domingo, 16 de setembro de 2012

Encher os corpos de amor (ou Sobre as palavras e as encenações)


"Eu te amo" é uma frase quase que totalmente desnecessária. Com o tempo, fui aprendendo que o corpo humano fala de muitas outras formas além das palavras, justamente porque entende muitos outros modos de falar, para além da palavra. Olhares, gestos, sorrisos, testas franzidas, ombros contraídos, corpos inclinados, uma infinidade de coisas. Chega uma hora em que só de ver alguém de canto, você já sabe exatamente a posição da pessoa no universo, e ainda há quem ache que, pra sacar qual é a de cada pessoa num ambiente, seria necessário ir a uma por uma, perguntando: "qual é a sua?", "e você, qual é a sua?", "e você?". Não: o corpo humano é capaz de sentir qual é a do outro corpo humano, e a palavra é só uma dessas vias, inclusive nem é a mais aperfeiçoada, mas a que a gente mais consegue usar em transmissões consensuais. Ainda assim, a palavra enche as transmissões consensuais de ruído, o que resulta em muito sofrimento pra humanos acostumados à falsa idéia de que a palavra é instrumento perfeito de trocas.

"Eu te amo" é uma frase quase que totalmente desnecessária, porque o amor de uma pessoa por outra, é algo que o corpo consegue sentir com muito menos engano com a ausência da via da palavra. São três palavras muito prazerosas de se ouvir, mas quando o corpo demonstra o que elas dizem sem elas, é mais prazeroso ainda. Eu quase não digo mais que eu amo, raramente eu digo, digo cada vez menos. Mas eu amo, amo demais, eu sou o amor da cabeça aos pés.

Demonstrar amor amando, deixando escapar do corpo a declaração gestual do amor, é extremamente necessário. Quase que totalmente, ou mais do que isso. Encenar o amor é imperativo para que a vida siga, e a gente tá mais preocupado em verbalizar o amor do que em transformá-lo em ação, em atuá-lo. A demonstração é uma encenação, é uma atuação, mas não necessariamente uma mentira. O corpo mente mais facilmente com palavras, mas sem elas também pode mentir. No entanto, há encenações verdadeiras, e que não deixam de ser encenações. Toda vez que a gente age, na presença de outras pessoas, percebendo ou sem perceber, querendo conscientemente ou sem ter consciência do querer, a gente está mostrando pras pessoas o que a gente acha que deve mostrar. O corpo é um grande palco de encenações sociais, viver é encenar, e não precisamos sentir culpa nisso. O segredo para parar de atuar é ficar parado como uma estátua, mas isso acaba sendo uma forma de demonstrar, pra si e pras outras pessoas, que não é alguém que atua: isso é uma atuação.

O amor não é a única coisa que devemos atuar, mas eu defendo que ele deva ser atuado. A partir das atuações alheias, saber quem merece e quem não merece receber de nossos corpos o amor. E em casos extremos, as três palavras da declaração de amor. Palavras de amor podem ser uma prisão, é possível falar que ama sem amar. Mas corpos abertos e atentos vão aprendendo a saber, nas encenações do corpo, quando o amor (ou qualquer outra coisa atuada) é de verdade.

E ainda assim, tem hora em que deixar de dizer que ama é o maior erro possível. Declarações de amor podem ser uma tomada de decisão de dimensões esfincterianas. Corpos abertos e atentos, sabem a hora em que devem usar palavras pra declarar o amor. Mas não basta saber: é preciso coragem.

E por fim, é preciso aprender a reconhecer (com ou sem palavras), as demonstrações e declarações de amor, e conseguir tomar a decisão de responder (aqui a coragem é mais importante do que o saber, muitas vezes não sabemos o que dizer em resposta, mas responder já é o bastante). Amor nunca é unilateral, é reciprocidade. Se você acha que quem você ama te ama, não tem como saber sem antes ter coragem. Se conseguir prosseguir nessa conversa sem palavras, é mais soft do que verbalizar verborragias. Mas se o caso for extremo, por que não tentar as palavras?

Mas não deixemos de colocar amor no corpo não. Palavras sozinhas são vazias, mofam, apodrecem, gangrenam. Enchamos os corpos de amor!

beijinhos de maracujá!

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