terça-feira, 7 de agosto de 2012

Santidade em tempos de greve




Escrevo este texto inspirado numa boa provocação do professor Maurício Abdalla, da filosofia da UFES, no grupo do facebook de nossa universidade, sobre as críticas docentes ao governo durante a greve, e a necessidade de autocrítica desses docentes no cotidiano de suas práticas profissionais. Concordo plenamente com ele, não somos santos, os docentes não são santos.

Assim sendo, não posso deixar de comentar as minúcias da relação dialética entre a luta docente por universidade de qualidade e as práticas docentes que sucateiam a mesma.


Sou um estudante que luta, há anos (e vou lutar até o dia em que me formar) para que a universidade esteja a serviço de uma formação e de uma produção de conhecimento que emancipem, ao invés de manter a sociedade injusta como está. Para isso, por exemplo, lutamos por avaliação efetiva (lutamos contra o ENADE, política privatista do governo, mas também lutamos por mecanismos democráticos e reais de auto-avaliação das universidades e dos cursos, centrados não apenas na posição de docentes, mas também de técnicos, estudantes e de toda a sociedade, sem ranqueamento mercadológico das mesmas e incluindo o povo pobre que deve ter o poder de decidir como ela funciona), lutamos por democratização do acesso (e isso quer dizer aumento de vagas, mas com aumento também nos investimentos e recursos, e não uma expansão que sucateia as universidades, como o REUNI, ou compra de vagas nas particulares, como no PROUNI. E quer dizer também o fim do vestibular, acesso universitário a todas e todos, com cotas sociais e raciais até lá, já que o vestibular é um método de seleção racista. Mas pra ter vaga pra todo mundo, precisa ter grana pra bancar esses custos, e por isso lutamos por no mínimo 10% do PIB pra educação pública já, imediatamente), lutamos por um projeto de educação e de universidade que atendam a todas as demandas de transformação da sociedade, esses são apenas alguns exemplos. E pra dar mais um exemplo, lutamos por qualidade nas aulas, tanto para graduação quanto para pós graduação.

Lá no meu curso, quando tocamos nesse assunto, vários docentes de pós graduação disseram (equivocadamente) que estávamos atacando a eles e aos pós graduandos, mas nós só estávamos atacando aos docentes que se aproveitam dos pós graduandos para darem aula na graduação, e assim ficam livres a se dedicar apenas às pesquisas e à pós (que é o que dá produtividade). E ainda assim, nosso inimigo não é o professor produtivista, nosso inimigo é a lógica produtivista, o professor é apenas mais uma infeliz vítima, mas uma vítima ativa, que ao invés de escolher se ferrar fugindo do produtivismo e recebendo pouco, prefere se ferrar obedecendo a essa lógica e ganhando mais. Eu critico o produtivismo, mas isso não me impede de, como estudante, lutar ao lado dos professores, sei que a pauta deles é justa, e se lá no meu curso tem professores que não ajudam em nada, eu não vou odiar todos os professores por isso.

Eu fico feliz de saber que na UFES e no Brasil inteiro tem docentes lutando por qualidade da educação, não se submetendo. Eu posso muito bem estar amanhã criticando professores que hoje são meus colegas de greve, e eu não me tornarei inimigo deles por causa disso. Mas deixar de construir e fortalecer a greve nesse momento histórico porque há professores (e não são poucos) que não têm compromisso com a educação, é misturar auto-crítica com auto-flagelação (o que já entra na questão da santidade, e que eu acho que não ajuda em nada a educação brasileira). O discurso do mérito e da santidade: "já que você não tem compromisso com a educação, porque é que eu vou ter que ter?".

Por isso, independente da santidade alheia, eu FAÇO QUESTÃO de estar em greve, sabendo que não há docentes perfeitos, nem técnicos perfeitos, e que eu não sou um estudante perfeito, mas que a imperfeição não me cala diante de um governo mesquinho, inconseqüente e irresponsável com a educação. Qualquer pessoa com um mínimo grau de inteligência, que avaliar a realidade do Brasil hoje, vai ver que essa greve é necessária, e que participar dela é uma oportunidade única tanto pra mudar a história do país, quanto pra aprender com essa história.

Como greve não é uma questão de santidade, quis trazer essa contribuição pra complementar a fala do professor Maurício, para que não distorçam as verdades que ele disse, como se a falta de santidade dos grevistas fosse a prova de que a greve não é legítima. Nosso compromisso é com a sociedade que está por vir. Mas nós a construímos agora! A auto-crítica é indispensável, e a participação na greve igualmente! Elas não se excluem, elas se complementam. Não é uma questão de santidade, é uma questão de luta!


beijinhos de maracujá!

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