terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Rosa, Companheira...

Se é a clandestinidade o que nos rodeia, companheira, é nela que lutaremos...

Lá fora muita gente acha que tudo está normal, que ainda somos humanos, que não estamos em guerra e nem que estamos deformados, desumanizados, como zumbis vampiros de Rodriguez e Tarantino... Mas não, minha amada companheira, não há nada de normal, nada de humano... Por mais que haja essa ilusão de que isso é uma democracia, vivemos na clandestinidade, e é nela que lutaremos... E lutamos...

Não há humanidade aqui... somos socialmente desiguais, somos humanamente indiferentes e intolerantes à diferença e a liberdade não passa de um total e fantasioso sonho... Somos um poço de divergência... Lutamos por valores que são o oposto dos valores desse mundo que aí está... Lutamos para que possamos desviar, inventar caminhos desviantes, fazer da vida algo cada vez mais belo, mais belamente desenhado com os artifícios que fizemos de nossas próprias mãos... No entanto nada disso temos, tudo é a obrigação de seguir em linha reta, sem desviar... Vícios são pecados e a liberdade não passa de um total e fantasioso sonho... Exceto para nós...

Para nós, minha amada, a liberdade é a razão de viver... A liberdade é o motivo do tumulto que toma nosso coração, que faz a gente se afligir sem dizer o porquê... A liberdade é o que nos move a lutar por outro mundo e contra esse mundo que aí está... Com a liberdade fizemos pacto, e agora que nossa alma está vendida a ela, mediada por ela nossa alma será livre... Cometemos pecado, cometemos desvio, a liberdade desvia a nossa alma para mundos novos, para a construção de um mundo novo...

Minha pretinha, minha revolucionária, o nosso pecado é esse: a luta prazeroza e o prazer lutador... Somos desviantes, e é por isso que estamos agora aqui... Dentro dessa casa cercada que é a clandestinidade... Somos um casal bandido e a polícia está lá fora, para "fazer a segurança do povo"... Que bom que somos nós dois... Lá fora tá tudo tão errado, que é muito bom que sejamos eu e você... Não podemos falar em erro, porque é pecado dizer que algo é erro... Aqui ninguém erra, aqui tudo tá certo! Você e eu sabemos, minha amada, que não é assim...

Espero que essa carta chegue a tuas mãos intacta e não interceptada... Precisamos de privacidade para que o mundo não suspeite de nós... E o que queremos é que todo o mundo possa saber... Não por que queremos fama, mas porque sair do armário é um jeito de lutar... A luta não é pra separar mais quem sofre opressão e quem oprime... Mas quando eu admito a identidade oprimida, eu tenho corpo mais coeso pra entrar na luta contra a opressão... Na clandestinidade, nossa identidade fica confusa, e nosso amor também... Ele precisa ter a cara do capital, para que atravessemos o capital... Mas vamos pintar nossas caras, para que o capital não nos reconheça, mas também não se reconheça em nós? Me dê o nome que quiser, eu te darei o codinome Rosa... Codinome revolucionário, para que ninguém neste mundo saiba quem você é, quem você não é... Essa carta é minha pra você... E depois pra posteridade... A história das mais decisivas lutas de classes está inscrita na história das mais singelas histórias de amor... Nós dois somos um casal bandido, cercado pela polícia, aprendendo que a história é maior do que nós, e que por mais que eles achem que estamos cercados, por mais que o Capital seja inventivo como dizem os esquizoanalistas, ou sei-lá-quem (mesmo que Marx já o tenha dito com palavras bem menos afetadas), por mais que a classe inimiga se aposse da consciência de nossa classe, se aposse dos nossos sentimentos, se aposse de nossas vidas, ainda assim a história nos reserva surpresas... A nossa classe cresce em consciência e luta, e nosso amor também... Rosa, minha vermelha bandida, minha Maria Bonita, minha Dandara... A nossa classe cresce e o nosso amor também... E vamos brindar a revolução num grande beijo clandestino, ou já não mais clandestino... Num grande beijo revolucionário, inernacionalista, num beijo radical e livre... Beijaremos a América Latina, beijaremos a África, nossa amada mãe, beijaremos a classe amada, beijaremos a nossa língua portuguesa, e todas as linguas em cujo vocabulário houver palavras pra proclamar a alegria que no peito revolucionário inflama...

Beijaremos a classe amada, com nossas duas línguas, com teus lábios e meus lábios... Mas até lá, te envio esta carta clandestina... Aqui a conjuntura ainda não está favorável à classe, ainda estamos nos armários que a hipocrisia nos impõe nestes tempos de clandestinidade... Mas nossas lutas, minha amada feminista, são as lutas de um tempo inteiro... São o acúmulo das lutas de gerações... Universalizar o acesso ao direito de sermos um grande quilombo...

Minha amada rosa, mande notícias daí... Diga a todas e todos camaradas que as tarefas são árduas, mas a bandeira vermelha triunfará...

Te amo! E viva a revolução!

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Eu não gosto muito do teu abraço...



Meu bem, espero que você não leve a mal o que eu vou te dizer agora, mas eu não gosto muito do teu abraço... Até gosto, gosto de te abraçar... Mas acho que falta um pouco mais de sentimento de infinito... Eu sinto isso quando te vejo sorrir, e sempre tenho a sensação de que o teu abraço vai ser tão apertado e inexplicável quanto o teu sorriso é radiante e inexplicável... Mas o teu abraço é tão menos que o teu sorriso... É um abraço tímido, em que o teu corpinho frágil e pequenino parece ter um certo medo da entrega... Desculpa se minhas palavras te chateiam, mas eu não gosto muito...

Como já disse, não é que eu não goste... Eu gosto, sempre que eu puder, eu te abraçarei... Mesmo que eu sempre trema profundamente, mesmo que as palmas de minhas mãos e as solas dos meus pés suem, e que meu coração dispare, e que eu gagueje e não consiga falar nada impressionante, e fale besteiras, e não consiga dizer coisas bonitas e te fazer apaixonar... Mesmo assim eu adoro te abraçar, gosto do teu abraço... Mas não gosto muuuitooo... Sinto um certo distanciamento, ou uma certa reserva, e sempre fico acanhado de apertar mais o abraço, e transmitir energia, e tentar te contagiar no aperto, e mostrar o quanto meus braços te têm como bem vinda...

Eu tô aprendendo a lidar com isso... Perdoar esse seu defeito... Não leva a mal, me desculpa, mas é um defeito... Não quero mesmo te ofender, mas você não acha que com um abraço que afogue com a mesma potência que o teu olhar agora, as coisas iriam muito melhor? Eu teria um pouco mais de dificuldade, mas as coisas iriam muito melhor... Se só com esse olhar, você já me dilacera, já me sufoca, já me faz ficar dias, e meses, e anos, sonhando em olhar de novo dentro dos teus olhos, só pra ter uma outra oportunidade de ver o teu mistério em forma de dois raios de luz... Imagina se o teu abraço tivesse todo esse embriagado mistério assim também? Eu passaria uns apertos, mas as coisas iriam muito melhor... Mas eu perdôo esse seu defeito...

O que mais me dói, de tanto que me impressiona, é como você consegue, mesmo com esse abraço, que eu nem gosto tanto, sempre me roubar a atenção... A tua presença em qualquer ambiente me faz me sentir o mais completo dos idiotas... Fico zonzo, quase desmaio, o coração pula e as palmas das mãos umedecem com a mesma violência com que a tua alegria, a tua simpatia e a tua serenidade me fazem querer respirar mais oxigênio e estar mais vivo, só pra sentir o prazer sofrido de estar em tua presença... Seu abraço, que eu nem gosto tanto, nem parece o abraço do corpo mais passível de abraço que meus olhos já enxergaram e que meu nariz já captou perfume... Teu aroma é irritante de tão estranho... Sim! Estranho! É estranho que alguém com um abraço não tão bom tenha um perfume tão bom, numa pele tão macia e tão brilhante...

Esse seu abraço, quase decepcionante, que não chega a ser ruim, mas não é tão bom, e deixa sempre a expectativa de que nossos pescoços vão se tocar e se roçar num carinho de peles, que nunca acontece e que sempre me deixa assustado... Por que toda essa timidez? Porque não me aperta logo? Por que não me leva pra lua, que é o lugar de onde esses anjos perigosos assim, como você, vieram todos? Por que não me doma e me possui na lua como se eu fosse a bolinha que o cachorrinho brinca de correr pra lá e pra cá? Por que não me abraça com seus dentes?

Mas antes que fique algum mal entendido: Mesmo que eu não goste muito do teu abraço, eu gosto um bocadinho de você, tá?




beijinhos de maracujá!

domingo, 29 de janeiro de 2012

Amor, como tudo na militância...






Amor, como tudo na militância, é algo que a gente quer que todo ser humano tenha acesso, que todo mundo possa viver, que todo mundo possa viver bem... Lutamos pra que todas e todos possam amar o amor que oprima menos, que machuque, humilhe, mate e controle menos... O amor que amarre menos...

Amor, como tudo na militância, é algo que a gente também quer ter acesso, mesmo que não vá fazer uso, quer ter o direito de acessar.. De maneira saudável, da maneira que a gente se sentir bem pra sentir, todas e todos queremos amar e receber amor... De maneira que não doa, que não oprima, nem machuque, nem humilhe, nem mate, muito menos controle...

Liberdade, como tudo na militância, queremos que esteja ao acesso de todas e todos... Liberdade, aliás, e isso que queremos que esteja no meio do caminho entre tudo o que existe e toda pessoa que exista... Queremos que todas e todos tenham acesso livre a tudo! Inclusive à própria liberdade, inclusive ao próprio amor...

Amor livre, é isso! Amor mediado pela liberdade... A liberdade como artifício para que todas e todos acessem o amor... Do jeito que cada uma e cada um bem entenderem... É preciso lidar com muitas dores? Sim! É preciso mudar muito em si mesma ou mesmo... É preciso se enxergar de outra forma, ver o mundo de outra maneira... É outra maneira de ver o amor... É preciso que cada um de nós, assim como as pessoas amadas, aprendam que o amor é outra coisa, e não aquilo que nos ensinaram desde a infância... É preciso tirar do amor a possessividade, a propriedade privada, para que ele se torne saudável e livre... É uma invenção que só a mais sofisticada tecnologia humana poderia produzir: O amor que não aprisiona, que não mata, que não fere... O amor socialista, o amor revolucionário, o amor camaradagem, o amor que não engana e que não se sente enganado... O amor que não trancafia, que não sussurra culpa nos ouvidos da "pessoa" amada... Que entende as pessoas como pessoas, não como coisas, como posses... O amor que faz voar, que nos leva para longe, que nos faz sermos sempre MAIS AINDA NÓS MESMOS... O amor que levita, que flutua... O amor que faz flutuar... O amor que parece canção, que parece invenção, que parece miragem... O amor que não tem medo de parecer sacanagem, e ao mesmo tempo, o amor que não sacaneia ninguém...

O Amor Livre, é o amor que tem asas, que faz a militância se fazer relação, e a relação se fazer militante... É o amor que amam as pessoas que querem (e vão) mudar o mundo... É perigoso, o amor livre, para os tempos que se sustentam na falta de liberdade... A liberdade que é a raiz do amor livre, a liberdade que media esse amor livre, é serpente tentadora, rastejante, que impregna de liberdade tudo quanto é canto... Onde o amor livre chega, tem muita chance de pouco continuar como está, e tem muita chance de muito ficar mais livre... Se ele não for colhido e torcido e plantado novamente sem o sumo, o risco é de ter liberdade demais... O amor livre, se verdadeiramente livre, é também amor libertador... Por isso, quem quer construir um mundo de liberdade, precisa da liberdade de amar um amor novo, que não seja prisão, que seja amor livre...

O Amor Livre, como tudo na militância, é algo que queremos construir, que queremos que todas e todos tenham acesso, mas que só podemos lutar por um mundo em que tenhamos liberdade para viver esse algo se já estivermos, durante a luta, vivendo esse algo em nossas vidas...

Só quando o nosso amor for livre é que poderemos construir um mundo com liberdade... E até lá... Amemos, e nos libertemos...

beijinhos de maracujá!

sábado, 28 de janeiro de 2012

Sobre desvios, artifícios, ninhos e cantos






Todo ser vivo tem algum tipo de movimento, nem que seja só no interior de sua célula. Sempre tem a função sensitiva e a função motora. O ser humano também é assim. E tem muita gente por aí que explica o funcionamento de tudo, da vida, do universo, de todas as coisas, a partir da sensório-motricidade. Mas nós vamos um pouco além. Ou seria MUITO além?


A gente olha pro ser humano e vê que a sensório-motricidade dele não segue o mesmo caminho, geneticamente programado, que todos os outros seres vivos seguem. É como se o ser humano tivesse na sua genética um programa aberto pra variações. Pra desvios. O homem usa artifícios, ferramentas, instrumentos, dispositivos. A motricidade humana pode acontecer de milhões de maneiras diferentes, que a sua genética nem sonhava codificar. Todo passarinho faz ninho como sua genética determina, canta como sua genética determina. Nós utilizamos instrumentos, inclusive instrumentos psicológicos, então nossa atividade motora sobre o mundo e nossa percepção sensorial desse mundo variam. Nós construímos casas de mil jeitos diferentes, e inventamos jeitos novos a todo momento. Nos cantamos canções de mil jeitos diferentes e inventamos jeitos novos a todo momento.

Essa é a graça e a desgraça do ser humano. Esse animal lindo e macabro, que constrói e/ou destrói de uma forma que nenhum outro animal, que nenhum outro ser vivo no mundo faz. Porque ele é um pedaço da natureza que usa de instrumentos, de artifícios, pra transformar a própria natureza, inclusive a si mesmo. Porque se o resto da natureza é puramente natural, a natureza que o homem transforma (e inclusive ele mesmo) é mais que natural, é ARTIFICIAL. Desviada por artifícios.

E aí está o nosso segredo: Já que somos seres dos desvios e dos artifícios, podemos nos desviar desse rumo que nossa sociedade vive hoje, e que não queremos seguir. Podemos escrever uma história diferente, fazer esse caminho mudar, construir artifícios pra sair dessa sociedade de exploração, opressão, desigualdade e sofrimento, dessa sociedade que NÃO É NATURAL, e por isso a nossa proposta é construir o socialismo através de desvios dos rumos do capital, através de dispositivos artificiais, de ferramentas para esse desvio. E esse blog é uma ferramenta nossa para isso, daí o nome "Artifício Socialista".

Sobre os ninhos e os cantos humanos, ou seja, como através da arte e da construção de lutas, podemos construir uma alternativa, um desvio, que nos leve ao socialismo.

Quem também quer escrever um projeto que desvie do projeto do capital, venha cantar e fazer ninhos conosco!

beijinhos de maracujá!