quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Nota: orgulho da gente!



CALPSI, no sábado eu senti muito orgulho de nós, do grupo que nos tornamos, e das posturas que a galera teve, algumas pessoas em particular, mas também o nosso bonde no geral! Nunca é bom quando rola uma situação desagradável, uma situação de machismo tão explícita e com tantos elementos que, quando a galera feminista conta, parece que é estereotipado. Mas o fato de não ter rolado mais uma vez o que sempre é comum - a intimidação reafirmar a opressão e dar ao opressor a sensação de que pode fazer de novo, que vai sair sempre de boa - é preciso ser ressaltada.

Estou há alguns anos neste CALPSI, e a gente luta junto, se alegra junto, se indigna junto, passa por dificuldades e prazeres junto, fico feliz de saber que a gente pode confiar no que a nossa galera vai fazer. Não é garantia de sucesso, mas fica claro que temos mais chances de sucesso do que em lugar em que essa afinidade militante não existe, não impregna o cotidiano.

Mulheres que não autorizam a opressão a se aplicar: que nós homens aprendamos com isso. E que a luta feminista continue permeando nossas vidas, e nos fazendo, cada vez mais, um grupo do qual eu possa sentir orgulho de faze parte.

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ENADE: "buscar um outro caminho" é possível sem o boicote?


Caro Cláudio Pedrosa,

Fiquei contente em receber seu comentário em meu blog. A exposição das divergências é indispensável para que as idéias não se cristalizem. Quis responder a teu texto com um novo post, porque acho que vai ser mais útil para quem tem interesse no debate do ENADE e de seu boicote!

"dispositivo de avaliação" ou "conduta dos empresários da educação": qual dos dois é o problema?


A resposta é: os dois. Há outros problemas além destes dois, mas a conduta dos empresários da educação, os interesses privatistas sobre o ensino, que é um direito, e não deveria ser fonte de lucro, é sim um grave problema. Mas gostaria de chamar atenção para uma coisa: não são apenas os empresários da educação cuja conduta determina o funcionamento da educação no Brasil hoje, assim como os empresários da saúde não jogam suas influências apenas sobre as costas da saúde. A educação, desde berçários até pós-doutorados, interessa aos diversos setores do capital, por alguns motivos simples: 1) porque dá o conhecimento mínimo necessário para que as pessoas sejam bombardeadas diariamente pela ideologia dominante (engana-se quem acha que o analfabeto é mais suscetível às idéias dominantes do que o alfabetizado! Alfabetização não é garantia de senso crítico, e sem este, aquela vai apenas ajudar os interesses dos poderosos); 2) porque pode provocar nas pessoas senso crítico, de busca pela verdade social, o que ameaça os interesses dominantes e faz com que a educação precise ser sucateada, ter limitações, fingir que liberta, enquanto mantém as pessoas num regime pedagógico ultrapassado e desumanizador; 3) porque no imaginário das pessoas a educação é a salvação de todos os nossos problemas, então uma empresa ou um governo que aparecem como parceiros da educação, sai bem na fita, daí é necessário influenciar nos seus rumos, fazê-la limitada à oferta do mínimo conhecimento necessário pra ser ideologicamente controlado, sem ter senso crítico para escapar deste controle, e ainda acreditar na mentira ideológica de que os poderosos são os bonzinhos que estão cuidando da educação; 4) porque a educação forma profissionais para venderem a sua força no mercado de trabalho, e o ensino superior precisou ser ampliado nas últimas décadas, não para atender a mais pessoas, mas porque a modernização tecnológica pede mais mão de obra com ensino superior, de preferência sem senso crítico, e por isso os novos cursos são cada vez mais tecnicistas; 5) porque é preciso haver espaços de formação da intelectualidade que vai estar a serviço dos interesses dominantes, então é preciso fazer por exemplo, uma educação superior de massas para filhos da classe trabalhadora venderem sua força de trabalho especializada, e outra educação superior para os filhos da classe burguesa assumirem as rédeas da atual sociedade; 6) porque a educação, como mercadoria, é muito lucrativa.

Repare que só o sexto interesse é exclusivo do empresariado da educação. Todo o resto da elite tem muitos outros interesses na educação, inclusive junto com os próprios empresários da educação. O ENADE não avalia apenas a educação privada, mas também a pública, e os interesses econômicos determinam como os governos vão dirigir a educação. Nós fazemos movimentos sociais (movimento estudantil, movimento de professores, movimento de servidores técnico-administrativos, e outros movimentos sociais para além da educação), justamente pra que os interesses da elite não tomem conta da educação. A importância do movimento estudantil está aí: em dizer que nossas prioridades são outras, que o lucro não deve ser o determinante da forma como a educação brasileira funciona, que o bem estar de toda a população não pode ser secundário. O movimento estudantil precisa estar a serviço das pessoas ignoradas na construção dessa educação que serve às elites.

No entanto, o dispositivo de avaliação tem sim seus problemas. Tecnicamente, o ENADE é uma prova excelente pra calcular a quantidade de conhecimentos técnicos acumulados, mas esse tipo de mensuração pressupõe que o que foi respondido em uma prova dessas é o conhecimento que você vai levar pro resto da sua vida, sabemos que isso não é verdade. Coloca os estudantes pra refazerem a mesma prova três meses depois pra você ver como a nota vai cair.

O ENADE não avalia nada que nos mostre locais onde a educação precisa melhorar. Aí você pode dizer "mas o ENADE é apenas um dos mecanismos de avaliação do MEC hoje! O sistema é muito maior do que isso!"

Então veja quantas universidades deixaram de cadastrar seus alunos pra fazer o ENADE (nenhuma!) e quantas deixaram de ter Comissão Própria de Avaliação (CPA), ou de receber visita técnica do MEC (duas outras formas de avaliação além do ENADE, todas as três fazendo parte de um mesmo sistema de avaliação). Estudo na UFES, e há anos não tem CPA aqui: uma forma ainda não perfeita, mas muito mais democrática e eficiente de avaliação. No meu curso estamos há anos esperando uma visita do MEC, e pelo menos desde 2006, nenhuma aconteceu. Mas esse ano, vai ser o TERCEIRO ENADE desde 2006, e é claro que tanto o MEC quanto as faculdades particulares e universidades públicas priorizam a prova, e ignoram todo o resto do sistema.

Importante: O SINAES, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (sistema do qual fazem parte, por exemplo, o ENADE e a CPA) é aparentemente um sistema múltiplo, que combina várias formas de avaliação, mas prioriza ABSOLUTAMENTE uma prova que mensura qualitativamente APENAS o desempenho estudantil, e que pode ser facilmente manipulada pelas faculdades para interesses mercadológicos. O MEC está cometendo um ERRO ao aplicar um sistema de avaliação que prioriza o ENADE? Não! O MEC está defendendo os interesses que o governo brasileiro representa hoje. São os interesses da elite, são os interesses do capital internacional e nacional. Não são os interesses do povo, destituído de poder econômico.

Boicotar o ENADE é também uma forma de sinalizar insatisfação com todo o sistema. Mas não basta, e é por isso que estamos aproveitando este período de campanha por boicote, pra falar também sobre a importância de criarmos outras formas de avaliação. Não estamos lutando apenas contra o ENADE, estamos lutando contra o SINAES. Mas é preciso ficar claro: o coração do SINAES é o ENADE!

Boicotar o ENADE não vai alterar a postura dos empresários, concordo contigo, mas não é esse o objetivo do boicote. É alterar a postura do governo federal, do MEC. E o boicote vai fazer isso atrelado a outras ações que o movimento estudantil já vem fazendo. Participar do movimento estudantil é essencial para aumentar as chances de sucesso dessa e de outras lutas igualmente importantes.

Mas para alterar a postura dos empresários, é preciso lutar não contra eles, isolados, mas contra os interesses que eles defendem, e que os favorecem. A educação e a avaliação educacional falidas que temos hoje não são acidentais, são expressão de uma sociedade falida, voltada para os interesses do capital. Ou a gente luta contra toda essa sociedade, e a luta por educação de qualidade e libertadora fazendo parte dessa luta maior, ou não vai adiantar nada ficar lutando apenas por educação, se as regras do jogo favorecem quem já tá ganhando há tanto tempo.

Então que tal a gente parar de seguir as regras do jogo, e boicotar o ENADE como forma de demonstrar que não vamos fazer calados tudo o que o governo e as elites nos mandam fazer? Espero que este texto continue os debates, e que sigamos lutando por transformação. Porque deixar as coisas como estão, pra mim, tá fora de cogitação.

beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ensaio das Marteladas!


Vocês me faltam,
Danadas!

Vocês me faltam!

Eu procuro vocês como muralhas,
Me iludindo de que não são de vento...
Fico achando que vocês me dão chão,
E tudo o que recebo é pensamento,

Eu acho que vocês vão me ajudar
A desfazer os nós indesfazíveis
E me pergunto porque só me levam
A baixar os níveis...

Quem são vocês, que só me vêm pré-feitas?
Quem são vocês, que me faltam violentamente
Nas horas em que mais lhes quero intensas,
Pra destruir a dor que o peito sente?

Por que tem gente que é hieroglifo,
Gente que eu não consigo desvendar,
E se vocês, palavras, fazem charme,
O tradutor que sou: sede de mar!

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Acordar do Cavalheirismo: uma questão de tato



Tudo o que eu queria agora, é que as pessoas que me amam me buscassem, ao invés de esperar que eu corra atrás, e que as pessoas exploradas se juntassem pra lutar contra a exploração, ao invés de apoiar quem explora, em busca de benefícios individuais (e efêmeros).

No entanto, a vida concreta é cheia de verdades que, se não forem olhadas com boa atenção, enganam. Olha só: é inegável que a experiência sentida na pele ensina com força maior do que qualquer história que contam pra gente, no entanto esse aprendizado forte só se torna forte e também verdadeiro com uma condição, se a gente comparar essa experiência pessoal com as várias experiências que o resto da humanidade vive. Se a gente interpreta naturalmente a experiência pessoal, o que cada um de nós sentiu na pele, sem articular com o que o resto da humanidade sente na pele, a tendência é de a gente perder as esperanças, ver a vida como uma mera disputa de lobos, e aí cada um vai querer o seu, e furar o olho alheio é de boa. A tendência é a gente achar normal que haja uns que se dão bem (os exploradores) e que haja outros que se dão mal (os explorados). E aí a gente vai ficar sonhando que se nós, os que nos damos mal, conseguirmos tirar alguma vantagem dentro da situação de explorados, a gente virou membro do time dos que se dão bem. Esse sonho vem junto com um pesadelo, igualmente falacioso: a certeza de que o lado dos que se dão bem e o lado dos que se dão mal são dois times normais, que sempre existiram e sempre vão existir. Achar que a exploração é normal, que a existência dos dois lados é normal, e ainda achar que a melhor forma de evitar a exploração é tentando se dar bem, é tudo o que os exploradores querem que nós, os explorados, acreditemos, para que eles possam continuar nos explorando.

O que os coloca em risco é se nós fizermos a única coisa que nos dá força para derrotá-los: nos unirmos para defender interesses coletivos. Se os interesses individuais deixam de imperar, se a gente aposta que dá pra acabar com a exploração, e deixa de cuidar dos nossos interesses pessoas pra nos juntar, os exploradores têm motivos pra temer. Porque essa é a única coisa que pode acabar com a "normalidade" dessa divisão: uma ação de massas do lado oprimido, contra a existência de ambos os lados. Nem oprimidos nem opressores, nem explorados nem exploradores. Queremos que nada disso exista: mas existe! A gente sente isso na pele, só precisamos entender isso: o benefício de quem cuida do próprio nariz é provisório (explorado que cuida do próprio nariz, pode ganhar migalhas dos exploradores, por bom comportamento, mas para continuar ganhando com a exploração, os exploradores não podem dar brinde pra todos os oprimidos que se comportam bem, então eles dão uma migalha aqui, depois tiram pra dar pra outro, depois tiram do outro quando aperta um pouquinho pra eles). Os ganhos individuais são provisórios, porque por mais que a gente ferre a gente pra ser um "explorado que tá por cima", a gente continua sendo explorado, e portanto, correndo o risco de virar "explorado que tá por baixo".

A única via substancial é acabar com a exploração. Todo o resto é ilusão.

Daí eu vejo esse despertar das massas exploradas como uma espécie de demonstração de carinho. O ato de quem é explorado se unir com outras pessoas exploradas para lutar contra a opressão, é parecido com o ato de demonstrar afeto por quem ama, e não apenas esperar o afeto da pessoa amada. Com o tempo, a gente vai aprendendo que a idéia de masculino ativo e feminino passivo é uma farsa, e que nem a mulher que chega no cara é puta, nem o cara em quem a mulher chega é veado. Puta não é um desvio moral, e sim a condição de quem precisou fazer do corpo um objeto de trabalho sexual. Veado não é uma indignidade, e sim as preferências sexuais de alguém por conta de uma certa orientação. Não se trata que condenar putas e veados, se trata de discordar da idéia de que homens devem chegar, e de que mulheres devem ser recatadas. Assim também condeno a idéia de que direção deve decidir o rumo e que base deve segui-lo. Antes disso, acho que a direção deve seguir o rumo que a base decide.

No entanto, estamos acostumados a uma sociedade machista e individualista, fomos criados nela. Mulheres condenadas por expressar seus desejos, homens cobrados a fazê-lo, e impô-lo. Pessoas educadas para cuidar do próprio nariz e "se dar bem dentro do possível", e direções de movimentos e partidos que, na contra-mola dessa maré do "se dar bem", tentam convencer pessoas do contrário daquilo que foram educadas, ou seja, convencê-las de que "o impossível é possível, e de que se dar bem é apenas um jeito egoísta de não deixar de se dar mal". Essas direções também são compostas por pessoas, e essas pessoas também foram educadas a achar o possível impossível, portanto não se trata de super-homens e super-mulheres, com nervos de aço, enquanto as bases seriam pessoas normais, de carne e osso, alienadas e pouco esclarecidas.

A função da direção não pode se encerrar em criar referência da base nela: as massas botam fé em mim, e eu sou uma direção revolucionária, por isso vou levar as massas à revolução. É preciso dar o próxima passo, e sair do cavalheirismo: dar às bases a condição de se forjar direção, para que a própria base tenha rotatividade, e quem era direção possa ser dirigida por quem antes era base. Formação política, incentivo à formulação, garantia de mecanismos democráticos de decisão, através da autogestão efetiva e planejada dos processos. Com isso, a gente sai daquela lógica machista de que o cara tem que pagar um drink e abrir a porta do carro pra garota, e parte para a idéia de que no amor livre deve haver respeito mútuo, e deve haver machismo zero.

É hora de tomar partido, é hora de romper com o individualismo, com o cavalheirismo e com tudo o que nos mantenha como estamos! Que o que sentimos na pele nos leve a lutar!

beijinhos de maracujá!

domingo, 14 de outubro de 2012

Estudantes de Psicologia, conheçam a CONEP! (Campanha de Filiação)



Olá, estudantes de psicologia. Obrigado por estar lendo este texto. Gostaríamos de fazer um convite a vocês!

Existe uma entidade, para reunir todas e todos estudantes de psicologia do Brasil. Seu nome é Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia, sua sigla é CONEP, e seu objetivo é fortalecer as lutas estudantis para transformar a educação brasileira, a formação em psicologia, nossa profissão e nossa sociedade.

Nós da CONEP, organizamos todo ano o Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia, ENEP, que acontece cada ano em uma cidade diferente, e entre seus objetivos, está a reunião de estudantes de psicologia que querem, democraticamente, decidir quais as lutas que a CONEP deve tocar, quais serão suas opiniões, suas idéias, e quais caminhos ela vai seguir. E durante o ano, todas e todos estudantes de psicologia podem continuar participando destes caminhos. Decidindo os rumos, e rumando junto com a gente.

Esse é o motivo deste texto. Continue lendo que temos um convite para você.

A CONEP tem um Coletivo Gestor (pessoas eleitas no final do ENEP para cumprir o que foi decidido democraticamente pelas e pelos estudantes presentes no encontro). Mas existem outras duas formas de fazer parte da CONEP: uma é participando de suas reuniões, de suas atividades; a outra é se filiando à CONEP.

Filiadas e filiados não precisam pagar nada, apenas estão se cadastrando para receber materiais e informações da CONEP, ficar por dentro do que ela está fazendo pelo Brasil, saber de suas campanhas, de suas atividades, e poder ajudar nos nossos próximos passos. Para se filiar, basta conhecer a CONEP e concordar com suas idéias e seguir o seu estatuto. Aqui está a ata da plenária final do último ENEP: http://coneponline.files.wordpress.com/2012/09/ata-plenc3a1ria-final-25c2ba-enep-cuiabc3a1.pdf Essas são as diretrizes e tarefas que democraticamente a CONEP deve seguir. Se você se identifica com essas idéias, ou quer contribuir democraticamente para melhorá-las, faz sentido se filiar à CONEP.

Você pode se filiar à CONEP, e também o CA do seu curso. Caso a sua faculdade não tenha CA ou DA de psicologia, se filie junto com o máximo possível de colegas, e a CONEP pode ajudar vocês a criar o CA!

Este é o estatuto da CONEP: http://coneponline.files.wordpress.com/2012/09/estatuto-da-conep-aprovado-no-xxv-enep-cuiabc3a1.pdf Se após saber o que a CONEP pensa e como ela funciona, você quiser se filiar, eis o link do formulário de filiação:

https://docs.google.com/spreadsheet/viewform?formkey=dEFndWc0UzZ6WjZnVkRYVXBTdklMWlE6MQ


Repasse este texto e estes links para o máximo possível de estudantes de psicologia. A CONEP é sua, é nossa! Vamos tomar conta dela!

Este é o nosso blog: 
http://coneponline.wordpress.com/

beijinhos de maracujá!

Concretude da autogestão como reinvenção das lutas de massas (ou Assim, nunca voaremos!)



O que precisamos é de um jeito de fazer democracia que esteja grudado na nossa pele, e que faça cada vez mais pessoas sentirem que sua pele pode ter o dom de emanar democracia. Talvez o nome "democracia" não seja tão bom, já esteja muito desgastado, usado para mentiras. Então vou usar outro termo, igualmente polêmico, ou ainda mais: nossas peles precisam emanar autogestão.

A autogestão, é o que me parece, é o principal problema da psicologia do artifício. Para quem não sabe, já há algum tempo que vem sendo feito esse esforço: sistematizar uma série de idéias oriundas de diversas teorias psicológicas, cruzá-las com pesquisas e diversas formas de investigar a natureza da psiquê, e assim formular um novo campo de conhecimento, dedicado à instrumentalização das pessoas oprimidas e exploradas para a sua libertação através da luta coletiva. Me parece que as próximas investigações vão continuar teimando em repetir o que todas até aqui já nos disseram: que se trata de um problema de autogestão.

Quero começar a formular essa problemática, no seio da psicologia do artifício, trazendo uma questão concreta para o movimento estudantil de psicologia da UFES, para o movimento estudantil de psicologia e para o movimento estudantil da UFES (assim como, acredito, para todo tipo de movimento social e para todo o movimento socialista, hoje!): o fortalecimento e crescimento das vanguardas deve ser causa ou conseqüência do fortalecimento e crescimento das bases?

Hoje, ao contrário do que desejamos, temos poucas pessoas de fato implicadas na luta transformadora. O modo corrente de pensar e de viver, é fundado na idéia de que os interesses individuais são o único parâmetro possível, e que a dedicação a interesses coletivos é, ou perda de tempo, ou loucura, ou um atalho para atingir posições de status, e assim usar essas posições para atender a interesses próprios. Diante deste individualismo, vanguarda e massas estão esvaziadas. Isso não é, porém, uma condição irreversível, e a vanguarda hoje é exatamente aquele setor pequenino da sociedade que busca inflamar nas massas a vontade de tomar posição contra o individualismo e contra a atual sociedade.

Porém, há um desafio posto às vanguardas, que acho que elas não compreenderam por completo: como fazer uma multidão, composta por uma infinidade de indivíduos tão diferentes, com tantos interesses distintos, se mobilizar coletivamente em torno de seus interesses coletivos, e legitimar essa pequena elite crítica e pensante como vanguarda?

O primeiro passo, entendo eu, é justamente despir as vestes da arrogância. Precisamos entender que não temos o programa completo da transformação, que essas massas precisam ser cativadas não a comprar o programa que nós, minoria iluminada, construímos, e sim a construí-lo junto conosco. Para isso, é claro, é preciso aceitar a dura situação em que estamos: construir tal programa é trabalhoso, e à primeira vista, nenhum pouco atrativo a quem já está em cômodas posições. Portanto, nosso desafio passa por desmistificar a comodidade em que cada indivíduo das massas está inserido, e mostrar que a condição atual não só é degradante, mas pede um empenho coletivo.

Porém, esse processo de desmistificação se torna mais difícil quando a realidade aparece para as pessoas como inalterável. Quando a construção deste projeto parece ser da mesma natureza que a reforma da atual sociedade, através da política convencional (essa que todo mundo conhece cotidianamente como A política), fica muito difícil atrair as pessoas para a construção coletiva. Na verdade fica difícil até para nós, que já estamos até o pescoço de tão dentro dessa luta (nós, que somos supostamente vanguarda), participar deste processo de transformação. Por isso o que se põe como desafio é justamente isso: inventar formas imanentemente democráticas de decidir como a vida vai funcionar daqui pra frente. Eis o problema da autogestão.

Não devemos reunir as massas e depois começar a experimentar a autogestão. É através do convite para as experiências de autogestão que devemos trazer as massas ao protagonismo da transformação social.

Retomo o problema que coloquei acima. A vanguarda fragilizada que temos hoje, não deve ter como preocupação prioritária o seu próprio fortalecimento (não que isso deva ser deixado de lado! De forma alguma! Mas não deve ser o carro-chefe de sua ação!). Ao invés de se dedicar a uma auto-construção, iludida de que, se reestruturando, ela será capaz de posteriormente fortalecer e reestruturar as massas, eu proponho outro caminho: entendo que o crescimento quantitativo e qualitativo das vanguardas deve vir como conseqüência "natural" do crescimento quantitativo e qualitativo das massas. Precisamos entender cada indivíduo como uma importante conquista, e entender que no convencimento político de cada pessoa, se abre o caminho tanto para seu crescimento qualitativo na luta estudantil e socialista, quanto para o convencimento político de outras pessoas a partir daí (crescimento quantitativo). Precisamos fazer da autogestão uma experiência de democracia urgente, apaixonante e compreensível para cada pessoa concreta, e não apenas um utópico e intangível objeto a ser perseguido, como se a democracia no cotidiano daquelas e daqueles que lutam fosse confinada ao campo do futuro.

Insisto que o movimento estudantil, assim como todo o movimento socialista, está confinado ao constante fracasso, caso não se reinvente neste aspecto mais elementar, que é: nunca perder a oportunidade de fazer cada indivíduo se sentir parte de uma construção coletiva, e ao mesmo tempo fazer cada contribuição individual ecoar enriquecendo, da maneira mais imediata possível, os processos coletivos.

A democracia precisa ser palpável, compreensível, precisa ter papel pedagógico ininterrupto na vida de cada uma das pessoas que o movimento socialista organiza. A autogestão precisa ser algo simples de explicar por qualquer transeunte nas ruas da cidade, porque algo vivido de fato (e não apenas teorizado) por cada pessoa em suas comunidades, em suas associações de moradores, em seus conselhos de fábrica, em seus sindicatos, em seus conselhos de escola, grêmios, centros e diretórios acadêmicos, em cada um de seus espaços vividos. A vanguarda que temos hoje, precisa sim se aperfeiçoar, precisa sim se formar politicamente, precisa sim repensar seus modelos organizativos, mas o que ela precisa se dedicar com mais afinco, é a entender que vanguarda não sabe mais do que base, que a palavra da vanguarda nunca pode valer mais do que a palavra da base, e que a base só respeitará de fato a vanguarda quando não se tratar de uma relação de obediência a uma liderança, e sim de uma relação de confiança nas pessoas que dedicam com afinco sua vida à militância. Essas pessoas são admiradas, porque admiram sua base, porque dedicam sua voz a ser voz desta base, porque fazem com que essa base aprenda o que é socialismo com a inteligência da pele (uma autogestão que paira no ar, que se faz tensa nas musculaturas, e não apenas na verbalidade). Uma vanguarda que se posiciona de tal maneira, que não perde oportunidade de fazer a opinião de cada indivíduo e de todo o coletivo ser aplicada da forma o mais imediata possível, naturalmente conquista o coração de novas pessoas para esse exercício de dedicar a vida com afinco à militância. O crescimento qualitativo e quantitativo de qualquer vanguarda, só vai ocorrer de forma saudável, se for assim.

Não estou defendendo qualquer basismo ou qualquer assembleísmo mesquinho. Precisamos apresentar para nossas bases a importância de formas indiretas, mediadas, de deliberação. Precisamos entender que, em certas circunstâncias, será necessário tomar decisões que não podem fazer a consulta individual a cada membro das coletividades envolvidas, e é por isso que delegamos a certas pessoas, em certos momentos, a função de decidir certas coisas. Porém, não podemos continuar na atual postura idiota da quase totalidade da esquerda, de achar que o conjunto da população explorada vai ver sentido em nossos rituais de militância, em que convidamos as massas à ação revolucionária, mas a grande maioria dos próprios quadros das nosas organizações, entidades, coletivos, partidos, mal participa dos processos decisórios sobre como serão essas ações. Nós naturalizamos que é "mais prático", "mais rápido", "mais eficiente", "menos desgastante", ou qualquer coisa do tipo, utilizar as boas e velhas formas de deliberação acumuladas pelo movimento socialista (e que não devemos jogar fora, enfatizo!). No entanto, acho que precisamos dar um espaço cada vez mais restrito às formas indiretas, mediadas, de deliberação, e não cometer o erro brutal de usá-las no momento em que está em nossas mãos a possibilidade "um pouco mais trabalhosa" de escutar a opinião da maior quantidade de indivíduos possível, e permitir que essas opiniões enriqueçam a formulação coletiva que buscamos. Isso educa as pessoas para a sociedade em que não seremos mais alienadas e alienados da gestão de nossas vidas.

Autogestão é um modo de gerir a vida que precisamos entender como aplicar em cada caso, e até nesse sentido vale a pena escutar as pessoas ao invés de chegar com fórmulas prontas. Que nós, vanguardas, levemos idéias, mas deixemos que as mãos das massas as moldem, ou mesmo que as descartem e as substituam por idéias trazidas por essas massas. Não estou dizendo que as idéias das massas são em si melhores do que as das vanguardas, estou dizendo apenas que o oposto não é sempre verdade, como nos acostumamos de forma viciada a acreditar, convencidos por interpretações equivocadas de algumas experiências verdadeiras.

Sim, a vanguarda tem seu papel indispensável. Sim, sua existência é inevitável, independente das muitas formas que ela possa tomar. Mas o que a psicologia do artifício tenta trazer neste momento é uma verdade sobre seres humanos, que não pode continuar sendo ignorada pelo movimento estudantil e pelo movimento socialista: ações baseadas em saberes estranhos aos nossos corpos, repelem nossos corpos. Quando nossos corpos se reconhecem em certas ações a agir, e em certos saberes, nossos corpos agem. A verdade revolucionária não está pronta, ela está sendo criada a cada nova luta travada pelo movimento socialista, e ou a gente desfaz os edifícios burocratizados de luta que alienam decisão e ação, e edifica novos instrumentos de luta, em que lutar faça sentido para os corpos das exploradas e dos explorados, das oprimidas e dos oprimidos; ou estamos destinadas e destinados a rodar em círculos, sob os comandos massageados de uma vanguarda tão desorientada quanto as massas (ou mais), enquanto achamos que estamos aprendendo a voar.

beijinhos de maracujá!

sábado, 6 de outubro de 2012

Carente e Carinhoso (ou Sobre os Medos Básicos e o Dar as Mãos)



Meu coração, não sei por que, é um músculo involuntário e, quando te vê, bate feliz, pulsa por você. Mas se eu fosse você, e soubesse o quanto sou tão carente e carinhoso, voltava a rir de mim, de novo.

Mas de uma coisa fique certa, amor, eu não preciso estar a toa pra você estar na mira, o meu olhar vai dar uma festa na hora e no dia em que eu estiver contigo e você estiver na minha. Sorrindo, te seguindo pelas ruas, sempre de portas abertas, esperando numa boa a hora de você chegar. É difícil de dizer.


Por algum motivo que eu não sei explicar, mas que a astrologia teima em dizer que vem da pose do sistema solar na foto do meu nascimento, sou extremamente vaidoso, carente e carinhoso. Sou a pessoa mais carinhosa do mundo, apenas por uma mania egoista de fazer para as pessoas o que gostaria que me fizessem. Esse é o motivo do amor das aquarianas e dos aquarianos pela humanidade: querer que a humanidade lhes ame.


Mas eu sou facilmente frustrável: fico esperando que as pessoas sejam tão carinhosas comigo quanto eu sou com elas. E quem disse que elas me pediram carinho? Eu é que sou oferecido. Sou o mais fácil de todas as esquinas deste planeta, basta passar por mim com uma piscadela, e eu me derreto feito um pote de Quali no asfalto quente sob o sol! Por isso mesmo, eu me fiz o fácil mais difícil de todo o planeta Terra, quiça de todo o Bairro das Flores: por dentro estou derretido, mas tão bem tampado que, mesmo derretido, tenho o mesmo formatinho de antes. Com a lua em peixes que tenho, acho que devo guardar em mim todos esses amores, e que apesar de cultivá-los, não são prioridades na minha vida. Não é que eu esteja esperando o dia em que estarei a toa, porque acho que amor não é como super nintendo, que só cabe uma fita depois que tira a anterior. As pessoas que eu amo não são cartuchos de super nintendo, e nem acho que o Super Mario World é a alma gêmea do Super Nintendo, como se fossem destinados um para o outro porque vieram juntos da loja. Mas também não é que eu esteja com medo de ouvir um não ou vários nãos, porque os ouço a todo momento, por toda canto, de todo jeito, em todos os timbres, entonações e situações. Não, não é medo de não. Não estou dizendo que os nãos me sejam prazerosos, mas já superei essa fase adolescente da falta de coragem que vinha do pânico de qualquer indício de rejeição, vivo de elaborar esse meu quíron na casa XI. Muito menos é uma coisa de que, por serem sempre mui amigas as minhas paixões, eu tenha medo de perder tais amizades. Se um dia uma amizade se desfizer porque não sobreviveu a uma declaração de amor, acho que foi tarde, tão imatura amizade.

E no entanto, com saturno em capricórnio (quase em sargitário, mas ainda em capricórnio), insisto em ser pote de Quali, no calor do sol no asfalto. Pote fechado. E o meu verdadeiro motivo é medo de sair de mim, sair de meu mundinho cheio de outras prioridades, e transformar essas aventuras platônicas em amores de verdade. Se você fosse eu, já tinha chegado em você. Mas aí: você não sou eu, se liga! Sendo você, você ainda não chegou em mim, então segura as ondas aí, vai!

Mas é isso mesmo: comodismo e conforto. Eu fico feliz em deixar as coisas ficarem do jeito que estão, pra ficar reclamando, que não chegam em mim, assim como eu não chego em ninguém. A psicologia do artifício precisa ouvir de Pichon o que ele fala sobre os dois medos básicos, que são o medo de perda (cômodo passado que se vai, como era gostoso aquele quentinho molhado lá dentro do útero da mamãe) e o medo de ataque (nunca fui lá fora, não sei que mundo é esse que me espera, depois que eu sair da perereca da mamãe! Vai que o mundo é um grande jacaré, crocodilo, dinossauro, dragão, camaleão de comodo, me esperando nascer pra me devorar inteiro, mastigar e engolir, com mil dentes!). Contra o risco de perder o útero, e contra o risco de sofrer o ataque do novo mundo réptil, o melhor artifício defensivo é a transparência: ficar na pré-tarefa, não estar de corpo inteiro, presença parcial. Se eu fosse você, já tinha chegado em mim.

E quem disse que eu só quero o que eu quero? Além dos medos básicos, outro motivo para eu não completar o que fazer diante do meu querer, pode ser o fato de eu ao mesmo tempo também não querer. Pensávamos que a melhor fórmula era aquela da lógica aristotélica, que a psicanálise teima que subverteu, mas herdou: "Quero, mas não quero querer". Um lado de mim quer, mas o outro quer não querer o que o primeiro lado quer. Mas percebemos que na verdade se tratava de algo um pouco mais difícil de explicar, e que demanda muita dialética, porque a contém em grande escala: "É óbvio que eu quero, mas eu não sei se eu quero". Não tem um querer querer, um não querer querer, nem um querer não querer. Tem dúvida sobre o que é óbvio, não há dois quereres diferentes que ficam até o final da equação, há um mesmo desejo dos dois lados da equação, que pode ser cortado pra simplificar, pra finalmente acabar com a confusão de que o centro da questão do inconsciente é o desejo. Não! É no campo dos saberes que está a contradição fundante de nossa psiquê, é no campo da certeza absoluta sobre o incerto, ou da dúvida profunda sobre o inquestinável. Não é porque o desejo está aí o tempo inteiro que ele é o centro de tudo.

Mas ele está aí o tempo todo, faz parte de cada uma das questões, podemos encontrá-lo por todo o lado. Aqueles dois franceses que escorrem pelo ralo sacaram que o desejo é multiplicidade. Mas a música brasileira explica muito melhor. Eu não tô nessa jogada, não tô nessa, não, senhor! Onde tem camaleão, lagartixa também muda de cor.

Tô precisando de outras companhias. Não melhores, porque as atuais são muito boas, mas companhias que me proporcionem mais adrenalinas, e não apenas que me deixem proporcioná-la. Sou vaidoso, gosto disso, mas também adoro massagear um bom ego e um belo umbigo. Companhias igualmente carentes, igualmente carinhosas. Não alguém que só me leve pelas mãos, mas com quem eu possa alternar essa tarefa. Enfim, pessoas com as quais eu possa caminhar de mãos dadas.

E finalmente, sair do estereótipo de não elaborar os medos de perda e ataque: cansei de ser o bonzinho que ajuda os outros a crescerem, agora eu quero ser grande e desliguei a moral que me servia de coleira. Sâo as outras galeras que têm que ter medo de perder pra mim e de que eu ataque. Eu sou o dragão que devora quem nasce.



E garanto que é uma delícia, ser minha refeição.

Viva a revolução!

beijinhos de maracujá!