sábado, 1 de setembro de 2012

Ao blog Molotov a Luz de Velas: Sobre as Baratas



Não estamos sendo suficientemente baratas. Não tanto quanto é necessário, sob a demanda destes tempos insuportavelmente assépticos, nem tanto quanto é possível, nestas paragens indiscutivelmente enlouquecedoras (quebradas, sucessão de tretas). Nós somos ainda demasiado cristãos e europeus (não, não foi uma recaída nietzschiana), e para suportar o jeito de ser das baratas, é preciso ser profundamente cosmopolita, cidadã e cidadão do mundo, porque boteco é internacional, kafkiano e dosdoievskiano... Amadiano, sampaiano, vitoriense mas não vitoriano. As estratégias de luta das baratas são pouco convenientes para corpos ainda moldados pelo temor das palmatórias.


As escolas precisam ser completamente demolidas, em seu aspecto de disciplina erguida sob a humilhação, para que os corpos comuns possam lutar ao modo das baratas. Nós somos escolarizados demais para ter a capacidade de lutar como seres que, depois de pisadas, se fazem de mortoas, recolhem pra dentro de si suas vísceras, e se arrastam até o canto escuro do bueiro mais próximo, pra ter paz e tempo de reorganizar-se do pisão, e depois voltam mais fortes e imundas do que nunca. Lutar com essa capacidade de suportar as pancadas e, com o corpo, aprender o que elas querem dizer, é um modo de aprendizado muito pouco cabível nas pedagogias que a gente academicamente apreendeu. Estou falando isso por causa daquela história de Capitães de Areia ser um livro de psicologia do desenvolvimento muito melhor do que todo esse lixo de Ellen Bee, Jean Piaget e o cacete, que a gente fica estudando e se licenciando. A civilização errou no modo como aprendemos, no modo como ensinamos e no modo como vivemos. Entender como vivem as baratas, nas areias, ruas e ladeiras da Bahia, e do Espírito Santo, e do Brasil, e do Mundo, inclusive as filhotinhas de barata, e uma tarefa pedagógica para as revolucionárias e para os revolucionários.

Nós ainda estamos excessivamente em paz com a civilização, para haver ainda quem nos ache humanos normais, para não termos nos tornado em definitivo baratas. Ainda há quem fale conosco, quem nos queira por perto, quem não nos entenda como ameaças. Uma civilização que ameaça a todas e todos só vê alguém como não sendo ameaça, porque esse alguém está suficientemente em paz com a civilização. Está na hora de sermos incivilizadas e incivilizados, está na hora de sermos baratas. E acho que isso é um assunto para tratar com o conselho editorial do blog Molotov ao Pé do Ouvido, porque a incivilidade é uma questão de amor.

Uma coisa que me intriga é como ainda há quem ache, baseando-se numa falsa obviedade, que incivilidade é ódio à civilização. Incivilidade é ódio sim, porque ódio e amor sempre estão misturado, não são água e óleo. Água e óleo não são opostos, como norte e sul, leste e oeste. É como se a água fosse o sul, e o óleo não fosse um ponto cardeal. Amor e ódio são dois pontos cardeais, como todo imã tem dois polos, e não dá pra cortar um imã no meio, deixando o sul em um deles e o norte no outro. Incivilidade é ódio sim, mas não é ódio à civilização, e sim a esta civilização que aí está. E as baratas não são o fim de toda e qualquer civilização, elas são a aposta em uma outra civilização. Baratas just wanna have fun! E isso é impossível numa civilização que destrói os corpos de cada uma e cada um. Por isso viver como se odiasse essa civilização, mas como se amasse a civilização que podemos criar. Como é essa outra alternativa? Eu não sei, tenho minhas suspeitas e minhas apostas, e posso estar certo ou errado, mas sem sombra de dúvidas, é melhor do que essa civilização que aí está, que ameaça a todas e todos, que está falida porque lucra sobre a falência.

Falência múltipla dos órgãos desta civilização. Porque as baratas recolhem seus órgãos e vão ali, ficar mais fortes pra voltar.

Atenciosamente,



Blog Artifício Socialista -  http://artificiosocialista.blogspot.com.br/ 


beijinhos de maracujá!

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