terça-feira, 31 de julho de 2012

Universidade Popular X Universidade Burguesa - E onde a gente fica?



A pergunta é simples: onde a gente fica? De que lado ficamos, e com ficamos do lado que optamos? Já a resposta, não é tão simples como parece, e é por isso que eu quero chamar atenção para algumas coisas importantes na introdução deste debate.

Em primeiro lugar, não é óbvio pra todo mundo que a universidade deve ser popular. Há quem ache isso radical e exagerado, há quem ache isso incrível e revolucionário, há quem ache isso pelego e recuado. Portanto, se queremos falar deste assunto, precisamos sair da inocência de que existe um consenso contra ou a favor desta sentença: "Universidade deve ser popular". Tem gente que não acha que a educação deve ser pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Tem gente que nem sabe o que é "socialmente referenciada", e a gente que sabe, ao invés de explicar, fica agindo como se a galera que não sabe fosse burra. Não, isso NÃO É ÓBVIO. Precisamos sair do mito da obviedade (e se alguém que está lendo esse texto quiser saber o que é "educação socialmente referenciada", me mande um e-mail para joseaneziofernandes@gmail.com que eu explicarei com todo prazer! Não é óbvio que a educação pública precisa já do investimento de dez porcento do PIB! Vocês sabiam que tem até gente que os 10% do PIB sejam também para a educação privada, e que nem sejam agora? E você tá achando que é gente pelega, que defende a universidade burguesa? Não necessariamente! Tem gente que defende isso aí e luta pela universidade popular. Então o primeiro passo, repito, é: SAIAMOS DO ÓBVIO!

Em segundo lugar, Precisamos explicar a diferença de universidade pública pra universidade popular. A idéia da universidade pública passa por uma gestão que não seja privada, em que o estado (e não o interesse empresarial) tenha a tarefa de gestão da educação. A universidade popular tem um outro caráter, que vai pra além de ser apenas pública, ela precisa estar a serviço do povo. É paradoxal perguntar se o interesse empresarial é um interesse popular? Afinal, o cidadão que é dono da empresa pode, de acordo com a conveniência, se declarar ou não parte do povo. Pode mudar de posição de acordo com as fases da lua, ou com o que quer tirar do "popular". Mas no grosso modo, o termo popular quer dizer "aquilo que a gente vai lutar, sejamos nós socialistas ou não, para que o povo viva melhor e seja menos oprimido". E eu acho muito legítimo a gente lutar para que a universidade seja popular, ou seja: claro que queremos que a universidade se pinte de povo! Che Guevara e eu queremos muito isso!

Em terceiro lugar, o que é a universidade burguesa? Vou tentar simplificar: estamos no sistema capitalista, a metabolismo da sociedade é todo voltado para a acumulação do capital, e quem dirige (planejada e espontaneamente) esse sociometabolismo é a classe mais interessada nessa acumulação: a burguesia. A universidade privada é uma fonte de lucro pra burguesia, mas mesmo a universidade pública, ainda é gerida pelo estado, que está funcionando dentro do metabolismo que a burguesia compõe e coordena, ou seja, a universidade pública, por mais que tenha uma série de compromissos legais, morais, constitucionais e burocráticos com o povo (afinal, tudo o que é público é do povo!), ainda assim é uma universidade burguesa. Isso quer dizer que investir dinheiro na universidade pública é investir dinheiro em uma universidade burguesa? Isso quer dizer que lutar por melhorias na universidade pública é lutar por melhorias em uma universidade burguesa? SIM!

Adendo ao terceiro lugar: A universidade burguesa, por mais que nós a disputemos em concepção (forma e conteúdo da universidade), continuará sendo atrelada ao estado burguês, e aos interesses de quem dá as cartas neste estado. O modo burguês de fazer ciência, de produzir conhecimento, de formar profissionais e de efetivar extensão, por mais que diminua diante de nossas lutas, continuará forte enquanto a universidade for burguesa, enquanto o estado for burguês. A pergunta é: por causa disso, devemos ABANDONAR a universidade burguesa? E é exatamente aqui que eu quero chegar!

Quarto lugar: universidade popular muitas vezes é entendida como um abandono da universidade burguesa pra fazer uma outra universidade, por fora, feita pelo povo e para o povo. E eu acho muito boa a idéia de uma "universidade feita pelo povo e para o povo", acho isso louvável, e incentivo iniciativas com essa característica, estarei junto sempre que possível, e pretendo poder oferecer meu trabalho como futuro intelectual orgânico e trabalhador braçal. Mas rejeito visceralmente o movimento de abandono da universidade burguesa. e quero terminar este texto com o quinto lugar, que é o lugar onde eu me desnudo por completo e digo o que eu penso.

Quinto lugar (a minha nudez): é um erro crasso abandonar a universidade burguesa, como se ela tivesse sido feita pela burguesia, sem o povo, e só a universidade popular fosse feita pelo povo. A burguesia não teria jamais construído o conhecimento que ela usa pra se manter por cima, se não tivesse se sustentado no suor da classe trabalhadora pra ter condições de acumular esse conhecimento, ou seja, a ciência burguesa é fruto do trabalho da classe trabalhadora. Mas classe trabalhadora é um termo marxista demais, então vamos usar o bom e velho "popular". A universidade burguesa se sustenta nas práticas e atividades populares, para favorecer os interesses burgueses, e se abandonarmos a universidade burguesa, estaremos entregando para a burguesia algo que é nosso. Esse conhecimento que a burguesia acumulou às nossas custas, pode ser muito útil para nós, e além da perda caso deixemos de fazer uso dele, também tem o problema de como o inimigo fica mais forte se tem essa ferramenta toda sozinha para ele. Disputar a universidade burguesa não é mero reformismo, não é apenas um distanciamento da classe, e sim uma disputa tática importante para a transformação da sociedade. Portanto, quando nós lutamos contra o Reuni (que torna a universidade burguesa mais rala de recursos financeiros, professores, técnicos, equipamentos, estrutura, etc.); quando lutamos contra a EBSERH, que finge melhorar a gestão pública dos Hospitais Universitários federais, mas na verdade é um migué pra legalizar a privatização dos mesmos e destruir os avanços do SUS; quando lutamos em greve, contra todo o projeto de educação que o estado burguês tem pra nossa universidade; etc., não estamos lutando para melhorar a universidade burguesa, estamos lutando para que essa universidade não seja apenas burguesa, mas que seja também nossa! Cada vez mais nossa! Trata-se de uma universidade em disputa.

Isso quer dizer que o movimento estudantil, quando compromissado com essa luta, é um movimento social legítimo da classe trabalhadora (ou se preferirem, da luta do povo, da luta popular). Assim como os professores e técnicos, de todos os níveis, nós estudantes também somos um movimento social da educação. E não vamos apenas discutir como inventar outra universidade por fora, já que essa atual é burguesa e não dá certo. Além de inventar outra universidade, vamos reinventar essa! A pergunta era simples, a resposta não! Mas espero que tenha explicado direitinho!

Agora me sinto a vontade então pra repetir a pergunta: universidade popular X universidade burguesa: onde a gente fica? Respondi de que lado eu fico, mas e vocês? O que acham disso tudo? De que lado vocês ficam? Tirem a roupa comigo também!

E pra quem também fica do lado do Movimento Estudantil e dos outros movimentos sociais da educação: quem disse que sumiu?

beijinhos de maracujá!

Tentador




Você acha que eu sou um de vocês, mas não. Estou aqui cheio de maldade, cheio de má intenção: estou tentando te seduzir. A idéia da tentação é multifacetada, pode ter diversas propostas. Eu poderia ser sutil e te capturar sem que você percebesse, eu poderia ser discreto, pra que você entendesse o que eu tô querendo e viesse sem que ninguém além de nós dois percebesse. Mas eu tenho outras estratégias pra te fazer pecar, outra forma de jogar o jogo: eu quero deixar claro que estou tentando, que faço publicidade pro pecado. Quero que você peque sabendo que está sendo nova adesão ao pecado. Venha pecar comigo, mas saiba pra onde está indo, saiba pra onde estou te chamando. E venha ciente de que foi você que escolheu.

Sou das serpentes mais sinceras. Mas também das mais cruéis, escolhi a sinceridade pela crueldade que ela carrega consigo, afinal, você se expõe profundamente, eu sei o medo que você sente, diante da iminência de pecar. Medo justamente você sabe o quanto vai ser bom, cair em tentação. Tenha medo da felicidade, fique em dúvida entre a felicidade e a santidade, porque é dessa dúvida cruel que eu me alimento. É isso que me faz entrar em combustão: eu pego fogo ganhando mais e mais pessoas para a felicidade. Quero ver toda santidade cair.

Sei que é tenebroso saber disso tudo. Sei que eu espantaria menos se não fosse tão sincero. Mas se com toda essa sinceridade, você ainda quer, é porque você é o alvo que eu estou caçando. Caia na minha teia, mosca! Me deixe devorar você! E ame a teia, do jeito que der pra amar... Eu não sou um de vocês. Sou artrópode! E sei que você quer que eu te devore a santidade...


beijinhos de maracujá!

sábado, 28 de julho de 2012

O Amor Livre ensina!


Acreditem ou não, saibam: quanto mais livre o amor, maiores e mais lindas são as lições que surgem das relações regadas por este amor. Os amores estão por todo canto, são muitos. Guattari e Deleuze diria que são múltiplos. Gil diria que o mistério sempre há de pintar por aí. Milton diria que qualquer maneira de amor vale a pena. O que não vale não é amor. E o amor só vale a pena se for livre.

A gente cresce quando caminha junto, justamente porque quando estamos em solidão, podemos no máximo elaborar o que já trazemos conosco (o que é muito importante, e eu insisto que há certas faxinas que só se faz em solidão. Elaborar não é menos, de forma alguma...), mas quando podemos trocar, aprendemos coisas que não conseguiríamos sozinhos, e em breve estaremos conseguindo, e ensinamos coisas que as pessoas que caminham conosco só conseguiriam acompanhadas, e em breve não precisarão mais de nós pra conseguí-las, e esses aprendizados abrem caminhos pra que a gente, em companhia, consiga coisas que antes a gente não conseguia de forma alguma. Isso é vigotskiano: a gente se fortalece quando em boa companhia. É uma ótima lição: aprender a tirar bons aprendizados das companhias que nem são tão boas assim. Quando a gente aprende a fazer dos maus encontros, produtores de potência de vida (uma paradoxo para o espinosismo), a gente tira da vida muito mais do que o que ela está acostumada a nos oferecer, o que é um bom roubo da vida. Mas a gente se fortalece muito mais quando em boa companhia, e tem certo tipo de companhia que a gente pode chamar de amor. O único sentido que me faz concordar com o verso de Wave: "É impossível ser feliz sozinho".

Mas amor que é amor é livre. E a gente tem o amor que é possível nas nossas circunstâncias (o amor que a realidade objetiva nos oferece, que é o amor que nós arrancamos de nossa realidade objetiva). E a conjuntura atual, a atual condição do gênero humano, não nos oferece liberdade em nada, muito menos no amor. O amor tem que ser parcializado, alienado, incompleto, tem que ser impregnado de propriedade privada, de ciumes excessivos, de opressões e de exploração. Assim sendo, precisamos arrancar deste amor um amor outro, um que seja livre, um que nos fortaleça e que nos ajude a aprender.

Existe um mundo imenso pra mudar lá fora, e que bom que possamos experimentar a liberdade como espaço comum de exercício, pra que nossos corpos possam treinar para a luta. Poder respirar o mesmo ar e sentir o prazer de estar juntos, é o que nos permite aguentar a dureza da batalha na distância. Não importa onde estejamos: nós que aprendemos em boa companhia, nunca estaremos completamente em solidão. É bom que sejamos eu e você!

Estou escrevendo isso tudo pra tentar chamar atenção de mais gente pra isso: pessoas que querem lutar para transformar a sociedade, enxergam muito melhor o que está dando certo e o que precisa ser superado, quando experienciam na pele a liberdade que a gente quer inventar. O amor livre é mais do que apenas uma opção pessoal, é uma estratégia revolucionária. Afinal, não há socialismo, anarquismo ou qualquer outro anticapitalismo, se não existir companheirismo!

beijinhos de maracujá!

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Cidade das Pontes



Enfim, cheguei à cidade das pontes. Saí numa quarta-feira e cheguei duas quartas-feiras depois. E no meio disso tudo, aventuras e mais aventuras. Acidentalmente desci na rodoviária de Vila Velha, ao invés da de Vitória, e passei pela Terceira Ponte, ao invés da Segunda. Foi pra fazer meus olhos se encherem de água. Até o trânsito parou pra eu apreciar mais dedicadamente o sol cegante refletido no mar, e todos os contornos da cidade dos dois lados da pontezinha mais cabuloso que eu já vi! Estávamos acordados durante a Rio-Niterói (que só vimos por um dos lados, o que deixou  profeta vilavelhense indignado!), mas que é que aquela pontezinha mequetrefe é, perto da Terceira Ponte. Quando passou pelo pedágio dela, eu lembrei das várias vezes que a gente já abriu aquela cancela. E foi simbólico lembrar disso vindo da cidade dos gatos. Daí entrei na cidade das pontes.


Dei uma esnobada boba na Rio-Niterói, mas na verdade cada uma delas tem seu charme, pra mim. Isso não quer dizer que eu não tenha mais amor por tudo o que eu vejo de cima da Terceira Ponte, e entrar em Vitória foi bom. Passei o dia por aqui, entre o acadêmico e o lazer. Daqui a pouco vou pra casa, que na Serra ainda não fui. Sexta de manhã vou pra Cariacica. Tô de volta no mundo normal, saí daquele mundo mágico, daquele felino mundo de encher a gente de energia. Agora eu tenho que sair explodindo de energia por aí. Se alguém me vir explodindo, não estranhem: tô de volta, mas nada será como antes. Sou uma massa andante de energia.

Foi bom passar o dia por aqui. Ver a tarde cair e o sol se pôr na Caixa D'Água da UFES. Tanto lugar lindo, que é nosso e que a gente às vezes esquece que tem. Ficar longe ajuda a lembrar como é bom estar de volta. Ver pessoas queridas, matar saudades, rever as tarefas pendentes, voltar à agenda. Meu Deus do céu! Tudo que antes era normal, agora tem um novo gosto! E eu, cá, acometido por um profundo estranhamento do mundo...

Ainda tentando sentir de volta o cotidiano no corpo, porque meu corpo tá completamente despido de cotidiano. Mas a rotina! Essa eu não quero revestir nunca mais. Nunca mais me revestir dela!

Eu não lembrava como aqui eu tenho tanta fonte de alegria! E tô começando a achar que eu tenho sido presenteado por fontes dessas assim, por todo o Brasil! Mas nenhuma como essa, da cidade das pontes, e suas cidades irmãs! Bom estar aqui de volta!


Mas vai ficar ainda melhor, assim que... vocês sabem!

beijinhos de maracujá!

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Cidade dos Gatos


Então é isso: depois dessa viagem mágica e misteriosa, nada será como antes. A vida é uma jornada, mas dentro dessa longa estrada da vida, alguns pequenos percursos merecem holofotes, e eu estou embriagado de aprendizados com essas duas semanas inesquecíveis que ainda não terminaram. Se a vida é uma caminho de lutas, sinto amoladíssima a arma que teremos para lutar nessas próximas doze luas, e meu corpo, que também é arma, que é minha arma mais potente pra seguir essa jornada, também sai amoladíssimo desse esmeril incrível que tivemos lá na cidade dos gatos.


Meu peito felino ficou meio cuiabano depois de tudo o que eu passei, e eu tenho muito a falar sobre nosso projeto coletivo, sobre nossa luta coletiva por transformar a universidade brasileira e por transformar a profissão, mas eu não consigo deixar de tomar um tempo da atenção de vocês, leitoras e leitores, pra confessar o que foi a cidade dos gatos pra mim. Se eu pudesse eu levava todo mundo (ou quase todo mundo) pra casa comigo, aqui dentro do peito. Vocês do Brasil inteiro, que teceram cada momento, cada instante, cada pedacinho de susto e loucura nessa grande jornada coletiva. A gente inventando outros jeitos de ser felizes, e outros jeitos de fazer psicologia, outros jeitos de fazer um mundo novo, outros artifícios pra construir o socialismo. Eu saí desse encontro completamente diferente da forma como entrei, não sei como vai ser voltar pra casa, e espero levar pra casa tudo de vocês que veio comigo, em meu corpo. Estou aqui na cidade dos solitários (aquela onde não existe amor), a caminho de casa, e morrendo de medo de reencontrar minha vida anterior a essas duas semanas, e não conseguir me reencaixar. Mas a sensação é de que voltarei ainda melhor.

Quem conhece gatos sabe o quão esnobes eles são. Hedonistas que só eles, só chegam perto de nós quando querem tirar algum proveito, nem que seja apenas algum carinho. E quando se cansam de nós, vão embora, e nos deixam pra trás, quer nós queiramos esta separação, quer não. Mas não sei se todo mundo sabe o quanto os animais de estimação se adequam ao jeito de ser de seus donos. Na verdade certas espécies animais, domesticadas por humanos ao longo da história das espécies, acabam por se adaptar aos humanos com quem convivem. E quando eu pensei nisso, eu entendi porque os gatos cuiabanos são esnobes de um jeito tão dado, tão oferecido, tão carente. Ainda são gatos, mas têm muito do povo cuiabano, que é extremamente delicioso de se conviver, e no entanto não vê a própria beleza. Uma cidade de tantos gatos, uma cidade de tanta gente amável, de tanta gente aberta ao contato, que quando vê uma oportunidade de papear, já se encosta, uma cidade com suas malandragens e suas sacanagens, com seus preconceitos e suas asperezas, mas uma cidade simpática e aberta à troca. Não tinha lugar melhor para a psicologia brasileira amolar suas lâminas neste vigésimo quinto encontro.

Foi difícil ir embora de lá. De vez em quando ainda me dá vontade de voltar, aí eu me lembro que o encontro não está mais lá, me esperando, lembro que o que eu vivi foi uma situação excepcional, que nem tudo o que eu tive contato faz parte do cotidiano da cidade dos gatos, que boa parte disso a gente inventou junto, e que a galera de lá ficou desmontando os restos de nosso esmeril depois que embarcamos embora com nossas delegações. Está sendo difícil aceitar isso, que aqueles momentos não podem durar pra sempre. E aí eu penso "então que sejam novos e outros, os momentos que virão". É isso! Que possamos sorrir o que sorrimos e chorar o que choramos (e como choramos!) daqui pra frente também. Alguns sorrisos eu quero pelo menos guardar na minha retina da memória pra sempre, já que não pude trazer comigo pra tudo que é canto que eu vou.



Amores, muitos amores. Guattari falava que militar é agir, eu corrijo arrogantemente: militar é amar. Sem amor não há nem é militância, e sem militância, não há nem é amor. Quando amamos, lutamos pra tornar o amor mais livre e mais possível, lutamos pela liberdade daquelas e daqueles que amamos. E eu sinto cada vez mais vontade de lutar, porque depois da cidade dos gatos, eu amo mais. Amo mais quem antes já amava, e ainda aprendi novos amores, que me deixam mais cortantes na luta. Não basta agir, é preciso agir como quem ama. E os sorrisos e choros que trago comigo na retina da memória me fazem ter vigor pra militar mais e mais.

Quando eu chegar em casa, com esse corpo novo, fruto de um corpo antigo amolado no esmeril da cidade dos gatos, vou olhar pra cada canto, cada móvel, cada rua e cada bairro, e vou me perguntar: "e agora, o que eu faço com isso tudo?". Além de amar e mudar as coisas, é claro, porque isso, além de inevitável, é o que me interessa mais. Mas eu fico, aqui no caminho de volta pra casa, fantasiando o reencontro com o mundo em que eu vivia antes desta viagem. E todos esses momentos loucos só foram tão bons, tão únicos, tão incríveis, porque eu vim trazendo minha casa em meu corpo. Se eu contasse, apesar das diferenças, tudo o que eu vi de tão parecido entre o povo de Vitória e o de Cuiabá, acho que ninguém acreditaria. Mas o cuiabano é ainda mais acanhado, e ainda mais tagarela, até o jeito de ser escroto do cuiabano é mais intenso e mais cativante. Capixaba que sou, aprendi horrores com o povo da cidade dos gatos. Atrapalhei muita coisa por lá, e voltei de lá todo atrapalhado, o que também pode ser traduzido como "amolado".

Não posso terminar sem falar do quanto o povo de São Paulo e de Santos foi fundamental nesse atrapalhamento todo. Embarcamos (eu e o profeta corintiano) em um bonde muito do errado, erradíssimo, e não imaginávamos que era um bonde tão repleto de cuidado e alegria, de sagacidade crítica e fome de movimento. Eu ia por todos os cantos, lá na cidade dos gatos, e tinha alguém daquele nosso bonde errado. Acho que éramos um bando de gaivotas (no meio delas, duas andorinhas capixabas). Confusas, as andorinhas perceberam que, sozinhas, não fariam verão. Mas percebemos também que não estávamos sozinhas e que, acompanhadas, faríamos não só inverno, mas faríamos aquilo lá virar um inferno.

Só não acabou o amor.

No mais, viva Sobral, viva Fortal, viva Goiânia, viva o que o destino nos reservar. Viva a CONEP, nossa arma amolada para as próximas doze luas, viva o amor e a coragem, que Ednardo já nos deu a dica de nos armarmos deles. Viva Vitória e a Serra, Santos e São Paulo, Cuiabá e Várzea Grande. Viva a Psicologia Contra-Hegemônica e a aposta num outro rumo para a humanidade e para a natureza humanizada. Como a gente dizia no CONEPSI Salvador (graças ao Renan e ao João Ubaldo): Viva Nóis! E viva os sorrisos e choros que levamos nas retinas de nossas memórias, porque no amor, que é militância, não somos reféns da solidão. Aqui está presente o movimento estudantil!



beijinhos de maracujá!

terça-feira, 10 de julho de 2012

Chega de Raspa do Tacho (ou Cinco Tarefas para Avançarmos na Luta Grevista da UFES)



Nós temos alguns desafios diante de nós, e devemos seguir adiante para enfrentá-los, com postura firme e combativa.



Nós precisamos consultar, através das vias mais comuns e das mais criativas de trabalho de base, as bases. Como fazer para saber como os estudantes esperam que o movimento seja? Como saber a opinião que aquele estudante que nunca aparece nas atividades da greve, ou que aparece pouco, ou que ainda não apareceu, tem sobre a greve? Como esses estudantes acham que a greve deveria ser, para que eles participassem? Não é ser basista, é construir a partir disso sínteses, para que tenhamos uma formulação baseada nas conversas com as bases, mas formulada de forma madura e consistente através da experiência de quem tá ativo no cotidiano do movimento estudantil. Essa experiência ensina muitíssimo e não pode ser descartada. Porém achar que ela define em si alguma coisa, e que ela pode dispensar a opinião das bases é cair no oposto do basismo, o chamado vanguardismo. Nem basismo nem vanguardismo: precisamos de bases que referendem as vanguardas e de vanguardas que ajudem as bases a cada vez terem mais autonomia. E essa greve é uma ótima oportunidade pra exercitarmos isso.



Nós precisamos também colocar a vanguarda em atividade. Fizemos toda essa discussão: quando podemos dizer que determinado setor é vanguarda? Se não há uma base que legitime esse setor, ele pode se considerar vanguarda? Mas acho que nesse momento, questionar se somos vanguarda ou não é um falso problema. Não se trata de uma base que não legitime, se trata de uma vanguarda escondida, que não tenta conquistar mais e mais a referência das bases, como dito no parágrafo acima. Mas para além disso, essa vanguarda está escondida no cotidiano repetitivo de uma militância pra cumprir tabela, que está longe de ter condições de cativar quaisquer bases. Para cumprir a primeira tarefa, é fundamental que simultaneamente cumpramos esta segunda: cativar a nós mesmos. Precisamos parar de achar que o que fizemos até aqui está bom e que manter a linha que tocamos até aqui vai nos levar a condições melhores. Guinadas nos levarão a melhores conjunturas. E não podemos ficar esperando a correlação de forças mudar, devemos tentar provocar essa mudança, e ao mesmo tempo devemos nos fortalecer para saber como agir quando o acaso da conjuntura nos oferecer alegres surpresas de correlações em mudança. Devemos preparar nosso corpo para a luta, e fazer a luta crescer.



Um terceiro desafio é criar cada vez mais um sentimento geral de "essa greve é nossa", o que é um sentimento verdadeiro. Essa greve é dos docentes, que estão lutando por seus direitos trabalhistas, também é dos técnicos-administrativos, que têm suas outras reivindicações de categoria. Essa greve é também dos trabalhadores dos institutos fererais, tanto docentes quanto técnicos, é também nossa, dos estudantes, porque é o nosso ensino que melhora se a greve tem vitórias. Mas a greve é também da população como um todo, porque a universidade pela qual estamos lutando é pra ela. Essa greve não é só do estudante que faz parte do DCE ou que faz parte de um ou outro CA ou DA. Também não é só do estudante do partido x ou do coletivo y. Essa greve é de toda e todo estudante, de todos os períodos, de todos os campi, de todas as religiões, orientações sexuais e opções políticas. Ser vanguarda neste momento é conseguir transmitir este sentimento. Nossa tarefa nas próximas três semanas é fazer esse sentimento se proliferar como um bom vírus. Se você sentiu no peito uma pontada de "essa tarefa é minha! É comigo que ele tá falando!", preste atenção que você pode ser vanguarda, ou estar se tornando.



Um quarto desafio, que virá daqui a umas três semanas, é o de encher a universidade. Precisamos fazer uso dos mecanismos virtuais de comunicação pra dizer para cada estudante, de cada curso, de cada campi, de cada período, que todas e todos são cada vez mais importantes. Uma greve como há muito não se via, e que pode ficar ainda maior: vamos fazer essa greve de fato existir, cada vez mais e mais. Vamos ir para os atos, para os debates, para as atividades culturais, reuniões locais e nacionais, estudantis e unificadas. Vamos ler e conhecer as nossas pautas e as pautas das outras categorias. Pautas locais e nacionais. Vamos repassar essas tais pautas de reivindicações para que mais gente conheça (e cada vez mais gente sai da condição de base e se torna vanguarda [quando a vanguarda for multidão, quando não fizermos mais distinção entre vanguarda e base, aí sim estaremos fortes!]). Precisamos de espaços de discussão (formulação e formação política) e de espaços deliberativos: Conselhos de Entidades de Base, Assembléias Gerais, talvez até assembléias unificadas, e quem sabe até um congresso de estudantes da universidade, e se for possível, por que não um congresso Estatuinte da universidade? Mas voltando pros espaços de discussão (formulação e formação política), isso precisa acontecer em outros formatos (usar e abusar da cultura, da arte, da ludicidade, da diversão, que são ótimas vias para diálogos produtivos. Precisamos passar o mês de agosto inteiro fazendo da greve um grande laboratório de política, onde formularemos cada pedacinho do nosso projeto alternativo para a universidade. Encher a universidade, para fazer da universidade cheia o laboratório onde formularemos nosso projeto. Ser contra-hegemônicos, disputar hegemonia. Isso não se faz sendo nanicos, precisamos ser grandes, precisamos ter vigor na nossa luta.



Há muitos outros desafios, mas vou finalizar num quinto e espero contribuições em resposta a essa, que me levem a escrever outra lista de desafios e continuar o debate. O quinto desafio é a unidade da esquerda. A esquerda precisa se unificar: quando um coletivo da esquerda diminui, os outros coletivos da esquerda não ficam mais fortes, eles não ganham mais espaço (pensamento medíocre), e sim perdem força aliada. Quanto mais a esquerda diminuí, mais difícil fica para toda a esquerda, e mais fácil fica para a direita e a pelegada, para o governismo e afins. Mas é claro que para chegarmos neste nível de problemas (um coletivo da esquerda diminuindo ser igual ao enfraquecimento de todos), é preciso que nós, coletivos da esquerda, possamos contar uns com os outros como força aliada. Se nem chegarmos a esse patamar, a coisa é pior ainda. Não tem como tocar nenhuma das quatro tarefas acima: nem a referência às demandas das bases, nem o norteamento da direção, nem a construção de identidade geral com a greve, nem a massificação da greve para formulação de um projeto, se não houver unidade da esquerda. Aqui cada setor, ciente de ter a melhor formulação política possível para nosso atual cenário, precisa estar disposto a ceder e abrir mão na construção coletiva com outros setores. Precisamos nos ajudar, compartilhar vitórias e derrotas, precisamos conviver e coexistir, superar o sectarísmo, a auto-construção e a auto-suficiência, superar o imobilismo, a desorganização e a falta de vigor na luta, para que a esquerda produza sínteses sustentadas nas quatro outras tarefas. Esta tarefa se sustenta nas outras quatro e sustenta todas elas. Claro que eu, psicólogo do artifício, não deixaria de levantar desafios a ser superados pela via de uma perspectiva dialética. Isso é previsível, e a dialética permeia essas angústias do início ao fim.



Essas contribuições em parte são minhas, mas em parte não. São de meu coletivo, mas são também de militantes de diversos coletivos, de diversas entidades, e de militantes independentes. São contribuições formuladas também a partir da consulta às bases. E espero que elas sejam vistas não apenas como uma posição disputando contra as posições de outros setores da esquerda, e sim como uma contribuição para que críticas sejam feitas em resposta, me ajudando a repensar posições, assim como espero que as pessoas que critiquem esta contribuição também se deixem criticar por elas. Sem o exercício mútuo da crítica, a esquerda estará eternamente fadada ao fracasso.



E eu insisto: não temos o direito de nos dar ao luxo de fracassar na luta revolucionária, seja ela socialista, anarquista, anti-capitalista, ou só grevista, como queiram. Não estamos lutando apenas por cada um de nós, estamos lutando por uma transformação que é urgente.

Nós temos alguns desafios diante de nós, e devemos seguir adiante para enfrentá-los, com postura firme e combativa.

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Poema da Coruja


Eu insisto que não quero mais você
Mas eu te quero
Eu insisto que o amor aqui acabou

Mas é engano
Eu insisto que não corro mais atrás
Mas eu te espero
Eu insisto em apagar você de mim
Mas sou humano

Eu não quero mais portar tal sentimento
Mas ele invade
Eu não quero mais sentir esse querer
Mas ele insiste
Eu não quero mais amar, quero lutar

Mas sou covarde
Eu não quero mais deixar de ser feliz

Mas vivo triste

Se você parasse de fugir de mim

Eu sorriria
Se você de fato fosse o meu amor
Eu te amaria
Mas você só quer fugir, só quer brincar
Não sou brinquedo
Mas você só quer curtir, só descartar

Não tem nem medo

Eu não tenho mais motivos pra esperar
Estou partindo
Eu não quero mais tuas asas pra voar

Tchau liberdade
Vou voar com outras asas pra sentir
Outro amor vindo
Vou mostrar que em meu amor por ti há nada
Mas há verdade

beijinhos de maracujá!

Como é que se racha?



Eu quero tirar você da minha vida. Você sempre me fez me sentir livre, mas agora eu quero me ver livre de você. Cansei desse teu delicioso aroma de liberdade, quero voar sem tuas asas. Com outras asas mais disponíveis, que batam com mais vigor, e que me levem também para onde eu queira, e não só por teus percursos.



Eu quero cantar, e quero alguém que me escute. Quero escutar cantos, por isso, quero alguém que cante. E você é um pássaro mudo, um pássaro insonoro. Eu quero cantar em duo, não cantar sozinho. Quero companhia para tecer algum tipo de ninho.

Você já é pessoa descartada, meu amor. Falta dizer isso para meu peito, que ainda quer ter ecos dos teus vôos. Mas tu não voas mais por aqui, e decidi não sofrer mais por isso. Vá... Seja livre. Vai ser melhor pra você, e mil vezes melhor pra mim!

Você já não ajudava mais, você só atrapalhava. Estou cansado de voar em vão. Vou em direção ao mar... Lá, tenho certeza de que terei um novo rumo. Não venha atrás de mim, não me faça querer voltar atrás. Me dê o direito de te apagar de dentro de mim. Morra nos meus sonhos e me faça morrer nos teus. Pra mim a nossa primavera acabou. Vou voando pelo outono, inventar outra estação.

Pra mim já chega. Boa noite, coração.

Até nunca mais.


beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Fila de suicidas



O reformismo é um cinismo desesperançoso. O que é o projeto petista de nação?

Eu espero não ser agressivo na sinceridade da explicação, mas me dói falar da condição fétida de algo no qual eu acreditei, e do quanto é decepcionante ver pessoas que já foram exemplos pra mim, acreditando até hoje nesse projeto humilhante. Eu criança de colo fui em comício do Lula cantando rimas que chamavam o nome dele, e em 2006 fiz campanha pra candidatura do atual vice-governador. Que foi quem autorizou o tiro do BME que eu levei em 2 de junho do ano passado. E os vários tiros que minha geração tomou, inclusive o meu cínico reitor. Pra mim tem um lado triste em pensar que o projeto petista poderia caminhar em outras direções, não fosse seu destino de transformar o democrático e o popular em sinônimos de gabinetismo e governismo. O destino de um projeto importante para um episódio da história de um país, episódio esse que já acabou. E o projeto que perdeu a validade continua crescendo feito câncer e vira um grande constrangimento. Condição fétida.

É divertido ver as pessoas no facebook zoando o Lula por pegar na mão do Maluf? E Angeli falando de petistas em fila se matando? É um complô do PSDB no facebook contra o PT? Será então que todos os grevistas são esquerdistas alucinados de cogumelo querendo derrubar a grande obra petista em curso, vitimados por uma grande paranóia, por uma doença infantil? Será que as greves do ABC do final da década de setenta eram a união de um bando de esquerdistas alucinados de cogumelo querendo derrubar a grande obra revolucionária democrática militar em curso, vitimados por uma grande paranóia, por uma doença infantil? Ai!

Eu já senti raiva do projeto petista, hoje eu sinto dó... Dó de nós, porque ele está sendo efetivado, está destruindo as nossas conquistas históricas. E dó dele, do projeto, porque eu me sentiria constrangido de saber que tenho certeza de que o único jeito possível é esse, e de que se não for assim, não tem outro jeito. O problema que esse jeito é sinônimo de reformar o sistema inimigo, e que eu acho humilhante viver a vida apostando no projeto de que a melhor forma de derrotar o sistema inimigo é o reformando. Simples assim. No entanto, há quem diga que nenhum sistema é inimigo, que não dá pra fazer juízo de valor do sistema. Eu fico com medo dos momentos em que transvalorar vira sinônimo de ficar em cima do muro, e Nietzsche vira arauto da neutralidade. Está nos sinais dos céus, está escrito nas estrelas, que ou é esse sistema, ou somos nós. E a gente vai continuar achando que investir no sistema é investir em nós? Que o sistema é produto de nossas ações também, e por isso temos que aceitá-lo do jeito que ele é e só fazer o que é possível pra reformá-lo? Gente, é mais justo assumir que não existe lado de cima do muro, só o lado de lá e o de cá, e admitir que preferiu se posicionar a favor do reformismo. Não acho que acontece com todo mundo, mas sei que tem gente que acaba caindo nessa: envelhece, perde a esperança e finge que reformar é lutar pra vestir a roupa da esperança na reforma.

A minha tese é simples: essa roupa de "esperança na reforma" é uma falsa esperança. Serve só pra vestir e revestir de forma cínica o mais desesperançoso reformismo. E a indignação que está calada e escondida por trás do reformismo, ou diluida na maquiagem de "luta pela via que era possível", não pode acordar jamais. Quem deixa o cinismo desesperançoso ser superado pela indignação, acabou de romper o limite entre a normalidade e a loucura, caiu na paranóia, no surto de cogumelo: uma doença infantil. Nós, que rompemos o hímen moral do cinismo desesperançoso, e fomos invadidos pela indignação e pela esperança, somos um perigo adormecido. Não se trata de um surto, se trata de formular outro projeto, se trata de semear a velha nova ameaça. Eu já senti raiva do protesto petista, hoje eu acho patético, e sinto dó de ver meus outrora exemplos, hoje cheios de razão e argumento pra defender e praticar o projeto que no fundo eles sabem que são humilhantes, fracassados na transformação, cínicos e desesperançosos. Que uma galera continue fingindo que acredita que está contribuindo pra revolução quando trabalha pra esvaziar a nossa greve nas federais, eu até entendo. Mas me pergunto como eles conseguem conviver com a humilhação de internamente saber que é a mais pura preguiça de romper, o mais profundo medo de dizer não pro hábito. O hábito é fazer sempre igual, pra repetir o mesmo sistema, e achar que isso vai fazer revolução. Romper com o hábito é abandonar a "única via possível", e inventar urgentes novas vias.

Somos nós, os artistas, que vamos revolucionar o jeito de fazer revolução. E viva o socialismo, baby! =)

beijinhos de maracujá!

terça-feira, 3 de julho de 2012

Será que essa gente ama?



Será que essa gente ama?
Será que essa gente é tomada
Por sentimentos desse tipo,
Que atravessam madrugada?

Será que essa gente fica
Sem comer, de tanto aperto?
Será que essa gente entende

Os amores em que eu me meto?

Ou será que só fala de longe,
Que só julga, cobra e destila
Veneno moralizante,

Veneno comentarista?

Será que essa gente sabe
Parar pra ver o sol se pôr?

Será que, empurrando, cabe
Em seus peitos, riso e dor?

Ou será que só cabe pressa,

Cobrança e segregação?
Será que um peito que ama

Pode fazer revolução?


beijinhos de maracujá!

domingo, 1 de julho de 2012

Vida como sucessão de tretas e a verdadeira prática clínica em psicologia (contribuições à psicologia do artifício)


A vida é uma sucessão de tretas. Essa é a definição científica de vida que a psicologia do artifício propõe. Assim como medimos volume com litro, massa com grama, informação digital com bits e bytes, comprimento com metro, etc., estamos propondo como unidade de medida da vida a treta. Uma treta equivale a um instante e às infinitas linhas de destino que o atravessam. Um conceito equivalente é o conceito espinosista de "encontro", apesar de que muitos encontros podem coexistir em uma mesma treta. O verdadeiro critério para delimitar e isolar uma treta na observação científica é a verdadeira prática clínica em psicologia.


Obs.: Quando utilizamos o termo "verdadeira prática clínica em psicologia", temos a intenção de nos diferenciar do uso mais corrente tanto no senso comum quanto na academia, que chamam de clínica os atendimentos, principalmente individuais mas circunstancialmente também em grupos, derivados da prática médica psiquiátrica e psicanalítica que nossa profissão herdou dos divãs da Viena burguesa freudiana. Dizemos que a prática clínica em psicologia que sustenta nossas metodologias de investigação científica é a "verdadeira" prática clínica em psicologia baseados na origem etimológica da palavra clínica.

A verdadeira prática clínica em psicologia tem a ver com a idéia de inclinar-se sobre o leito, de ir até a pessoa enferma para exercer a prática de cuidado que é um dos eixos centrais do exercício profissional e científico em psicologia. O leito equivale às tretas, já que é nelas que nos sustentamos em nossa teoria, e a vida tal como é clinicada pela psicologia do artifício tem nas tretas o leito onde buscamos a "enfermidade" que Pichon-Rivière nos mostrou ser uma condição de denúncia das resistências à mudança social e dos grupos. Ou seja: a clínica diz respeito a ir ao leito e se inclinar sobre a pessoa enferma como prática de cuidado, e a psicologia do artifício, compreendendo a vida como sucessão de tretas e herdando de Pichon a idéia de que a enfermidade mental é uma denúncia das paralisias do grupo, vai lá na vida, lá onde cada ser humano tem como leito os bons e maus encontros, e constrói uma prática clínica ética, sustentada na escuta das denúncias que somos (como profissionais e como cientistas), chamadas e chamados a corrigir. A psicologia do artifício entende que a verdadeira prática clínica em psicologia se sustenta na escuta da denúncia e na vazão dada aos efeitos desta denúncia. Qualquer prática em saúde mental que, como Pichon já criticava, se ponha no papel de porta-voz da resistência à mudança, ou seja, que cale a denúncia e tente adequar o sujeito enfermo às condições que o rodeiam, não é uma prática clínica verdadeira.


Qualquer pessoa que tentar deslegitimar o que foi dito acima pelo uso da palavra "verdadeira" não entendeu o que foi dito, e se apegou a uma palavra para ignorar toda uma concepção de práxis, que essa palavra sozinha é incapaz de invalizar (a não ser que as palavras tenham um sentido essencial, e que haja algum pecado em remeter à essência da palavra verdade, o que nos coloca em um paradoxo). Fora deste paradoxo, tentativas de deslegitimar o que foi dito acima serão aceitas como críticas, que se válidas nos levarão a repensar nossa formulação teórica, e que se infundadas, serão respeitosamente refutadas. É assim que fazemos ciência crítica.

De tudo o que foi dito acima, fica claro que para nós o critério que determina a verdadeira prática clínica em psicologia, e que a diferencia da concepção de clínica corrente no senso comum e na academia, é a compreensão da enfermidade como denúncia e a inclinação sobre a mesma para fazer reverberar tal denúncia, abrindo caminho para a mudança, e não fortalecendo a sua paralisia. Para isso é importante a conceituação de vida acima apresentada, na qual a vida é uma sucessão de tretas. Treta após treta, a vida se tece, se entrelaça, vidas vão se tocando, se encontrando, se emaranhando. Cada vez que duas ou mais vidas se encostam, saem faíscas, tretas. A lembrança de encontros anteriores já pode ser uma unidade no estudo da vida. Um sentimento, uma idéia, já são suficientes para a compreensão dessa unidade metodológica: a treta. Treta é polifatorial: não é algo ruim apriori, nem é apriori bom. Como conceito derivado do conceito espinosista de "encontro", que pode ser bom ou mau, abrir pra potência ou despotência da vida, uma treta é também dialética no âmago de sua dinâmica, ou seja: a treta mais pesada, dolorosa e sofrida de uma vida pode ser abertura indispensável para que esta mesma vida rume em direção a outras tretas, carregadas de sentimentos de outra natureza. Nenhuma treta é em si puramente boa ou ruim, e não se trata de um mero relativismo, e sim apenas de saber que com qualquer delas pode-se trabalhar desvios rumo a outras direções. Aqui a psicologia do artifício entende treta como artifício, como dispositivo artificial que desvia a natureza da vida, permitindo dar à vida outros contornos, ao invés de apenas se conformar com os contornos que a vida espontaneamente nos oferece. O trabalho clínico em psicologia tem como técnica o planejamento dos desvios artificiais das tretas, e quem nos oferece o verso que embasa epistemologicamente tal dimensão da prática clínica em psicologia do artifício é o poeta Sérgio Sampaio: "O pior dos temporais aduba o jardim".

Por que o substrato da psicologia do artifício seria justamente a unidade de medida científica da vida? Porque para a psicologia do artifício é a vida que importa. E esse assunto não se esgota em um artigo, ou em um post, por isso vou encerrando por aqui, mas vou encerrar com algumas considerações sobre a vida nos tempos de hoje:

Sabemos, pelo que temos vivido em nossas peles, em nossas vidas, que não está fácil para ninguém. Sabemos que para uns está mais fácil do que para os outros, mas os que tiram vantagem estão tirando proveito de uma vantagem que é ao mesmo tempo o preço de suas infelicidades. Vida não é algo que cada indivíduo tem a sua e pronto, acabou. As tretas são o ponto de articulação dialética entre as vidas individuais, de tal maneira que a Vida, como objeto de estudo da nossa ciência, é um poema entrelaçado de vidas individuais em fios. A infelicidade está generalizada porque existe algo em comum entre todas as vidas que se entrelaçam na Vida comum. A Vida comum é determinada pelas condições materiais da sociedade atual, e as tretas têm em si, como unidades de vida, as contradições relativas à universalidade da sociedade atual. A infelicidade é uma condição que atravessa a Vida comum e todas as vidas que a tecem, de cima a baixo, de um lado ao outro, de dentro pra fora e de fora pra dentro (se é que a vida tem lados, dentro e fora, em cima e embaixo), justamente porque as regras do jogo vigente na sociedade atual estão falidas, e no entanto é nelas que baseamos as nossas vidas. A vida não ruma à total felicidade, mas a infelicidade generalizada é uma grande denúncia. E a verdadeira prática clínica em psicologia tem uma postura muito clara diante de denúncias, como já dissemos acima.

A verdadeira prática clínica em psicologia do artifício é a mais clandestina e a mais subversiva das rupturas radicais com as regras do jogo vigente, rumando à implosão da sociedade atual. Não se trata de uma implosão espontânea, e sim planejada, e essa intencionalidade é tão perigosa para interesses conscientes de manutenção da atual sociedade, que a psicologia do artifício não pode ser aplicada abertamente, apenas na surdina e disfarçada com outras roupagens teóricas. Não se declara praticante da psicologia do artifício (isso é uma condição técnica) pois se fazer reconhecer como praticante desta psicologia guerrilheira é se neutralizar. Portanto, psicologia do artifício se faz na práxis e não na autoproclamação. Como prática teórica aliançada à Vida, é ela mesma o critério que define qual prática profissional é ou não psicologia do artifício. Não estamos nos submetendo às regras vigentes, porque a psicologia atual, hegemonicamente comprometida com a manutenção da sociedade atual, é completamente incompatível com a psicologia do artifício. Mas é por dentro dela, de forma sorrateira, que vamos construindo outra psicologia e outra sociedade. Quando tudo tiver sido derrubado, nem terão percebido o que os atingiu.

O objetivo da luta socialista é, entre outras coisas, socializar a felicidade e o prazer, e a psicologia do artifício é mais um instrumento para avançar nesta direção. É importante que acreditem que estamos em desvantagem. A revolução já começou. E a vida é uma sucessão de tretas.

beijinhos de maracujá!