quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sobre a Psicologia Dialética: Formulações Iniciais


Acho que preciso me explicar, porque estou fazendo as coisas de uma forma muito afobada, e isso está impedindo muita gente de entender minha intenção. Eu estou, diante de tudo o que a psicologia oferece hoje, tentando inventar algo novo, uma nova maneira de fazer psicologia. Quero criar uma nova teoria, conceituar o que a psicologia aborda de uma maneira mais coerente com as necessidades da nossa atualidade, mas ao mesmo tempo, coerente com a necessidade de transformação social e de consolidação de uma ofensiva revolucionária da classe trabalhadora brasileira e internacional. Quando eu disse, em um texto recente deste blog, que queria contribuir tanto para a construção de uma Psicologia Contra-Hegemônica quanto de uma Psicologia Dialética, é exatamente essa distinção que quero fazer aqui.


Em primeiro lugar, a psicologia Contra-Hegemônica (deixo o assunto deste texto para o final!). A Psicologia Contra-Hegemônica é uma tomada de posição, diante da atualidade da psicologia brasileira. Hoje, apesar de um discurso comumente propalado de que nossa profissão possui um compromisso social, o que temos é uma série de ações isoladas, de caráter progressista (ou seja, que não são tão conservadoras, mas também não chegam ao ponto de serem revolucionárias), e um projeto para a profissão, executado há mais de uma década e meia, que entende nossa profissão como algo que precisa de CUIDADO. Eu entendo que o cuidado é uma prática social que pode ter tuas nuances: uma puramente reformista, e outra predominantemente revolucionária, uma que pretende cuidar adequando ao cenário social atual, e outra que pretende cuidar mas, ao mesmo tempo, instrumentalizar para que quem recebe o cuidado também possa romper com o atual modo de funcionar da sociedade, construindo um outro sistema social. A psicologia brasileira, hoje, se funda hegemonicamente no primeiro tipo de cuidado, o que fomenta um campo de profundas contradições, já que a mesma profissão que se pauta em um suposto compromisso social, também acaba tendo uma confusa opção por vias corporativistas, elitistas, relativamente entrelaçadas com as políticas do atual governo federal, e também pouco entrelaçadas com as formulações coletivas e críticas dos estudantes de psicologia (vistos como menos dignos de opinar sobre o rumo da profissão do que quem já se formou, o que eu acho uma diretriz no mínimo questionável e problemática). Essa confusão que me incomoda, também me faz apostar num outro rumo: acho que a nossa profissão não precisa de cuidado, precisa sim ser transformada. Essa prática profissional pautada num cuidado transformador e revolucionário é a prática afinada com a psicologia Contra-Hegemônica que queremos construir. Em outras ocasiões, desenvolverei mais sobre a construção da psicologia Contra-Hegemônica, mas esse tema já foi tratado em mais de um texto neste blog.


O segundo e principal tópico é a Psicologia Dialética. Na atualidade da psicologia brasileira, é evidente que a Psicologia Dialética é uma psicologia Contra-Hegemônica, mas ela não é a única. A psicologia Contra-Hegemônica não é uma teoria (é um paradigma profissional), a Psicologia Dialética o é.

Eu estou tentando propôr uma síntese de diversos pensamentos já registrados ao longo da história da psicologia, com vários outros conhecimentos acumulados por nós ao longo da prática profissional, mas ainda não registrados em nenhum campo teórico. A filiação teórica é com a filosofia e a ciência materialista histórico-dialética, e é uma teoria política tanto quanto acadêmica. Os principais nomes que têm norteado as minhas ainda embrionárias formulações na Psicologia Dialética são Lev Vigotski e a escola soviética, Wilhelm Reich, Enrique Pichon-Riviere, assim como o próprio Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Georg Lukaks, István Mészáros que, teoricamente, não são propriamente teóricos da psicologia, mas sustentam questões centrais na concepção de ser humano que essa teoria pretende se fundar.


A intenção da Psicologia Dialética é se pautar numa compreensão científica do ser humano que nos instrumentalize para a ação transformadora, entendendo a saúde-doença mental como elemento fundante da sociedade em que vivemos, e ao mesmo tempo fundado por ela. A totalidade do ser humano é campo de disputa política, e a compreensão da dinâmica dessa totalidade permite à classe-que-vive-do-trabalho enfrentar a hegemonia do Capital na definição de nossas vidas. A psicologia Dialética é uma psicologia da práxis e a sua construção se funda necessariamente dentro da dinâmica da luta de classes no seio da sociedade capitalista.

A psicologia Dialética não pode de forma alguma deixar de lado, na compreensão da totalidade da existência humana, os debates formulados nas lutas feminista, LGBT, antirracista, antimanicomial, antiproibicionista, ambientalista, pela inclusão de pessoas com deficiências e outras necessidades especiais, etc. Os debates das nações e fronteiras, da globalização, do acesso à comunicação, do neo-liberalismo, do consumismo, da exploração trabalhista, do marketing, da disciplina nas políticas de segurança, das lutas sociais por conquista de direitos, deixam de ser debates externos à psicologia, com os quais esta dialoga, e se tornam intrínsecos a esta. Uma psicologia que não entende todos estes campos como internos à sua formulação teórica, não é capaz de compreender dialeticamente o que é o ser humano como ser social e histórico. Por isso, lutando contra o risco de cair em uma erudição puramente formal e vazia, a Psicologia Dialética dá estatuto científico definitivo a estes debates que a ciência burguesa por tanto tempo buscou e ainda hoje busca minimizar, como se não fizessem parte da psicologia.

Uma psicologia que se pretende dialética também não pode deixar, de forma alguma, de dialogar criticamente com toda e qualquer teoria que se pretenda psicológica, ou afim à psicologia. Na verdade o materialismo histórico-dialético só pode ser considerado em exercício quando há diálogo crítico e fraterno com todo e qualquer campo de saber, dentro e fora da ciência. Seja com a finalidade da refutação ou da confirmação, a Psicologia Dialética precisa estar em constante troca com os saberes que já foram ou estão sendo produzidos pelo ser humano. Sem esse crivo, a Psicologia Dialética corre o risco de cair em um engessamento que não convém a uma psicologia revolucionária e transformadora. Além do mais, como haver dialética sem haver dialogicidade? Não da maneira inconsistente e embriagada de fluidez que a pós-modernidade impõe como paradigma, mas a Psicologia Dialética é, necessariamente, uma psicologia em constante transformação, e o crivo para que ela se transforme de forma consistente é a crítica dialógica, que põe em questão tanto as outras teorias e outros campos de saber, quanto ela mesma. Ela se forma daquilo que sobrevive à crítica dialógica, portanto, não é uma psicologia dogmática, no entanto não é uma psicologia que não afirma as suas posições: se a crítica dialógica não refutou uma construção teórica sua, essa construção será firmemente afirmada, até que se prove em contrário.

Um tema central para a nossa psicologia é a relação entre indivíduo e sociedade. Superar esta dicotomia, entender a produção tanto do social quanto do individual no ser humano é um desafio basilar para a construção desta nossa nova psicologia. Para isso, recomendo uma obra em particular: "A Individualidade Para-Si", de Newton Duarte. Ela permite iniciar de forma consistente esse debate, e sustentar parcialmente todos os demais que a nova psicologia deverá tratar.

A Psicologia Dialética será conveniente a diversos campos de investigação, como a psicopatologia, a psicologia dos processos mentais, do comportamento, da consciência, do inconsciente, a psicologia social, a política, as psicologias do corpo e do cérebro, e a investigação filosófica sobre a psiqué humana. Também contribuirá para a atuação prática em diversas áreas de trabalho, como a saúde, a educação, a assistência social, o judiciário, a saúde mental, a psicologia organizacional e do trabalho, a clínica, e campos como o esporte, o turismo, a arte, e a relação entre os seres humanos e os animais (em especial os de estimação). Muitos outros campos podem ser ainda inseridos nessa nova psicologia, ao longo da história de seu engendramento.


Por fim, é importante demarcar: o entendimento da psicologia Dialética se anula enquanto o conceito de dialética for compreendido através de fórmulas mecânicas e puramente didáticas, como a clássica e pobre estruturação "tese-antítese-síntese". A psicologia Dialética consegue dar conta das explicações sustentadas na lógica cartesiana, mas não pode de forma alguma ser resumida a ela. A filosofia de Espinosa pode ser uma grande companheira de quem quiser construir a Psicologia Dialética, assim como elementos da Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, no entanto a Psicologia Dialética tende a refutar certos pressupostos esquizoanalíticos.

Uma ciência revolucionária é uma aliada indispensável de uma classe revolucionária!

beijinhos de maracujá!

Nenhum comentário:

Postar um comentário