quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Uma oração ignorável


Deus,

Não é religiosamente que faço esta oração. Não estou orando para você, porque não te vejo como um tipo de humanóide superpoderoso que possa estar do outro lado de uma linha telefônica, ou lendo um blog. Não acho que você seja uma consciência superior, consciência é coisa de ser humano. Estou orando sem religiosidade, porque não acredito em possibilidade de eu estar desligado de você, pra precisar de uma re-ligação religiosa: sei que sou parte de você e você parte de mim. Como se eu fosse uma gota e você fosse o mar, e mesmo que eu evapore, não estou desligado de você. Estou orando racionalmente, muito racionalmente. E performaticamente, orando para ser lido. Estou orando para quem pode estar do outro lado: orando para que seres humanos me leiam.

Como orar é pedir favores, pedir perdões e agradecer pelos favores e perdões concedidos, gostaria de te pedir, Deus, que me dê força para a luta contra essa ordem cruel em que vivemos, e que dê inspiração a mais pessoas, para que mais e mais pessoas entrem na luta contra esta ordem. Gostaria de pedir olhos atentos e abertos, pra entender essa ordem, e entender cada uma de suas brechas, quero poder abrir buracos nela. Para minhas companheiras e meus companheiros de luta, assim como pra mim, peço o discernimento de mediar as nossas contradições e produzir sínteses na luta. Assim sendo, me ajude a ceder naquilo em que me equivoco, e assim também as demais pessoas, para que possamos construir um projeto alternativo de sociedade que derrube esta ordem. Peço também que acabe com essa hegemonia maldita do individualismo neoliberal e do irracionalismo pós-moderno, pra que a gente consiga fazer críticas de verdade, e não apenas essas pseudo-críticas que ajudam a calar as lutas e defendem a ordem cruel. Gostaria de pedir amor, para que eu consiga respeitar minhas compnheiras e meus companheiros, sem praticar opressões e sem aceitá-las, lutando contra elas. Nos ajude, Deus, a acabar com o racismo, com o falso amor possessivo, com o machismo, com os preconceitos fascistas, com a homofobia, e assim construir o respeito à diferença que é indispensável para que exista igualdade.

Gostaria de pedir perdão pela minha desorganização, pelas vezes em que sou incompetente e pelas vezes que sou descuidado. Gostaria de pedir perdão pela minha ineficiência em lidar com seres humanos, e pelos momentos em que, graças a essa ineficiência, machuco as pessoas. Me perdoa, por favor, pelos momentos em que eu deveria bater e não bati. Perdão pela passividade, perdão pela submissão. Me ajuda a não ser mais assim. Perdão por ser tão prolixo, e por não saber a hora certa de ficar na minha. Perdão pela desatenção. Por fim, perdão por não apreciar mais a natureza. Me inspire a fazê-lo, por favor.

E gostaria de agradecer pelo corpo que tenho, pelo mundo que tenho a transformar, pelas companhias que tenho na luta, pela história que tenho comigo, pra levar adiante, e pelas alegrias e tristezas que pude ter até aqui, e que me dão condições de criar novas alegrias e novas tristezas.

"C'est le temps des grandes métamorphoses".

beijinhos de maracujá!

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