sempre distorce o real. O conceito individualista de superação MENTE para os indivíduos, quando mostra apenas um pedaço da verdade (a superação individual), e OCULTA o resto da verdade: que essa sociedade é precária, e que não tem lugar pra todo mundo no topo privilegiado do sucesso; que pra alguns terem o sucesso individual, milhares, milhões, bilhões precisam estar afundados na merda; que são aqueles que estão na merda (a maioria dos fracassados) que produzem o sucesso da minoria, e não os fracassados que produzem seu fracasso e os vencedores que produzem seu sucesso, como tanto dizem; que mesmo entre os pouquíssimos que estão no topo do sucesso, uma pequena minoria subiu pela via da superação individual, grande parte dos de cima chegaram ao topo explorando os de baixo, ou herdando o que as gerações anteriores acumularam através da exploração.

A crítica das idéias reformistas, conservadoras e reacionárias, como a idéia da superação individual, denuncia as ilusões (por exemplo, mostra que o sucesso se sustenta na exploração coletiva, e não na superação individual), e abre caminho para as idéias verdadeiras. É coletivamente, e não individualmente, que as idéias verdadeiras são fabricadas. Quando as pessoas se juntam em torno da crítica, demolem as idéias falsas e erguem idéias novas, fruto de esforço coletivo, e por isso, mais legítimas. Esse blog, por exemplo, é uma tentativa de juntar pessoas em torno desse exercício crítico, de construção coletiva de verdades revolucionárias. O mecanismo da crítica é um ótimo exemplo da Superação Revolucionária.

Ao contrário da superação individual ou conservadora (que quer conservar a sociedade e o sistema, que quer reformar essa sociedade e esse sistema, através do sucesso de alguns indivíduos), a superação coletiva ou revolucionária quer negar TODO o sistema de precariedade, mas AO MESMO TEMPO, não joga fora os avanços que esse sistema produziu, muito pelo contrário, leva esses avanços para além daquele local limitado que um sistema de precariedade poderia levar, afirmando esses avanços ao avançar MAIS, rumo à plenitude. A idéia da superação revolucionária é de que coletivamente, podemos planejar relações de plenitude, ou seja, relações em que todas e todos podem ter acesso ao que quiserem, dentro das possibilidades atuais, sem que ninguém precise ser explorado. Atenção para o "dentro das possibilidades atuais".

Isso diz respeito ao aspecto afirmativo da superação revolucionária. Não dá pra socializar o que não existe, mas como os seres humanos, na sociedade de precariedade, inventaram tanta coisa boa (mas dividida de maneira desigual, precária, restrita a uma elite e impedida à grande maioria dos que trabalharam para que essas coisas fossem inventadas), uma superação revolucionária vai AFIRMAR as coisas boas que foram inventadas, e a maneira de afirmar isso é socializando o acesso a essas coisas boas. Mas a sociedade de precariedade também produziu muitas coisas que não nos convêm mais (por exemplo, a própria precariedade, e a divisão desigual dos bens e produtos), e essas coisas devem ser simultaneamente NEGADAS, na produção de algo novo.

Não é um indivíduo que afirma ou nega, é a coletividade. Mas ao mesmo tempo, a afirmação ou negação da coletividade passa pela síntese da afirmação ou negação de cada um dos indivíduos, de todo indivíduo, e de todos eles. Não se trata, porém, apenas de somar a opinião de cada indivíduo, como na eleição de uma democracia representativa. No cotidiano e no planejamento da vida social, diversos debates apontam para o caminho que deve ser seguido, muitas vezes a sociedade vai tomar caminhos opostos, de acordo com a opinião de grupos distintos, e esses caminhos opostos podem tanto se enfrentar mais à frente no tempo, ou podem acabar se juntando num caminho só, na complexidade dialética do avanço revolucionário. Uma verdadeira democracia se faz assim. Não se trata de somar apenas vontades individuais (que são, na verdade, vontades de "pedaços de sociedade", ou seja, expressam a tendência hegemônica). Para superar a tendência hegemônica produzindo vontades verdadeiramente coletivas, novas e democráticas (produzindo verdades coletivas), é preciso fortalecer tanto o combate de idéias opostas quanto o conjugamento de idéias diferentes, que são os dois movimentos do diálogo. Sobre isso, recomendo texto ainda incompleto que estou escrevendo com Anidalmon Morais, e que fala sobre o Corpo Aberto ao Diálogo e à Luta.

III - Conclusão: Superar dentro ou fora das regras do jogo?

O exercício da crítica pede uma vontade guerreira, pede que não nos submetamos ao individualismo e à mentira da democracia formal. É preciso romper com o status quo, buscando a superação dialética dessa sociedade precária, e a construção de uma nova sociedade, plena. A verdadeira democracia é a metodologia de gestão do sistema de plenitude, e implica na desobediência às leis da democracia formal.

Não dá pra fazer revolução se não dissermos NÃO para as regras do jogo, não dá pra superar um sistema se nos limitarmos apenas às regras dele. O máximo que conseguiremos é alimentar superações individuais (como vencer nas regras do jogo que induz à derrota).

Tudo bem que para superar o atual sistema é preciso saber a hora certa de jogar dentro das regras, mas isso só faz sentido se utilizarmos as regras contra o próprio sistema. Para superar uma sociedade fundada na trapaça, é preciso trapacear. As leis que existem hoje NÃO SÃO AS NOSSAS LEIS, são as leis de quem se beneficia da precariedade, é preciso mostrar pro bispo que os peões não aceitam mais o jeito como a missa tá sendo rezada, e que quando o rei da nossa cor é derrubado, o jogo ainda não acabou pra nós. Derrubemos nosso próprio rei. É claro que não vamos abandonar por completo as regras, não tem como sair do sistema precário pra depois inventar um sistema pleno, mas a superação revolucionária não se faz apenas afirmando o que o sistema de merda nos dá de avanços. É preciso saber a hora e o jeito certos de negar! Superar dentro e fora das regras do jogo é a velha nova ameaça!

Superar a superação, eis o nosso imperativo, eis a nossa meta! E quem aposta nisso como a gente, estamos convocando guerreiras e guerreiros. Xeque mate!

beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Conceituação de facebook: Turismo na Própria Cidade



Conceituação de facebook: Turismo na própria cidade é militar ao tirar prazer e curtição dessa merda de cidade doente, de sociedade doente, que tá aí!
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terça-feira, 15 de maio de 2012

Poema da Confiança



Fiquei em dúvida entre fazer suspense ou entregar o ouro. Ontem escrevi alguns poemas, um soneto, uns quatro hai-kais e mais um poema. Pensei em não publicar nada, pensei em publicar tudo, pensei em escolher um ou uns. Vou compartilhar com vocês o Poema da Confiança, porque estamos em um momento sombrio, então o exercício da esperança é bem vindo. Tem coisa a se trabalhar na métrica e na pontuação, mas é um pedacinho do Esforço Absurdo, pra quem quiser ir acompanhando... Digam aí o que acharam!


POEMA DA CONFIANÇA

Confia em mim

Que logo a dor finda
Mas é que a hora do alívio não chegou

Ainda
Confia em mim que a nossa hora

Será linda
E por enquanto,
Nosso peito sente a lança

Desculpa, amor,
Mas pr'essa dor
Não tem fiança
E tudo o que eu tenho a dar
É aliança
E tudo o que te peço em troca

É confiança

Confia em mim
A gente vai sobreviver

A noite é longa
Mas supõe o amanhecer
Essa fissura abre caminho pro prazer
Essa história eu já ser
De A a Z
Sei todos comos, quandos, ondes e porquês
Se é que a vida implicita algum porquê
Confia em mim

Vai ser legal
Você vai ver

Confia em mim,
Vai começar meio esquisito

Mas vou tentar fazer do jeito mais bonito
A noite é longa

Mas a tua mão na minha
Faz de nós dois
Ninguém sozinho
Nem sozinha

A noite é longa

E sem tua mão vai ser pior
Tenho a certeza que amanhã vai ser maior

Segura a mão que estendo a ti
Como um anzol
Que quer fisgar você
Pra dentro dos meus braços
Vamos matar o breu,

Fazer parto do sol
Confia em mim
Confio em ti
É nosso laço

14 de maio de 2012
beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Convite a um passeio (ou Sobre os meus livros de poesia)



Como todas e todos devem saber, estou escrevendo um livro de poesia. Na verdade será um livro-trilogia, porque será composto por três livros. Seu nome será "Esforço Absurdo - O Livro", e será composto pelos livros "Esforço Absurdo", "Bicicletário Nacional Brasileiro" e "Poemas com nome de mulher". O primeiro livro falará sobre militância, e sobre como é militar sendo um ser humano (e não um super-herói); o segundo falará sobre adolescência e maturidade, será um livro vigotskiano ao extremo; o terceiro, por fim, será sobre o desafio de ser urbano no século vinte e um, e sobre a necessidade de os seres humanos se perceberem uns aos outros, para sobreviverem à loucura que é a vida na cidade.

É um projeto ambicioso, mas acho que estou pronto para executá-lo. Tenho uma trilogia adolescente (só publiquei o segundo dos três livros, e só virtualmente!), e agora vou arriscar uma trilogia adulta, mas tudo de uma vez. Sei lá como é essa coisa de ser poeta, escrever um livro e vê-lo virar papel. Deveria fazer isso com os livros que já escrevi, mas sempre tive muito medo de tentar, e acho que agora tenho mais perna pra isso do que nunca. Entre 2003 e 2005, não me recordo exatamente quando, escrevi "O Clube dos Corações Solitários". Uma clara referência aos Beatles, o livro tratava de uma imatura síntese de sentimentos afetivos e de resistência social, mas era uma coisa muito confusa, declaração inocente e ainda pouco formada de opiniões enfáticas sobre o mundo. Ao mesmo tempo que tinha uma marca profunda da insatisfação, o livro marcava uma tournée pela vida, tentativa de registrar alegria com a música. Formatei, enviei para uma amiga e perdi o e-mail e o computador em que ele estava. Por sorte, essa amiga possivelmente ainda tem este livro (que é mais dela do que meu! Ambos sabemos disso!). Em 2006 escrevi o "Depois da Chuva". A capa do livro é uma foto linda do Ricardo Koctus (baixista do Pato Fu, e ser humano lindo!), e o nome é inspirado em uma música super deliciosa do Karnak. Estava afundado num universo musical cheio de experimentalidades, nessa época, e ao mesmo tempo, antenado na musica pop, no popular brasileiro, e numa crise pesada, que resultou em uma coletânea cheia de poemas horríveis, e outros maravilhosos! Cheio de sonetos e hai-kais, com uma proposta conceitual e experimental pesada, esse livro falava sobre ritos de passagem, sobre a transitoriedade da vida, e a intenção era questionar a coisa da autoria, da propriedade privada, dos direitos autorais. Fiz um blog para divulgar esse livro, http://manguerestinga.blogspot.com.br/. Acreditem, eu sou uma pessoa tímida, e tive que tomar MUITA coragem pra divulgar poemas tão antigos meus! Mas há pérolas aí, e uma declaração de ódio/amor linda por Vitória. Por fim, o terceiro livro tá no HD de um computador meu que parou de funcionar, e espero ainda recuperá-lo. Tinha uma capa com fotos de galinhas e espelhos, e o nome dele era algo como "Agora que você morreu". Era um livro mais sério, mais duro, mais pragmático e marcado do que os anteriores. Fechava a trilogia exatamente com o "advento da maturidade". Eu era adolescente, jovem adulto, e falava de forma adolescente. Revisitar esses três livros pode me dar coisas incríveis! Reli a segunda parte do "Depois da Chuva", há poucos dias, e salvo poucas exceções, tudo era bom ali. A primeira parte tem mais coisas ruins! Eu gostaria de revisitar "O Clube dos Corações Solitários" e o "Agora que você morreu", e talvez até tentar revisar pra publicar os três, quem sabe?



Agora, 2012, Esforço Absurdo. Do que se trata? Vou explicar com um poema, o que dará nome ao livro. Não é um poema que escrevi agora, para o livro. Escrevi em 2009, quando decidimos que o 23º Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia (ENEP) seria em Belém. Fala sobre o drama de ser Comissão Organizadora de um ENEP, fala sobre o drama de construir algo em coletividade, ainda mais algo que reuna o Brasil inteiro. Eis:



ESFORÇO ABSURDO


Vocês vão me ferir,

Me machucar,

Em muitos momentos vou ficar com muita raiva de vocês
Vou querer deixar pra lá,
Ir cuidar de outra coisa
Arranjar outra missão...
Junto com vocês eu vou sofrer como um cão...

Desde já eu sei,
É sempre assim...
Eu derevia então largar tudo?
Não arriscar o esforço absurdo
Que essa empreitada exigirá de mim?

Nós teremos motivos
Pra matar uns aos outros
Pra não querer saber uns dos outros
Nunca mais...

Pra que, então, querer isso tudo?
Pra que o esforço absurdo?
Pra que abortar a própria paz?

O que vamos ganhar fazendo isso,
Tendo que tolerar opiniões,
Tendo que tolerar exigências e exigir,
Divergir,
Juntar idéias tão diversas
E dividir?

Pra que querer juntar uma nação
Que não é sõ uma,
Que não pensa igual,
Que não tem as mesmas chances e vontades?
Pra que juntar se depois que separa dá saudade?
E porque essa saudade vem
Se há tantas adversidades?

É porque o filho é nosso,
E vai sair,
Mesmo feridos, vamos continuar a juntar
Caquinhos,
Problemas
E carinhos,
E poemas,
e canções...

Vamos fazer juntos
Também,
Algumas revoluções...

E eu, sinceramente, acredito em vocês...

Eu sei que vou ser magoado, sair ferido...
Mas sei que voltarei
(não tem sentido)
Com o rabinho entre as pernas,
Querendo continuar...

Sei que ferirei vocês, iremos chorar,
Vai ter horas que parece que não vai dar certo...
Mas vai ter horas em que quererei ter vocês por perto...
Vai ter horas em que a gente vai se amar...

E vai ter cansaço que virará satisfação,
E vai ter momento em que veremos de nossas mãos
Sair um fruto...

É que sempre dói engendrar obras de arte...
Voando contra o vento, o olho sempre arde...
E só quem já voou sabe do que estou falando...

Esse esforço absurdo é o que nos redimirá,
Porque veremos que faz sentido continuar,
Que após cada tijolo e suor,
Vem outra dor, e outra chance de tudo ficar melhor...

Esse esforço absurdo é o que dará o tom...
E quando tudo estiver pronto, será bom?
Não sei, mas quando a gente se encontrar,
A gente decide se valeu a pena
Deixar esse sonho nos guiar...

Temos um mundo grande pedindo nossas mãos,
E quanto a esse esforço absurdo,
Sei que é burrice dizer sim,
Mas não nos foi dado o direito ao não!

Esse poema data de 14 de setembro de 2009, e é uma mensagem de esperança. É essa mesma mensagem que, quase três anos depois, quero passar com esse livro "maduro" que estou escrevendo. Como o Bicicletário Nacional Brasileiro pretenderá mostrar, não é uma questão de maturidade, é uma questão de luta mesmo. A estratégia é fazer da poesia uma arma, e com ela guerrear uma guerra das boas, daquelas de sair esfolado, mas feliz com a vitória. Poesia é coisa de adolescente, adulto escreve artigo científico! É o flerte com a adolescência que me faz voltar a querer escrever livros de poesia. Espero ter vocês comigo neste processo de escrita, nenhum desses livros foram escritos com o auxílio de nada parecido com o Blog Artifício Socialista. Então pra vocês que lêem esse blog, peço que comentem o "Depois da Chuva", mas que também acompanhem o engendramento deste "Esforço Absurdo - O Livro", que espero em breve poder compartilhar com vocês, pronto. E como é bom voltar à adolescência, termino com um poema de anteontem, 12 de maio de 2012. Mais adolescente, impossível!



CONVITE A UM PASSEIO



E no meio de tanta neblina

Quero conhecer esse caminho que me chama

Quero passear por cada canto desses cantos

Ir, voltar, passar de novo por lugares novos,
Decorar caminhos, saber de olhos fechados
E ter olhos abertos ao passar pelos lugares
Que meus olhos antes nunca tinham explorado.



Quero descobrir tudo o que guarda essa paisagem

Todos os olhares que teus olhos podem ter
Todos os mistérios que tua boca acoberta
Quero cada som, cada suspiro e pedaço
Ir, voltar, passar de novo por pedaços novos
Decorar teus beijos, saber de olhos fechados,
E ter peito aberto ao provar outros suspiros
Que meus lábios antes nunca tinham explorado.



E depois de tudo, descansar por quanto tempo...

Todo o necessário pra pegar outro caminho,
Quero passear pelo teu corpo, qual turista
Quero conhecer cada paisagem de você...



E depois de tudo, nada será como antes...

Cada nova vez, outra viagem, outro encontro,

Não serei o mesmo, nem você será, garanto
Como se todas as vezes fossem a primeira,
E cada estação será um pouco primavera
E cada canção será um pouco a mais bonita
E tudo será exatamente como eu quero
E como tu queres, pois o que eu mais quero, enfim:


Que sejas turista e venhas passear em mim!





beijinhos de maracujá!

terça-feira, 8 de maio de 2012

Diário de Bordo do Universitário Regimental Não-Infrator



Diário de Bordo do Universitário Regimental Não-Infrator


Madrugada produtiva. Meu colega de curso, Anidalmon Morais, e eu, estudamos o Regimento Geral da universidade, para compreender as regras a que somos submetidos como discentes. Compreender as leis é uma ótima forma de colaborar com a ordem e com a dignidade do ensino.

Depois fizemos o primeiro post de nosso mais novo empreendimento, o blog-cartolina. Trata-se de uma intervenção artística, atividade cívica, de cidadãos com direito à liberdade de expressão, e que não cometem nenhuma infração criminal.

Por fim, fizemos a o texto da Metodologia da nossa pesquisa em Métodos e Técnicas de Pesquisa II - MTPq II -, apresentando os marcos fundamentais de uma metodologia científica de pesquisa em psicologia sustentada na Pesquisa-Intervenção.

Agora registro todos esses episódios em meu diário, registrando para a posteridade. Vou dormir tranquilo, repousar minha cabeça no travesseiro com o sentimento de missão cumprida. Fiz minha parte.

Mas fiz apenas a minha parte da madrugada, vou dormir um pouquinho, e loguinho eu acordo para cumprir minhas tarefas matutinas. Um encontro de discentes, objetivando estudar psicologia Soviética. Obviamente sem nunca práticar atos incompatíveis com a moralidade da vida universitária.

miúdos ósculos de Passiflora edulis!
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domingo, 6 de maio de 2012

Drão: semear um Estado laico é a velha nova ameaça (ao Estado!)


Gilberto Gil escreveu Drão, nós roubamos Drão de Gil pra falar sobre liberdade religiosa e Estado suicida. O estado laico faz do Estado um suicida, e como nós queremos o fim do Estado, mas sabemos que ele quer se manter, vamos implantar o vírus da autodestruição, e um desses mecanismos de terrorismo químico contra o sociometabolismo do Capital no organismo do estado se chama Estado Laico! Ele tem que morrer como o trigo de Gil, pra germinar o pão. Acabou o Amor, Gil, isso aqui vai virar um inferno

O Estado que temos hoje quer se manter vivo, passa o tempo e ele muda, mas pra ficar como está, mas a gente vai plantar nele uma abertura pro novo, então já que é pra semear, vamos falar em cristianismo?
Laico não é igual ateu, laico não é igual a anti ateu, nem a anticristão, laico não é igual a macumbeiro, nem a católico, nem a crente, nem a espírita, nem a budista, nem a judeu, nem a muçulmano, nem a astrológico, nem a marxista, nem a anarquista, nem a comunista, nem a liberal, nem a neo-liberal, nem a militar, nem a cientista.

Laico é igual a laico, a liberdade de idéias, liberdade de pensamentos, liberdade de diálogo, inclusive liberdade religiosa.

Por que transformar o Brasil em um pais cristão? Pra quê eu quero impor legalmente a minha religião a quem quer outra? Minha religião quer Deus como uma OBRIGAÇÃO? Deus quer que nós OBRIGUEMOS as pessoas a serem cristãs? Não existe LIVRE ARBÍTRIO? Deus quer que façamos uma DITADURA cristã? Um estado só dos que são de Deus? Ou ele quer que sejamos semeadores no mundo? O Deus cristão mesmo, não disse para nós, quando se fez homem: "Ide e Evangelizai"? Então porque a gente, já que acredita na palavra de Deus, não vai fazer como cristo, ser semeador, plantar o exemplo cristão, ao invés de FICAR CUIDANDO DA VIDA DOS OUTROS, a única coisa que Jesus não fez nem nos mandou fazer? Porque a gente quer que o ESTADO (uma instituição que tem a função de ficar cuidando da vida dos outros pra manter tudo na ordem conforme o interesse da burguesia, da classe mais forte), vire cristão, se não pra DOMINAR outras religiões?

Ah! Então nós cristãos não queremos ser dominados, mas queremos dominar? Era isso mesmo que Cristo queria? Que os cristãos dominassem? Ide e evangelizai é igual a ide e dominai? Eu acho que não, mas tem gente por aí achando que sim...

Mas o que importa e o que me importa nessa história não é o que eu acho, eu quero saber é o que vocês acham diante disso tudo? Faz sentido pensar nas perguntas que eu coloquei?

beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Quando vale a pena repassar um meme? (ou Sobre o Conceito de "Turismo na Própria Cidade")




Turismo na própria cidade é uma bolinha de gude. Pode ser divertido, quem já brincou de alguma maneira com uma ou mais dela sabe o que é; Pode ser variado, existem mil tipos, Gudeira, carambolinhas, de Leite, e vai. Pode ser lindo, afinal, olhe com uma delas contra a lâmpada, escolha várias diferentes pra fazer isso e veja que lindeza. Pode ser uma arma, jogue sob as patas de um cavalo da polícia te perseguindo numa noite de 02 de junho de 2011, nas ruas de uma democrática Vitória (Leitão da Silva, Avenida Vitória, Cesar Hilal, atalho na Carlos Alves), quem se lembra disso?



A solidão sozinha não dá em nada, mas há certas faxinas que só se faz em solidão. Tem hora em que não convém repassar um meme, mas tem hora que a gente repassa, e cada um de nós tem seus motivos, seus critérios. Quando vale a pena repassar um meme?

Eu acho que vale a pena em quatro situações: quando acho que vai mover alguém pra luta (quem quer que seja), quando eu acho que vai dar um momento sublime a alguém (quem quer que seja), quando eu preciso desabafar e aquilo retrata o que estou sentindo, e quando eu preciso inflar o meu ego e pagar de galante pavão (ascendente em leão, e não em peixes como eu pensava). Sempre repasso quando uma ou mais dessas demandas estão presentes, inclusive foi unicamente o segundo que me fez postar a primeira imagem, que abre esse posto. Esses quatro motivos aliás, são os mesmos que me fazem escrever neste blog. Todos os posts vêm de um ou mais desses motivos acima.

Mas tem coisa que não convém compartilhar, e a gente compartilha. Maldito facebook! Mas o facebook tá em nossas vidas, e até que consigamos tirá-lo de lá e viver bem com isso, criemos critérios pra viver com ele, né?

Mas acho que melhor do que compartilhar memes é compartilhar lugares, que é uma das modalidades de Turismo na Própria Cidade, conceito que já utilizei em outros textos deste blog mas conceituo abertamente pela primeira vez aqui neste post.

Turismo na Própria Cidade, que eu fico tentado a chamar de TPC, é uma prática de lazer e militância, é uma intervenção. Um corpo ocupando os espaços da maneira mais prazerosa possível que combine a satisfação de seus desejos e suas necessidades e o não-extermínio de sua vida, de sua integridade ou de sua liberdade. É um turismo não sustentado na perspectiva mercadológica, um turismo que pode ser feito sem nenhum centavo no bolso (e que não é proibido a quem tem qualquer centavo ou real ou zilhão). Sua cidade tem, encravada nela, uma história que faz parte da sua vida, mesmo que você não a tenha vivido diretamente. Cada pedacinho de história que a sua cidade guarda nas suas paisagens, construções, locais, belezas naturais, feiuras, contradições, situações, etc., fala exatamente sobre você, e talves fale coisas que você esteja precisando ouvir (neste momento, ou talvez daqui a dez anos, quem sabe?). A cidade está sendo cada vez mais projetada pra que seu corpo não a ocupe, ou só a ocupe dentro de uma certa monotonia, que a cidade seja aproveitada dentro de um circuito em que os corpos só aproveitem o que for comercialmente aceito. Assim como a psicanálise não se faz sem uma relação de dinheiro. O Turismo na Própria Cidade é uma ruptura radical com isso, é um não à obrigatoriedade do turismo comercial, ao turismo que aliena, que adoece, que nos torna estranhos à nossa própria cidade. Sua própria cidade pode ser até seu próprio corpo (um caso extremo disso é a masturbação, quando prazerosa e bem preocupada com o conhecimento do próprio corpo), e é possível fazer Turismo na Própria Cidade na cidade dos outros, em outras cidades.

O TPC pode ser praticado em solidão, que é uma forma excelente de esquecer idéias indesejadas (mas nem sempre funciona) e também uma forma excelente de ter idéias novas ("Só os pensamentos andados têm valor", o TPC é uma metodologia Nietzschiana, por incrível que pareça [já que está inserido em uma Psicologia Dialética]). O Turismo na Própria Cidade Excêntrico (seria exagero chamá-lo de TPCE?) é uma modalidade voltada para a intenção de incomodar: ponha no mundo um corpo estranho, inconveniente, singular, alegre demais, esparrado demais, provocador demais, e ou que incomode de alguma maneira, e deixe o mundo sofrer puro efeito da presença desse corpo, e esse corpo sentir o efeito da presença do mundo sob efeito da sua presença, e depois o mundo sentir efeito da presença desse corpo depois da efeito  da presença do mundo sobre a presença desse corpo nesse corpo, até que as relações entre o corpo e o mundo sejam tão confusas que não caibam mais em um blog, só na tour do Corpo Excêntrico pela cidade. O Vínculo pichoniano redundando até o infinito, nessa sacana provocação.

O TPCE também funciona em protestos, ambientes públicos como shoppings e praias, ou prédios públicos, como universidades ou assembléias legislativas, por exemplo. Eu gosto muito de escovar os dentes na sala de aula e no corredor, pra dizer pro mundo que a UFES é, sim, a nossa casa. Vamos continuar abrindo abril e consequentemente nos negando a entrar na lógica do adultocentrismo, que cala a alegria do corpo que brica como criança. Não sei se já perceberam mas o TPC também é uma metodologia espinosista, e muito mais do que nietzschiana. É uma política e uma ciência dos encontros. O que pede uma nota de rodapé: Nem sempre o TPC vai dar certo, às vezes ele vai estragar tudo. Não tem uma regra, uma garantia divina ou superior de que vai ser infalível e funcionar como queremos. E nem sempre o que sai do planejado é ruim, mas muito menos é sempre bom! Isso não pode porém ser motivo pra desconstrução completa no TPCE, baseada no medo e no microterrorismo, afinal apesar dos riscos, bagunça pela cidade continua sendo a velha nova ameaça! O nome disso é apostar no bizarro.

Outra forma de Turismo na Própria Cidade se chama Turismo na Própria Cidade Coletivo, ou em Coletivo. Eu acho incluisive que o Turismo na Própria Cidade em Solidão deveria se chamar TPCS, e o Turismo na Própria Cidade Coletivo, TPCC. Gostei da coisa das siglas, me permitam brincar um pouquinho, por favor.

O TPCC pode ser feito em duplas (TPCD), em trios (TPCT), em quartetos, (TPCQ) e em cinco ou mais pessoas (o que eu acho que já é gente demais pra receber uma sigla específica, porque são poucas as letras no alfabeto, pra inventar tanta sigla tão parecida).

Saindo um pouco da nóia das siglas, mas usando o que de útil saiu daí, o TPCD também tem várias nuances, que eu metodologicamente esboço destrinchar aqui: ele pode ser romântico ou não romântico; pode ser uma oferta de presente: ao invés de dar uma propriedade, um objeto, uma posse, de presente pra alguém, dê um instante, uma paisagem, uma vista, um local (poderia ser uma música ["a nossa música"], um poema, um beijo, uma sessão de cinema, mas você escolheu um TPC de Presente).

O TPCC (assim como o TPCD), pode ser utilizado em fins pedagógicos de formação política, assim como em fins terapêuticos: um bom acompanhante terapêutico (fazendo ou não uso da Psicologia Dialética), consegue produzir um movimento INCRÍVEL na clínica psiquátrica através do passeio assistido, que nada mais é do que um TPCD ou TPCC, além de um incentivo à prática da TPCS como artifício para a produção de autonomia. Não existe produção de autonomia na psicologia Dialética que não mova para a luta. Isso é um princípio indiscutível e inegociável da nova psicologia.

O TPC também poderia ser chamado de Turismo, igual o pessoal da Bahia (ao menos do sul dela) chama puteiro de Brega, o pessoal de Belém diz que vai pra Aparelhagem, e a gente de Vitória diz que vai pros Rock. E aí, vamos fazer um Turismo? Você pode estar chamando a pessoa prum quatro e vinte, mas pode também estar marcando uma subida ao Mestre Álvaro no feriadão, ou chamando a galera  pra um show da Soul To Groove (melhor banda capixaba dos últimos anos), ou mesmo pode estar marcando uma pentada.

O uso medicinal e terapêutico do TPC pode ser conjugado com o uso militante (tem militância que adoece, mas tem militância que é terapêutica [a Psicologia Dialética bem sabe disso!], então às vezes as duas coisas podem estar juntas), pode ser articulado ao uso recreativo (que na verdade quase sempre está presente, é quase que o componente obrigatório, a essência, a raiz do TPC, mas pode às vezes ou em casos extremos faltar), etc. O TPC pode até mesmo ser utilizado em estratégias de sedução (todo tipo de sedução). Por conta disso mesmo que nós, do blog Artifício Socialista, chamamos atenção para a prudência. Poderia até fazer uma vinheta assim, ó: "O BLOG ARTIFÍCIO SOCIALISTA ADVERTE: O TPC pode ser utilizado para controlar, enfeitiçar nocivamente, hipnotizar, subordinar, de certa forma oprimir, explorar, sugestionar, de certa forma alienar". Não queremos isso de forma alguma! Não queremos uma TPC que aliena! Mas estamos contando isso, não pra incentivar o uso intencional do Turismo na Própria Cidade Nocivo (TPCN), mas porque sabemos que o uso nocivo é em geral ineficiente quando o alienado se desaliena da sua condição de alienado. A pessoa desalienada consegue com maior facilidade transformar o TPC em bom encontro, que é fruto do exercício do que o velho Marx chamou de crítica:

"Não retirar das cadeias as flores falsas,
Pra que os homens suportem a cinza prisão,
Mas pra que tornem se livres:
E as flores vivas brotarão." (Poema de Karl Marx, tradução minha).

Aqui fica nítido que mais do que qualquer outra coisa, o TPC é uma metodologia Marxista, fundada na filosofia, na ciência e na política do Materialismo Histórico Dialético. A citação acima é a alma e a essência do Turismo na Própria Cidade, assim como aquele poema do capítulo cinco do capital em que Marx fala sobre a abelha e o arquiteto é a alma e a essência de toda a psicologia Vigotskiana e de toda a psicologia da Escola Soviética. Donde depreende-se que a essência do TPC é a crítica, já que o TPC humaniza e a alienação desumaniza (torna menos acessivel a todo, a todos e a cada ser humano aquilo que foi construído por todo, por todos e por cada ser humano [ou seja, aquilo que é artificial, social e histórico]). Para o exercício da crítica, indispensável ao método TPC, é preciso compreender o conceito Marxista de alienação. 

Marx aposta na artificialidade da alienação. Se a alienação é produção social, é histórica e não é puramente natural, porque apostar na impossibilidade de universalizar (totalizar) o desligamento da alienação? Não estar mais ligado ao estranhamento de si mesmo: essa é a meta de Marx, que ele aposta que nós podemos, enquanto gênero humano, alcançar. Alienação é estranhamento, isso explica tudo. Alienação não é burrice, é apenas ver algo que você fez como algo que está acima de você. Se a alienação é social, se nós fizemos, e fazemos o tempo inteiro a alienação, quem disse que ela é maior do que nós? Quem disse que ela é um Deus que está dentro de nós e que não podemos superá-la? Quem disse que tem um Deus em outro plano determinando neste plano a existência eterna e insuperável da alienação em nós? O TPC aposta na superação da alienação, no papel da crítica nisso, na terceira forma do conhecimento de Espinosa, e no valor dos pensamentos andados, segundo a valoração de Nietzsche. Claro que o TPC rompe muitíssimo mais com Nietzsche do que com Espinosa, mas rompe absolutamente menos com Marx, ele não deixa de forma alguma de estar no campo do marxismo e acredito que também não deixe no caso do espinosismo. O TPC é um conceito fantasiado de brincadeira, é uma arma fantasiada de brinquedo. Uma bolinha de gude.

TPC's nocivos costumam perder o efeito justamente quando em contato com a consciência da relação de hipnose, que abre caminho para que a pessoa desalienada (que na atualidade nunca é completamente desalienada, apesar do nome) possa exercer a crítica, inclusive através do seu corpo, anulando o turismo nocivo pela via do método do Turismo. Por isso fizemos questão de colocar a advertência sensacionalista de agora há pouco, trata-se de uma espécie de otimismo. Vale a pena saber que isso é possível, pra saber que é possível enfrentar isso. E aí a crítica inclusive dá à pessoa desalienada a opção de avaliar que a relação de hipnose está sendo útil, que ela convém, e que ela pode continuar (mesmo que provisoriamente).

O TPC rompe com o nietzshianismo também na questão da solidão, já que fazemos o esforço de colocá-la (a solidão) em seu devido lugar. Ela é extremamente necessária mas não é indispensável a todo momento, e nem esse tanto assim como o Nietzsche dá a entender. Na verdade, apostamos menos na solidão do que aquele tanto que o próprio Nietzsche afirma: apostamos na coletividade, na construção coletiva e na síntese de um projeto planejado pela classe para superar o projeto espontâneo, que põe a classe nas mãos do projeto planejado pela burguesia. A opção pela contra-hegemonia nos faz não abusarmos muito na dose de solidão, porque certos destilados, se bebidos em grandes quantidades, dão ressaca pesada no dia seguinte, e a solidão é um deles. Mas repetimos, há certas faxinas que só se faz em solidão. Nietzsche e Freud, ao contrário de Marx, apostam na naturalidade da alienação, aposta que anula toda e qualquer possibilidade de emancipação humana. Isso diferencia diametralmente Espinosa de Nietzsche, aliás. Espinosa é um racionalista que aposta na emancipação humana. Essa polêmica precisa ser aprofundada, porque acho que essa aposta dele não é utópica, nem a de Marx.

Memes têm tendência a ser TPCN's. Memes são hegemonicamente nocivos. Mas não homogeneamente, ou seja: nem todos os memes e nem todas as hipnoses são nocivas. Muito menos todas são garantias de maus encontros. Há hipnoses nocivas que podem redundar em bons encontros, o que não quer dizer que não sejam combatíveis. Por isso, um ciberativismo precisa saber utilizar os memes da forma correta. A política de comunicação de uma esquerda efetiva e competente, sabe fazer uso dos memes, não de maneira idêntica, mas sem sombra de dúvidas de maneira análoga ao Turismo na Própria Cidade. Quando vale a pena repassar um meme? Como o facebook tá atravessando a nossa vida o tempo inteiro, vamos meter o facebook na luta! Fazer dele uma bolinha de gude, uma brincadeira que na hora exata é a arma mais precisa de todas. O segredo é usar os memes como fanzines virtuais, num do it yourself do século vinte e um, que abre para a ruptura revolucionária. A comunicação viral é o que mais podemos aprender com os memes. TPC precisa ser viral, fazer a diferença é essencial para que esse método funcione. Inclusive, depois de lerem esse texto, postem no facebook, curtam, compartilhem, comentem. Vamos mesmo mudar o mundo via facebook.

A diferença fundamental entre um meme e o Turismo na Própria Cidade, é que o TPC se faz nas ruas! E por falar nisso, esse método, apesar de aplicável em ambientes rurais, é eminentemente urbano, e uma psicologia camponesa deverá ainda tratar dessa questão metodológica, apesar de termos práticas análogas no campo, oriundas não da psicologia, mas do conhecimento popular. Não tenham dúvida de que essa é, aliás, uma das principais fontes da Psicologia Dialética na formulação desse nosso método. O TPC é como um beijo na varanda. Sentimos saudades de certos lugares, que ficam pra sempre em nossas memórias, assim como certos beijos deixam saudades, assim como certas histórias deixam saudades. Essa impressão de marca cognitiva no registro mnêmico da saudade é o princípio ativo do TPC, é daqui que sai o efeito químico, sináptico, neurofisiológico de nosso método. Pode ser utilizado combinado com outras substâncias. Mas prudência que elas, de acordo com o uso, a dose, a combinação e a circustância, também podem se tornar nocivas.

Que tal marcarmos uma partida de bolinha de gude qualquer dia?

beijinhos de maracujá!