sexta-feira, 4 de maio de 2012

Quando vale a pena repassar um meme? (ou Sobre o Conceito de "Turismo na Própria Cidade")




Turismo na própria cidade é uma bolinha de gude. Pode ser divertido, quem já brincou de alguma maneira com uma ou mais dela sabe o que é; Pode ser variado, existem mil tipos, Gudeira, carambolinhas, de Leite, e vai. Pode ser lindo, afinal, olhe com uma delas contra a lâmpada, escolha várias diferentes pra fazer isso e veja que lindeza. Pode ser uma arma, jogue sob as patas de um cavalo da polícia te perseguindo numa noite de 02 de junho de 2011, nas ruas de uma democrática Vitória (Leitão da Silva, Avenida Vitória, Cesar Hilal, atalho na Carlos Alves), quem se lembra disso?



A solidão sozinha não dá em nada, mas há certas faxinas que só se faz em solidão. Tem hora em que não convém repassar um meme, mas tem hora que a gente repassa, e cada um de nós tem seus motivos, seus critérios. Quando vale a pena repassar um meme?

Eu acho que vale a pena em quatro situações: quando acho que vai mover alguém pra luta (quem quer que seja), quando eu acho que vai dar um momento sublime a alguém (quem quer que seja), quando eu preciso desabafar e aquilo retrata o que estou sentindo, e quando eu preciso inflar o meu ego e pagar de galante pavão (ascendente em leão, e não em peixes como eu pensava). Sempre repasso quando uma ou mais dessas demandas estão presentes, inclusive foi unicamente o segundo que me fez postar a primeira imagem, que abre esse posto. Esses quatro motivos aliás, são os mesmos que me fazem escrever neste blog. Todos os posts vêm de um ou mais desses motivos acima.

Mas tem coisa que não convém compartilhar, e a gente compartilha. Maldito facebook! Mas o facebook tá em nossas vidas, e até que consigamos tirá-lo de lá e viver bem com isso, criemos critérios pra viver com ele, né?

Mas acho que melhor do que compartilhar memes é compartilhar lugares, que é uma das modalidades de Turismo na Própria Cidade, conceito que já utilizei em outros textos deste blog mas conceituo abertamente pela primeira vez aqui neste post.

Turismo na Própria Cidade, que eu fico tentado a chamar de TPC, é uma prática de lazer e militância, é uma intervenção. Um corpo ocupando os espaços da maneira mais prazerosa possível que combine a satisfação de seus desejos e suas necessidades e o não-extermínio de sua vida, de sua integridade ou de sua liberdade. É um turismo não sustentado na perspectiva mercadológica, um turismo que pode ser feito sem nenhum centavo no bolso (e que não é proibido a quem tem qualquer centavo ou real ou zilhão). Sua cidade tem, encravada nela, uma história que faz parte da sua vida, mesmo que você não a tenha vivido diretamente. Cada pedacinho de história que a sua cidade guarda nas suas paisagens, construções, locais, belezas naturais, feiuras, contradições, situações, etc., fala exatamente sobre você, e talves fale coisas que você esteja precisando ouvir (neste momento, ou talvez daqui a dez anos, quem sabe?). A cidade está sendo cada vez mais projetada pra que seu corpo não a ocupe, ou só a ocupe dentro de uma certa monotonia, que a cidade seja aproveitada dentro de um circuito em que os corpos só aproveitem o que for comercialmente aceito. Assim como a psicanálise não se faz sem uma relação de dinheiro. O Turismo na Própria Cidade é uma ruptura radical com isso, é um não à obrigatoriedade do turismo comercial, ao turismo que aliena, que adoece, que nos torna estranhos à nossa própria cidade. Sua própria cidade pode ser até seu próprio corpo (um caso extremo disso é a masturbação, quando prazerosa e bem preocupada com o conhecimento do próprio corpo), e é possível fazer Turismo na Própria Cidade na cidade dos outros, em outras cidades.

O TPC pode ser praticado em solidão, que é uma forma excelente de esquecer idéias indesejadas (mas nem sempre funciona) e também uma forma excelente de ter idéias novas ("Só os pensamentos andados têm valor", o TPC é uma metodologia Nietzschiana, por incrível que pareça [já que está inserido em uma Psicologia Dialética]). O Turismo na Própria Cidade Excêntrico (seria exagero chamá-lo de TPCE?) é uma modalidade voltada para a intenção de incomodar: ponha no mundo um corpo estranho, inconveniente, singular, alegre demais, esparrado demais, provocador demais, e ou que incomode de alguma maneira, e deixe o mundo sofrer puro efeito da presença desse corpo, e esse corpo sentir o efeito da presença do mundo sob efeito da sua presença, e depois o mundo sentir efeito da presença desse corpo depois da efeito  da presença do mundo sobre a presença desse corpo nesse corpo, até que as relações entre o corpo e o mundo sejam tão confusas que não caibam mais em um blog, só na tour do Corpo Excêntrico pela cidade. O Vínculo pichoniano redundando até o infinito, nessa sacana provocação.

O TPCE também funciona em protestos, ambientes públicos como shoppings e praias, ou prédios públicos, como universidades ou assembléias legislativas, por exemplo. Eu gosto muito de escovar os dentes na sala de aula e no corredor, pra dizer pro mundo que a UFES é, sim, a nossa casa. Vamos continuar abrindo abril e consequentemente nos negando a entrar na lógica do adultocentrismo, que cala a alegria do corpo que brica como criança. Não sei se já perceberam mas o TPC também é uma metodologia espinosista, e muito mais do que nietzschiana. É uma política e uma ciência dos encontros. O que pede uma nota de rodapé: Nem sempre o TPC vai dar certo, às vezes ele vai estragar tudo. Não tem uma regra, uma garantia divina ou superior de que vai ser infalível e funcionar como queremos. E nem sempre o que sai do planejado é ruim, mas muito menos é sempre bom! Isso não pode porém ser motivo pra desconstrução completa no TPCE, baseada no medo e no microterrorismo, afinal apesar dos riscos, bagunça pela cidade continua sendo a velha nova ameaça! O nome disso é apostar no bizarro.

Outra forma de Turismo na Própria Cidade se chama Turismo na Própria Cidade Coletivo, ou em Coletivo. Eu acho incluisive que o Turismo na Própria Cidade em Solidão deveria se chamar TPCS, e o Turismo na Própria Cidade Coletivo, TPCC. Gostei da coisa das siglas, me permitam brincar um pouquinho, por favor.

O TPCC pode ser feito em duplas (TPCD), em trios (TPCT), em quartetos, (TPCQ) e em cinco ou mais pessoas (o que eu acho que já é gente demais pra receber uma sigla específica, porque são poucas as letras no alfabeto, pra inventar tanta sigla tão parecida).

Saindo um pouco da nóia das siglas, mas usando o que de útil saiu daí, o TPCD também tem várias nuances, que eu metodologicamente esboço destrinchar aqui: ele pode ser romântico ou não romântico; pode ser uma oferta de presente: ao invés de dar uma propriedade, um objeto, uma posse, de presente pra alguém, dê um instante, uma paisagem, uma vista, um local (poderia ser uma música ["a nossa música"], um poema, um beijo, uma sessão de cinema, mas você escolheu um TPC de Presente).

O TPCC (assim como o TPCD), pode ser utilizado em fins pedagógicos de formação política, assim como em fins terapêuticos: um bom acompanhante terapêutico (fazendo ou não uso da Psicologia Dialética), consegue produzir um movimento INCRÍVEL na clínica psiquátrica através do passeio assistido, que nada mais é do que um TPCD ou TPCC, além de um incentivo à prática da TPCS como artifício para a produção de autonomia. Não existe produção de autonomia na psicologia Dialética que não mova para a luta. Isso é um princípio indiscutível e inegociável da nova psicologia.

O TPC também poderia ser chamado de Turismo, igual o pessoal da Bahia (ao menos do sul dela) chama puteiro de Brega, o pessoal de Belém diz que vai pra Aparelhagem, e a gente de Vitória diz que vai pros Rock. E aí, vamos fazer um Turismo? Você pode estar chamando a pessoa prum quatro e vinte, mas pode também estar marcando uma subida ao Mestre Álvaro no feriadão, ou chamando a galera  pra um show da Soul To Groove (melhor banda capixaba dos últimos anos), ou mesmo pode estar marcando uma pentada.

O uso medicinal e terapêutico do TPC pode ser conjugado com o uso militante (tem militância que adoece, mas tem militância que é terapêutica [a Psicologia Dialética bem sabe disso!], então às vezes as duas coisas podem estar juntas), pode ser articulado ao uso recreativo (que na verdade quase sempre está presente, é quase que o componente obrigatório, a essência, a raiz do TPC, mas pode às vezes ou em casos extremos faltar), etc. O TPC pode até mesmo ser utilizado em estratégias de sedução (todo tipo de sedução). Por conta disso mesmo que nós, do blog Artifício Socialista, chamamos atenção para a prudência. Poderia até fazer uma vinheta assim, ó: "O BLOG ARTIFÍCIO SOCIALISTA ADVERTE: O TPC pode ser utilizado para controlar, enfeitiçar nocivamente, hipnotizar, subordinar, de certa forma oprimir, explorar, sugestionar, de certa forma alienar". Não queremos isso de forma alguma! Não queremos uma TPC que aliena! Mas estamos contando isso, não pra incentivar o uso intencional do Turismo na Própria Cidade Nocivo (TPCN), mas porque sabemos que o uso nocivo é em geral ineficiente quando o alienado se desaliena da sua condição de alienado. A pessoa desalienada consegue com maior facilidade transformar o TPC em bom encontro, que é fruto do exercício do que o velho Marx chamou de crítica:

"Não retirar das cadeias as flores falsas,
Pra que os homens suportem a cinza prisão,
Mas pra que tornem se livres:
E as flores vivas brotarão." (Poema de Karl Marx, tradução minha).

Aqui fica nítido que mais do que qualquer outra coisa, o TPC é uma metodologia Marxista, fundada na filosofia, na ciência e na política do Materialismo Histórico Dialético. A citação acima é a alma e a essência do Turismo na Própria Cidade, assim como aquele poema do capítulo cinco do capital em que Marx fala sobre a abelha e o arquiteto é a alma e a essência de toda a psicologia Vigotskiana e de toda a psicologia da Escola Soviética. Donde depreende-se que a essência do TPC é a crítica, já que o TPC humaniza e a alienação desumaniza (torna menos acessivel a todo, a todos e a cada ser humano aquilo que foi construído por todo, por todos e por cada ser humano [ou seja, aquilo que é artificial, social e histórico]). Para o exercício da crítica, indispensável ao método TPC, é preciso compreender o conceito Marxista de alienação. 

Marx aposta na artificialidade da alienação. Se a alienação é produção social, é histórica e não é puramente natural, porque apostar na impossibilidade de universalizar (totalizar) o desligamento da alienação? Não estar mais ligado ao estranhamento de si mesmo: essa é a meta de Marx, que ele aposta que nós podemos, enquanto gênero humano, alcançar. Alienação é estranhamento, isso explica tudo. Alienação não é burrice, é apenas ver algo que você fez como algo que está acima de você. Se a alienação é social, se nós fizemos, e fazemos o tempo inteiro a alienação, quem disse que ela é maior do que nós? Quem disse que ela é um Deus que está dentro de nós e que não podemos superá-la? Quem disse que tem um Deus em outro plano determinando neste plano a existência eterna e insuperável da alienação em nós? O TPC aposta na superação da alienação, no papel da crítica nisso, na terceira forma do conhecimento de Espinosa, e no valor dos pensamentos andados, segundo a valoração de Nietzsche. Claro que o TPC rompe muitíssimo mais com Nietzsche do que com Espinosa, mas rompe absolutamente menos com Marx, ele não deixa de forma alguma de estar no campo do marxismo e acredito que também não deixe no caso do espinosismo. O TPC é um conceito fantasiado de brincadeira, é uma arma fantasiada de brinquedo. Uma bolinha de gude.

TPC's nocivos costumam perder o efeito justamente quando em contato com a consciência da relação de hipnose, que abre caminho para que a pessoa desalienada (que na atualidade nunca é completamente desalienada, apesar do nome) possa exercer a crítica, inclusive através do seu corpo, anulando o turismo nocivo pela via do método do Turismo. Por isso fizemos questão de colocar a advertência sensacionalista de agora há pouco, trata-se de uma espécie de otimismo. Vale a pena saber que isso é possível, pra saber que é possível enfrentar isso. E aí a crítica inclusive dá à pessoa desalienada a opção de avaliar que a relação de hipnose está sendo útil, que ela convém, e que ela pode continuar (mesmo que provisoriamente).

O TPC rompe com o nietzshianismo também na questão da solidão, já que fazemos o esforço de colocá-la (a solidão) em seu devido lugar. Ela é extremamente necessária mas não é indispensável a todo momento, e nem esse tanto assim como o Nietzsche dá a entender. Na verdade, apostamos menos na solidão do que aquele tanto que o próprio Nietzsche afirma: apostamos na coletividade, na construção coletiva e na síntese de um projeto planejado pela classe para superar o projeto espontâneo, que põe a classe nas mãos do projeto planejado pela burguesia. A opção pela contra-hegemonia nos faz não abusarmos muito na dose de solidão, porque certos destilados, se bebidos em grandes quantidades, dão ressaca pesada no dia seguinte, e a solidão é um deles. Mas repetimos, há certas faxinas que só se faz em solidão. Nietzsche e Freud, ao contrário de Marx, apostam na naturalidade da alienação, aposta que anula toda e qualquer possibilidade de emancipação humana. Isso diferencia diametralmente Espinosa de Nietzsche, aliás. Espinosa é um racionalista que aposta na emancipação humana. Essa polêmica precisa ser aprofundada, porque acho que essa aposta dele não é utópica, nem a de Marx.

Memes têm tendência a ser TPCN's. Memes são hegemonicamente nocivos. Mas não homogeneamente, ou seja: nem todos os memes e nem todas as hipnoses são nocivas. Muito menos todas são garantias de maus encontros. Há hipnoses nocivas que podem redundar em bons encontros, o que não quer dizer que não sejam combatíveis. Por isso, um ciberativismo precisa saber utilizar os memes da forma correta. A política de comunicação de uma esquerda efetiva e competente, sabe fazer uso dos memes, não de maneira idêntica, mas sem sombra de dúvidas de maneira análoga ao Turismo na Própria Cidade. Quando vale a pena repassar um meme? Como o facebook tá atravessando a nossa vida o tempo inteiro, vamos meter o facebook na luta! Fazer dele uma bolinha de gude, uma brincadeira que na hora exata é a arma mais precisa de todas. O segredo é usar os memes como fanzines virtuais, num do it yourself do século vinte e um, que abre para a ruptura revolucionária. A comunicação viral é o que mais podemos aprender com os memes. TPC precisa ser viral, fazer a diferença é essencial para que esse método funcione. Inclusive, depois de lerem esse texto, postem no facebook, curtam, compartilhem, comentem. Vamos mesmo mudar o mundo via facebook.

A diferença fundamental entre um meme e o Turismo na Própria Cidade, é que o TPC se faz nas ruas! E por falar nisso, esse método, apesar de aplicável em ambientes rurais, é eminentemente urbano, e uma psicologia camponesa deverá ainda tratar dessa questão metodológica, apesar de termos práticas análogas no campo, oriundas não da psicologia, mas do conhecimento popular. Não tenham dúvida de que essa é, aliás, uma das principais fontes da Psicologia Dialética na formulação desse nosso método. O TPC é como um beijo na varanda. Sentimos saudades de certos lugares, que ficam pra sempre em nossas memórias, assim como certos beijos deixam saudades, assim como certas histórias deixam saudades. Essa impressão de marca cognitiva no registro mnêmico da saudade é o princípio ativo do TPC, é daqui que sai o efeito químico, sináptico, neurofisiológico de nosso método. Pode ser utilizado combinado com outras substâncias. Mas prudência que elas, de acordo com o uso, a dose, a combinação e a circustância, também podem se tornar nocivas.

Que tal marcarmos uma partida de bolinha de gude qualquer dia?

beijinhos de maracujá!


3 comentários:

  1. Escrevi isso uns tempos atrás.
    Yan

    Escada rolante, ou, da redução/linearização do caminho e da invenção

    Imagem de um shopping artificialmente iluminado. Parece dia, mas são 21h. o fluxo de pessoas, se não o é, parece homogêneo, uniforme, como uma massa em direção a um destino certo. A arquitetura facilita, parece um grande autódromo para se rodar em um mesmo sentido. Alguns passos lentos para observar algumas vitrines, assim como foi feito no final de semana passado. Andar, observar, produzir novos desejos velhos de consumo e aquisição. Reinventar necessidades antigas. Reconhecer espaços geográficos, temporais, sociais, desejantes e, porque não, de classe em um shopping Center urbano.

    Eis que surge a escada rolante. Fluxo certo, linear, direcionado para cima. Objetivo, prático, asséptico e sem desvios. A maior ventura inesperada capaz de acontecer é a tal escada emperrar (o que, com certeza, causaria um pânico momentâneo perante a quebra do monótono rotineiro). De resto, reconhecimento.

    Não há surpresas na escada rolante. Há o corte da surpresa. O fluxo de pessoas é único, não há diferença. O contato é mínimo, não precisa formar membrana pra se defender, para interagir, para trocar algo. Anestesia. Nem mesmo é preciso experimentar seu corpo, apenas deixe-o parado. Não há o que percorrer, não há dor o gozo a sentir com ele. A escada tem um início e um fim, sem meio. Pré-teletransportador.

    Trabalhar e consumir, sem meio. Como em uma escada rolante, corpos se submergem em uma dinâmica linear de monotonia fluxual em trabalhos limitados e limitantes com a finalidade de consumir, simplesmente, consumir. Não há produção no trabalho, por mais produtivo que ele seja, e não há inovação para com o consumido. O consumido é anunciado pronto, perfeito, modelizado como finalidade de um trabalho pronto, limpo, certo e honesto. Início e fim. Sem meio, sem caminho.

    O dinheiro, como nos temo-nos, e a escada rolante trazem a fascinante possibilidade de cortar caminhos, buscar atalhos, evitar trocas, fugir de contatos e contágios. O dinheiro compre desventuras, compre previsibilidade e estabilidade. Compramos, quase sempre, sintomas repetidos e repetições repetitivas. A passagem de avião encurta o caminho em horas. O corpo, anestesiado pelo ar condicionado e a bossa nova ouvida nos fones de ouvido de um vôo internacional hermeticamente fechado, não se percebe em movimento. O corpo não quer percorrer o caminho. O corpo se nega ao trânsito. O corpo busca o familiar, o caseiro, busca na nova terra, uma suposta terra natal.

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  2. Tal corpo espera encontrar em seu destino algo que ele já conhece. Em uma viagem turística, o turista nunca almeja encontrar o que ele nunca viu. O turista, que é diferente do aventureiro, se hospeda no quarto de hotel que é exatamente idêntico ao quarto de toda a franquia espalhada pelo mundo inteiro, inclusive em sua cidade de “origem”; busca tirar as mesmas fotos que ele viu nas revistas dos monumentos, bares e eventos mais conhecidos e vistos por ele, e por grande parte dos outros turistas e pretendentes a turistas, via internet, revista ou televisão.

    A sociedade da escada rolante é a sociedade que abole a aventura, abole o não saber, abole a necessidade de construir significados, atividades, dinâmicas, interações, cognições, dores e sintomas. Se o produto não sai como o esperado (pois há algo esperado, o dinheiro paga pelo o que é esperado!) há o choque. Enfim, a substituição por um outro produto.

    Por falar em ironia, é constante a demanda por mudança. Máquinas mais velozes, pois é preciso de mais tempo para se prever melhor os tempos que virão. Casas/condomínios mais seguras/os, pois é preciso garantir estabilidade mesmo sem caminhos a percorrer, não queremos que nosso ponto de partida seja também um foco de venturas previsivelmente imprevisíveis. Tênis mais confortáveis. Maiores investimentos em você mesmo. Melhor performance sexual e nutritiva. Mais, mais, melhor, maior, mais compacto, hiperlativo, hiperlativo, hiperlativo.

    Tais mudanças suscitam a movimentos constantes e hipervelozes. Tudo urge. Urge de ser mudado. Mudança linear. Mudança sem invenção. Mudança de consumo de escada rolante. Novas metas para se atingir o mesmo pseudo-equilíbrio. O desejo inventado/consumido/produzido desequilibra o corpo em direção à velha nova mercadoria. Desejo motriz da mudança sem invenção. Desejo imediato, sem tempo para percorrer caminhos e acasos, em direção a uma meta certa e estável, financiado pelo catalisador de previsibilidades, o dinheiro.

    Vício no reconhecimento. A propaganda, seja ela anunciada em revistas, televisões, em círculos sociais, nas notícias sobre violências dos jornais ou nas páginas sobre comportamento e bem-estar, mostra o que eu já conheço e, mais uma vez, eu irei reconhecer no final do mês.

    A criança, como boa aventureira, reinventa a escada rolante. Não que ela seja um símbolo de uma pureza e de uma inventividade única e cosntante, não. Cada vez mais cedo crianças são modelizadas a ver as escadas rolantes como atalhos. E, cada vez mais cedo, tais crianças compram esses atalhos, pois a criança, como amplo nincho mercadológico, já tem seu desejo reiventado diante das 8 horas que passa assistindo na televisão ou via internet, programas e entretenimentos específicos e constantemente atualizados para ela. Entretenimento e finalidade. Formação do desejo. Desejo de usar direito uma escada rolante.

    Mas, nesse meio tempo, ou durante esse tempo, enquanto as codificações não se restringiram em tal linearidade, a escada rolante ainda é um objeto misterioso, passivo de ser explorado, acoplado de formas diferentes.

    O corpo se expande, pula os degraus, olha por debaixo, arquiteta maquinsmos, se equilibra no corrimão, o corpo se faz fazendo o objeto que se faz fazendo o corpo. Cadeia complexa. Não anestesiamento do caminho.

    Subir a escada rolante que desce; descer a escada rolante que sobe. Esporro da mãe. A função da mãe é clara: botar a criança na linha. E ai da mãe que não o fizer.

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  3. Acho maior narcisismo postar texto próprio no comment do post alheio, mas dessa vez é outra coisa. Escrevi esse texto a tanto tempo que nem lembro como ele é, pelo o que eu to vendo aqui é bem ingênuo...

    Sobre teu texto, afinal, cê me pediu a opinião, acho necessário, extremamente necessário, um bom texto, também, gostei de lê-lo.

    Sou praticante assíduo de todas essas siglas desgraçadas que você inventou!

    Agora, eu sento um excesso nos teus textos, cara. é difícil se comunicar com eles de tanto que eles falam. não que o excesso seja ruim, mas, no caso desse texto, eu acho difícil de comentá-lo contigo, ou emsmo emitir uma opinião de tão diversos que os temas, os assuntos e os exemplos o são. Talvez seja só uma questão de tempo, uma questão de que teu texto seja a algo a se saborear com mais calma, lentas lambidas, para não causar indigestão.

    Quando um ponto me tocava no texto, logo vinha outro e depois outro, e mais um autor, mais algo a se pensar, mais algo a te comentar, no fim, não tinha o que falar contigo.

    Quero deixar claro que senti prazer lendo teu texto. Prazer em sentir algo de diferente do que tenho visto ultimamente. Mesmo que eu não concorde com tua opinião acerca da solidão de Nietzsche, sou apaixonado por esse teu exercício de solidão na escrita que, como você já bem disse em outro texto, nunca é de tudo algo desvinculado do social ou do coletivo, isso é óbvio e não vale a pena nos repetirmos quanto a isso.

    Teu texto é como um sorriso no meio de um monte de gente emburrada com a vida e que nem sequer descobriram um jeito de reclamar ainda.

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