quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Carta aos Cidadãos de Bem


Maria Ortiz, Vitória, 9 de agosto de 2012. Quinta-Feira.

Ser normal na sociedade não está sendo bom. Estamos afirmando isso. Quem aí tá feliz com esse modelo? Galera, vamos ser sinceros: TÁ LEGAL? As coisas estão funcionando, pautadas no cálculo preciso tanto das ciências que temos hoje, quanto da matemática e da filosofia que norteiam nossos dias, nossos remédios, nossos horários de trabalho, o uso dos nossos cofres públicos, a prevenção das nossas doenças sexualmente transmissíveis? Essas ideias, que norteiam tanto a nossa vida quanto as leis que TOPAMOS cumprir, estão fazendo da vida o que de melhor a vida pode ser? A vida pode ser mais do que isso aí, isso que a obediência à norma pode oferecer? O que a vida pode oferecer? A vida pode oferecer mais do que isso? É muito fácil se perder nesse labirinto de perguntas, não é? Então vamos ser mais pragmáticos agora, e afirmar pra enfileirar as ideias e sair do labirinto: nós achamos que ser normal na sociedade não está sendo bom. Não está funcionando.

Caro cidadão de bem, preste atenção: os “loucos”, espalhados pelas cidades, ajuntados nos hospícios, não cansam de denunciar: “Ei normais! Onde está essa felicidade?” A maior ironia é justamente que os padrões, as normas e os estatutos de “boa convivência” provam cada vez mais (e de maneira mais empírica possível, ressaltamos!) que não estão cumprindo o que se propõem a cumprir, que não estão oferecendo a felicidade, ordem ou segurança que prometem, ou seja, que não estão FUNCIONANDO. Parece óbvio. E sinceramente achamos que é mesmo: você constrói uma casa, passa um tempo considerável construindo essa casa, anos e mais ano de muito suor para levantar aquela edificação, até que um dia você tem um insight, revelação ou sentimento que coloca tudo em questão, e te faz acreditar (ou seria “perceber”?) que tudo deve ser repensado e reavaliado. Manter a edificação do mesmo modo, mesmo sabendo das inúmeras falhas, ou tentar outra coisa? É simples. E não tem muito que pensar sobre.

Por exemplo, você já reparou como se dá a transição do não normal para o normal na atualidade? É absolutamente normal existirem mendigos nas ruas. O consenso da maioria é que a pobreza é algo que está aí colocado e ponto. É normal. Ser humano! O que isso tem a ver com o mendigo na rua do centro de vitória? Que bobagem! Não tem nada a ver. O imaginário popular está te lembrando a todo o momento: “fique calmo cidadão de bem. Existem outros tipos de seres nas cidades. Você deve coexistir com eles”. Eis aí uma das mil faces da “normalidade”. E convenhamos, caro cidadão de bem: no final das contas, nem ser humano ele é. Ele é um mendigo e só. E pensar assim é normal. Todos nós aprendemos na escola que normal é o que está de algum modo dentro da regra. No entanto, nos parece que ao longo da história houve algum movimento sorrateiro que simplesmente sequestrou essa palavra de nosso dicionário. Hein?

Momento denúncia:

Interrompemos nossa programação normal para um informe de alta relevância para você, caro cidadão de bem. Recebemos uma ligação anônima de um número não identificado com a seguinte frase (em tom de ameaça): "Estamos armados e com reféns, temos conosco a palavra 'normal' e todos os seus sinônimos, e cobraremos caro pelo resgate. Graças a vocês, nunca um sequestro foi tão fácil e se quiserem suas palavrinhas de volta, fiquem atentos ao celular que ligaremos em breve para acertar o valor. Só o a antropofagia salva"

Hoje em dia, caro cidadão de bem, parece que “normal” é justamente aquilo que não funciona ou funciona de maneira defeituosa. O que precisa ser consertado ou substituído, é justamente o que está aí colocado, demarcado como bom e taxado de normal. Como se “normal” fosse um esconderijo, um "debaixo do tapete", para colocar tudo o que há de errado funcionando no sistema. Mais ou menos assim: algo não vai bem, existe algum “curto” no sistema. Solução: dê a esse problema a roupagem de “normal” e tudo estará resolvido. Parece até sacanagem nossa, mas essa é a fórmula mesmo. Basta aplicar. Lembra da fórmula de báskara, cidadão de bem? Então...

Exemplo: o que são os remédios das farmácias? De uma maneira geral, o que são eles? Dorgas Manolo! E não tem chororô aqui não. São drogas, e nós fazemos uso delas. Ponto. O que é a cocaína? O que causa mais espanto? Um usuário de ritalina ou um usuário (safado vagabundo marginal) de cocaína? É óbvio! O cheirador, né! Por quê? Só lembrar a fórmula.

Vamos abrir amanhã uma boca de fumo dentro da prefeitura de Vitória!

Fique calmo prezado cidadão, só foi uma brincadeira. Mas essa frase causa espanto não é? Quanta babozera! Cambada de vababundo! Aposto que muitos cidadãos de bem que estão lendo essa carta pensaram isso, e nem precisam se sentir envergonhados por isso não, é normal pensar assim! Desse modo, experimentem agora trocar a palavra “boca de fumo” por “drogaria” ou “farmácia”. Olha! Agora sim! Aí pode. E por que isso pode? Basta lembrar a fórmula. Tenta então substituir por "cyber café". A droguinha da cafeína e a droguinha do facebook, mas tá valendo, lembra da fórmula?

Cidadão de bem, agora indo direto ao ponto e sem muita conversinha, pensa: qual é a função de uma escola? Pensou? Agora se pergunta: “tá cumprindo essa função”? Qual é a função de uma religião? Agora se pergunta: “tá cumprindo a função”? Qual é a função do ESTADO? E por aí vai... ei!, é uma lógica simples e empírica. 

Nota de rodapé: Essa fórmula do tapete não é um defeito no metabolismo do sistema, e sim o seu sistema imunológico

Desculpe a franqueza, caro cidadão de bem, mas vamos um pouco mais a fundo: pensa nos valores que foram ensinados a vocês desde criançinha. Lembra lá da sua mãe te ensinando coisas, seu pai te dando bronca, a tia da escola te botando de castigo, sua tia te dando esporro por fazer “arte”, vai lembrando... Adolescência, a primeira transa, a formatura do escola: valores! você aprendeu, parabéns! E se você aprendeu mesmo, você provavelmente entendeu qual é a FUNÇÃO deles certo? Tá de boa? De novo então: eles estão funcionando? Então propomos um teste simples e EMPÍRICO: vai lá fora na rua e simplesmente observe as pessoas por 10 minutos. Só isso. Foi? Então, tá tudo funcionando de boa?

Caro Cidadão de bem, o que é afinal de contas ser normal? Sinceramente? Não damos a mínima para isso. Nós, que gostamos tanto de você, só queremos enfatizar isso: o que você aprendeu como “normal” é realmente normal? Se sim, pergunte-se: sou feliz com o que aprendi? Um abraço forte.

Esperamos que essa carta chegue a você.

Anidalmon Morais Siqueira Filho - http://artificiosocialista.blogspot.com.br/
José Anezio Fernandes do Vale - http://molotovaluzdevelas.blogspot.com.br/

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