quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ENADE, qual o sentido em não boicotar?


Esse texto não é direcionado para quem quer todos os elementos básicos sobre o boicote. Neste caso, sugiro a leitura da cartilha que a minha executiva, a CONEP (Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia), fez junto com outras executivas via FENEX, em 2009 (aqui o link: http://coneponline.files.wordpress.com/2010/08/cartilha-fenex-boicote-ao-enade_online.pdf). Vamos fazer outra cartilha agora em 2012, mas enquanto não fica pronta, decidi escrever este texto. A intenção é lançar uma opinião no ar, como mofo de infiltração que faz espirrar, e contagiar pessoas que queiram falar sobre o assunto, concordando ou discordando de minhas opiniões. Peço que, depois de lerem, espalhem este texto por aí!

Acho importante falarmos sobre o ENADE, porque ele tem um papel muito sujo, muito imundo, mas oficialmente ele é vendido como se cumprisse uma outra função, que é extremamente importante: a função de avaliar o ensino superior.

ENADE não avalia. Ao menos, não avalia para que saibamos o que está bom, o que está ruim, e assim possamos mudar o que precisa ser mudado e melhorar a educação. Imagina os gestores do MEC pegando o conceito de um curso e dizendo, esse aqui é conceito três, pra resolver o problema dele, teremos que investir mais dois conceitos, esse curso aqui é conceito quatro, pra ele só precisamos de mais um conceito. QUE PORRA É ESSE CONCEITO? Pois saiba que o ENADE faz apenas isso: calcula a média das provas pra dizer se o seu curso é conceito um, dois, três, quatro ou cinco. E isso não faz diferença nenhuma pra quem quer descobrir as deficiências de cada curso e investir em resolvê-las, mas é extremamente importante pra quem quer vender a educação como produto. O dono da faculdade particular precisa MUITO que seus alunos façam boas provas, e tirem nota cinco, para que ele possa colocar isso num outdoor, e conseguir mais clientes no ano que vem.

Por isso mesmo é que eles fazem cursinho preparatório para o ENADE, sorteiam carros pros que apresentarem as notas mais altas, e às vezes até dão churrascos pras turmas que obtêm boas notas para a faculdade, no somatório geral. Para que a faculdade gaste dinheiro com o resultado da prova, tenha certeza de que ela não está preocupada com o quanto isso vai melhorar a qualidade do ensino, e sim com o quanto ela vai precisar investir menos em qualidade pra obter clientela e lucro. Caso contrário, camaradas, vocês acham mesmo que as mensalidades de vocês estariam aumentando meses após meses?

Se o ENADE realmente fosse um método de avaliação decente, a gente não precisaria ter medo de fazer campanha contra ele, de falar sobre boicote dentro das faculdades. Um método de avaliação que não aceita críticas vai avaliar o quê? Que tipo de ensino eu vou ter, se a sua avaliação é antidemocrática? Quer arriscar, entre em uma faculdade e tente passar em salas falando sobre a importância do boicote, pra ver o que vai acontecer.

Mas se não tem ENADE, como vai avaliar? Essa é exatamente a pergunta que queremos. Avaliação deve ser pautada nos problemas que queremos superar, precisa captar onde estão faltando estrutura, materiais e outros recursos necessários, precisa apontar quais conteúdos indispensáveis estão ficando de fora, precisa colocar em discussão os métodos pedagogicos que precisam ser melhorados para a nossa formação profissional, precisa dizer o que está errado e o que pode ser melhor no rumo que os nossos cursos têm. Todo curso quer nos levar a algum lugar, e nós temos o direito de intervir nesse rumo, como estudantes. O ENADE não nos dá nenhuma chance disso.

Também tem a questão da falta de autonomia. Cada curso tem uma cara, e a prova é a mesma para todas e todos que fazem um mesmo curso, independente da instituição, da região do país, da cara que o curso dali tem. Cada universidade deve ter o direito de avaliar seus problemas de acordo com suas próprias características, e isso tem muita pouca relevância no resultado final da avaliação da qual o ENADE faz parte. Não faz sentido que o MEC imponha às universidades como deve ser o conhecimento produzido nela, para que ela tenha qualidade. O MEC deveria respeitar a dinâmica de cada universidade, dar recursos para que essa dinâmica possa resultar num ensino de qualidade, e avaliar onde está ruim para que mais recursos sejam investindo, resolvendo os problemas constatados. Ao invés disso o MEC prefere fazer um ranking, para engordar os outdoors das faculdades particulares, e colocar sob as costas das e dos estudantes a responsabilidade de estudar pra fingir que seu curso tem a qualidade mensurada.

Tem uma grande piada aí: os resultados dos ENADEs são MAQUIADOS! Presta atenção, galera: muito curso aí coloca os estudantes para estudarem para a prova! Se o negócio quer avaliar a qualidade do que nos foi ensinado, não deveríamos estudar nada para a prova, deveríamos fazê-la apenas com o conteúdo cotidiano de nosso curso. Aí a galera da UFES vai dizer: "Mas nós não fazemos cursinhos preparatórios!", e aí eu digo: "Não é porque a gente não tem contato com cem porcento da merda, que não tem gente por aí que tá tendo!" Tem é muita particular por aí fazendo isso, e muito mais, coisa que a gente nem imagina. A cada semestre, nas aulas normais do curso, aumenta o número de disciplinas à distância (mais barato pra empresa, menos qualidade pro estudante), e se bobear até a aula preparatória pro ENADE é via internet! (Mas acho que essa não pode ser! Essa nota TEM que ser alta, então a faculdade vai investir dinheiro nessas aulas!). Presta atenção: tem gente investindo dinheiro em melhorar os resultados da nota de um curso, e a gente tá levando essa prova a sério ainda? Tem MUITA gente investindo dinheiro nisso!

Boicotar é um jeito importante de dizer o que achamos da prova, mas é ainda mais do que isso, é um jeito de causar um incômodo, através do qual se debate o assunto. A gente faz muitos estudantes, que nunca tinham se interessado em debater a qualidade da sua própria educação, mas que querem informação acerca da prova que são obrigadas e obrigados a fazer, debaterem o assunto, e pensarem sobre formas melhores de avaliar o curso, e sobre os problemas que deixam de ser avaliados com provas como o ENADE. Em torno do boicote, acontece toda uma mobilização que visa arejar a educação superior brasileira, trazendo criticidade e inteligência no modo como estudantes pensam a sua própria educação.

Boicotar não é fácil, precisa ter construção coletiva, é preciso chamar colegas de curso para a conversa, organizar debates e assembléias, conviver com opiniões diferentes, fazer materiais para explicar sobre o assunto para quem não conhece, etc. Muitas pessoas, convencidas pelas propagandas do MEC e das coordenações de curso, defendem a posição da inércia, que é a de "se a regra do jogo é fazer a prova, façamos". Tem gente que acha que esse assunto não deve ser discutido pelo curso todo, só pelos estudantes que vão fazer a prova (como se o curso avaliado pela prova não fosse das outras turmas também). Pouca gente sabe que somos obrigados apenas a ir à prova no dia e assinar lista de presença, mas que ninguém é obrigado a respondê-la, ou seja, que ninguém é punido se boicotar. Pouca gente sabe que o resultado individual da prova é secreto, que nenhuma faculdade tem como acessar a nota do estudante, só ele. Pouca gente sabe que boicote é diferente de não ir fazer a prova, que boicote quer dizer: "vou assinar a lista de presença, deixar a prova em branco, e colar um adesivo bem gordo nela, para que os corretores saibam que não foi por burrice, mas por inteligência, que eu deixei a prova em branco".

Porque comparar boicote com inteligência? Porque boicote é uma ação coletiva, e eu aposto que ações construídas coletivamente têm mais chance de nos tornar inteligentes juntos do que se agíssemos em separado. Por isso fiz esse texto, espero que dispare conversas coletivas sobre o ENADE, e nos leve a ações mais inteligentes! Espero outros textos, outras opiniões, outras palavras... Vamos movimentar esse tema, galera! E no mais...

...boicotemos, pois!

beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Quatro ou cinco tapas


Falar menos;
Ficar mais atento;
Saber exatamente

o que está acontecendo
e o que está fazendo,
pra saber exatamente
quando dá,
quando não dá,
e quando tem que arriscar;
E saber exatamente
quem é cada pessoa,
em cada lugar
onde você está.

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma coisa é certa: no meio de feras...


Não vou escrever um texto com ódio, vou escrever um texto com amor. Sobre amor. Vou falar sobre ódio agora no início porque é inevitável falar dele, já que pouquíssimas horas vivi uma situação que me deixou repleto de vontade de falar de ódio. Estava determinado a isso, estou repleto de um sentimento que me impele a isso, mas quero fazer diferente: vou usar todo o meu ódio contra o ódio e vou falar alegremente sobre amor.

Hoje colocarei cada coisinha em seu lugar, porque quero tudo arrumado ao meu redor, pra que eu me sinta aconchegado no mundo, e possa ser a pessoa mais feliz, com a carne mais macia e o sorriso mais amável, para cada uma das pessoas que eu amo. Quero ser tão cativante quanto um passarinho que canta um canto lindo pousado numa linda e frondosa árvore. Não é o mesmo canto que ele cantaria pousado num fio pendurado num poste. O canto seria lindo, e ele também, mas faltaria aquela parte do timbre que o galho sob as patas dá. Quero ser tão admirável como uma lua em céu estrelado, que até encantaria nos céus tímidos de uma cidade iluminada, mas que se mostra muito mais imperiosa e sensual compartilhando sua luz divina com a luz divina dum mar de estrelas. Lua se insinuando no céu estrelado do interior. Quero ser sereno e agradável como um banho de rio, naquela hora de boiar na água e sentir o som da natureza pelo lado de dentro da água. Porque até o banho de rio ou de mar fica mais gostoso ainda, quando o som que se escuta através da água não é o de gente, carros e avenidas, e sim o de folhas, pássaros e ventos. Quero ser agradável como uma carícia, e lhes fazer carícias. E minhas carícias serão muito mais gostosas se o mundo ao meu alcance me acariciar.

Depois de cuidar de mim (que é um primeiro jeito de cuidar de vocês), cuidarei de vocês. Quero mostrar com sinceridade e coragem o quanto tenho aqui de bem-querer. Quero lhes escrever poemas, lhes beijar as nádegas, lhes mostrar frios na barriga, ouvir sons belos com vocês. Ouvir sons belos. Que expressão de sonoridade divertida! "Ouvir sons belos"...

Vocês forjaram meu caminho, fazem parte dele, amor não se dá a qualquer pessoa. Não esse que sinto por vocês. Tem amor que é sincero, intenso, mas abstrato: ama-se muita gente, e por elas se dedica esforço, um exemplo é o amor de quem luta. Não de quem luta boxe, MMA, mas de quem luta por mudanças, de quem luta por transformação. É preciso ter por muita gente um amor profundo, mas que é um amor por tanta gente que não dá pra ser pra ninguém em concreto, e sim por todo mundo em abstrato. No entanto, vocês forjaram meu caminho de forma muito concreta, e ainda estão forjando: é isso que me faz amar vocês, desse jeito tão direto como eu lhes amo. É um amor surdo, mas que enxerga muito bem, e que só surge quando vê que se trata de uma companhia singular. Os nossos próximos passos vão dizer se esse tipo de amor, em mim, vai continuar querendo olhar na direção de vocês, mas como eu espero que vocês também tenham um amor desses aí, olhando pra mim.

Nesse momento, eram mãos como as suas que eu gostaria que estivessem segurando as minhas. Mas ao invés de falar da necessidade e da vontade de abraços, vou falar de medo: vocês não sabem o quanto me assusta o som dessa amor surdo que eu sinto.

Talvez se eu berrasse logo estes sons ininteligíveis, em palavras bem legíveis, eu não ficaria tão envoltos em palavras azuis sobre isso, e teria mais tempo pra ser pássaro, lua e mergulho. "Eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder, sem engano". Quanto engano está em ser insincero. Há tanta dúvida, tanta confusão, que eu acho muito melhor ficar ensaiando na frente do espelho um pouco mais de verdades sinceras, enquanto vou ganhando tempo com mentiras. Mas mentiras sinceras, que são as únicas que me interessam.
A vontade é de ficar enchendo este texto de verdades, mas tenho um bocado de coisinhas ao meu redor, pra arrumar. Pra deixar a minha carne tão macia e o meu sorriso tão amável quanto vocês merecem.

E cruzem logo meus caminhos, pra que eu lhes encha de enxurradas de verdades amorosas, porque se não vão ficar vindo em mim vontades de ódio que eu só vou esquecer com vontades de amor. Esquecer ou esconder, sei lá.

Mas cruzem meu caminho muito alertas, por favor, porque quem ama demais sem saber o valor do ódio e sem ficar alerta, se deixa engolir por falsos amores. E a minha sinceridade pode estar escondida em mentiras, mas não há falsidade alguma em meu amar. Então cruzem meu caminho sabendo a importância e o valor do ódio, sem de forma alguma deixar de ficar alertas. Mas cruzem meu caminho trazendo muito amor, que a gente vai ter muito pra trocar!

beijinhos de maracujá!

domingo, 19 de agosto de 2012

Nosso bonde!


Nós estamos com vocês desde sempre, ou pelo menos desde há muito tempo. Nós pegamos alguns fardos pesados para carregar (pela necessidade de que alguém os carregue), e muitas vezes parece que nós somos seres diferentes, algum tipo de super humanos, mais impecáveis (ou ao menos deveríamos sê-lo). Não, nós somos pessoas humanas, tanto quanto vocês são. Erramos, magoamos quem amamos, acertamos sem saber o que fizemos pra acertar, fingimos que foi tudo planejado e erramos ou acertamos de novo, porque a vida é assim. Muitas vezes achamos formas de acertar mais (treinos, estudos, ensaios, materialismo histórico dialético), muitas vezes achamos que achamos formas de acertar mais. Mas nós somos exatamente o que vocês são. Também somos humanos, também temos carne, osso, medo e tesão. Só que topamos pegar alguns fardos.

Às vezes cometemos o erro oposto: o erro de, por causa de termos topado esse fardo que vocês não toparam (ou não toparam por completo), nos achar melhores que vocês. Não somos! Só topamos uma tarefa que vocês não toparam. Uma tarefa necessária, mas uma tarefa que vocês não toparam, e vocês têm o direito de não topá-la. Fazemos o esforço absurdo de tentar inventar um mundo novo, sobre as ruínas do atual.

Mas nós estamos com vocês desde sempre. Nas salas, nos corredores, nas festas, nas praças e nas ruas. Muitas vezes pegamos os mesmos ônibus, fazemos as mesmas provas, pagamos as mesmas contas, comemos as mesmas comidas, sofremos as mesmas humilhações. Temos muito em comum, muito mais do que pensamos. Um fardo não é suficiente pra anular nossas semelhanças, muitas vezes pensamos diferente, mas muitas vezes pensamos muito parecido.

Às vezes vocês e nós pensamos tão igual, que a única coisa que nos impede de estar junto é mesmo o fato de que topamos carregar até o final o fardo de pensar assim. Pensamos e agimos para defender este pensamento. Vocês às vezes são contra nossas ações, mas às vezes concordam tanto com elas que até poderiam estar conosco, mas isso implica em um fardo que nem todo mundo é obrigado a topar.

E aí, nós costumamos ficar tristes com isso, mas temos que aceitar que nem todo mundo que concorda conosco e com nossas ações, topa carregar este fardo, mas isso nos dá um respaldo ímpar: você que não quer dedicar a sua vida à militância, mas que nos admira e nos acompanha com o olhar, saiba que a história não é cega, e muito da nossa força vem de vocês. Mesmo que nós não vejamos.

Acreditem, nós carregaríamos os pesos necessários com muito mais facilidade se vocês estivessem aqui, conosco, pondo a musculatura dos braços e de todo o corpo a serviço dessa tarefa. Mas ainda assim, ficamos mais fortes quando vocês nos vêem com orgulho e falam: aquela é a minha galera! Carrega o nosso fardo e age de um jeito que eu concordo!

Então por favor, digam pra gente que nossos textos, nossas campanhas, nossas fotos, nossos protestos, nossos vídeos, nossas canções e nossos gritos são também de vocês. Digam pro mundo que vocês fazem parte desse bonde que a gente representa. Digam pra geral que vocês fecham com a gente.



Antes eu sofria mais com esses fardos todos, mas eu aprendi (e aprendo mais a cada dia) a enxergar brilho nos olhos de quem fecha com a gente. E reparando nesses olhares, tenho uma coisa a dizer, que me dá frio na barriga: a gente tá crescendo assustadoramente!

Nossa vitória não será por acidente!


beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Quadro psiquiátrico grave!



Sofro de uma doença chamada "Militose": não consigo parar de militar.


Ela é causada pelo excesso, no sistema nervoso central, de um neurotransmissor chamado "dialética", e o seu sintoma mais evidente é a incapacidade de parar de fazer análises de conjuntura, além de impulsos irresistíveis de cometer transformações revolucionárias.


Se você conhece alguém que sofre deste transtorno, busque ajuda psiquiátrica. O caso é grave!

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O que é "Universidade Socialmente Referenciada"?




Olá, querida, que legal que leu o texto e o termo te interessou. Achei que ao invés de te escrever informalmente, poderia escrever um texto no blog acerca do assunto e te mandar o link, porque poderia talvez tirar a dúvida de outras pessoas, que talvez nunca tenham ouvido esse termo. E virando texto público, preciso fazer uma confissão muito intencional: eu tenho uma noção muito corrida do que o termo significa.

A princípio eu resumiria assim: Universidade Socialmente Referenciada é aquela cujo verdadeiro compromisso na produção e reprodução de conhecimento, e cuja verdadeira razão de existir, sejam a construção de uma sociedade sem exploração de quem trabalha para valorizar capital, sem qualquer diferença de condições de acesso àquilo que a coletividade humana produziu e reproduziu, sem qualquer tipo de racismo, machismo, homofobia, adultocentrismo, manicomialidade, opressão proibicionista, opressão classista (na verdade, uma sociedade sem classes), opressão baseada em fronteiras nacionais ou regionais, em divergências religiosas, divergências de hábitos esportivos, alimentares, lúdicos, recreativos, artísticos, cienfíficos, filosóficos, afetivos, sexuais, etc. 

Deixo o ", etc" pra não fechar de vez uma definição. Só esse segundo parágrafo aí já dá um bom programa político, né? Mas isso é o que eu entendo como o programa de uma classe que dispute hegemonia (porque eu acho que é assim, juntando muitas pessoas em torno de um acordo, de um projeto coletivo hegemônico, que faça enfrentamento frontal (hahah!) ao projeto coletivo hegemônico hoje vigente, do Capital e da burguesia, que a gente muda a estrutura social que nos mantém dentro deste sistema definitivamente falido para nós, humanos, e para a natureza ainda não transformada pelo trabalho humano). E eu acho que uma universidade socialmente referênciada é uma universidade que não exista, produza e reproduza conhecimento se referenciando em coisas, se referenciando no capital, se referenciando em valores financeiros, em valores fetichistas, mas sim se referenciando na sociedade, e na única forma para a sua sobrevivência por longo tempo (que é a disputa de hegemonia). Uma universidade socialmente referenciada, busca disputar hegemonia junto com a classe trabalhadora, e não junto aos interesses de empresas que querem lucro, e que pra isso fazem tecnologias de lucro, estudam seres humanos pra entender como eles permanecem no lucro, estudam a natureza para extrair lucro dela, estudam a saúde para lucrar em cima dela, estudam a educação para entender como ensinar pessoas a aceitar que o lucro é naturalmente o centro de tudo, e estudam a educação pra entender como lucrar com ela, estudam a economia para aumentar o lucro, estudam a sociedade para fazer com que ela funcione cada vez mais em função do lucro, estudam o consumo para com ele aumentar o lucro, e por fim, estudam a forma como trabalhamos e a forma como lutamos, para que o nosso trabalho seja fonte de lucro, e para que a nossa luta não impeça nosso trabalho de ser fonte de lucro. 

Fiz uma caricatura. Dá pra aprofundar isso. Mas acho que até aqui, no texto, já dei várias pequenas definições (todas grotescas) de Universidade Socialmente Referenciada, e dei também longas e confusas definições (que eu deveria reler depois com calma, pra dissecar e formular muita coisa, mas que talvez nem todo mundo consiga ler sem se cansar). O importante é entender como a disputa de hegemonia dentro da universidade burguesa pode nos AJUDAR a fazer essa disputa de hegemonia maior na sociedade (a que promove mudança estrutural na sociedade). E por isso a importância tão grande do movimento estudantil como um dos movimentos que fazem a disputa de hegemonia dentro da universidade. Por isso estamos vendo a unidade das várias categorias (durante a greve) causar tanto estrago na realidade brasileira. Por isso estamos vendo o Comando Nacional de Greve Estudantil (CNGE) formando tantas e tantos estudantes (militantes ou não) do país inteiro para entenderem sua própria condição de estudantes explorados pela Universidade Referenciada na Burguesia. 



Buscar a universidade socialmente referenciada é um meio de tensionar a universidade burguesa a mudar sua referência, e isso não vai mudar a universidade sem que mudemos a referência da nossa sociedade (superarmos o capitalismo e optarmos por outra alternativa, que eu acho que só vai dar certo com o socialismo). Mas quando tensionamos a universidade burguesa, mesmo que não a mudemos radicalmente (ou seja, na sua raiz, que é a sua referência no capital e na burguesia), ainda assim estamos explicitando para os estudantes a contradição da universidade burguesa, e com isso também as outras contradições da sociedade capitalista. Isso pode nos fortalecer estrategicamente na disputa de hegemonia que nos vai permitir superar o Capital.

Aqui reivindico duas consígnias clássicas do marxismo: "Socialismo ou Barbárie" e "Para além do Capital". Acho que elas se complementam.

Acho que retomei aqui aquela pergunta, né: diante da referência de uma universidade, onde a gente fica?

Espero ter respondido à sua pergunta, e ter contribuído também com outras pessoas com esse texto. Mas quanto ao caso de eu não ter respondido, dá um toque que eu tento responder de novo em particular, e de maneira menos megalomaníaca. =)

beijinhos de maracujá!

Sobre a falsa certeza absoluta (ou Outras Palavras e a origem das idéias misteriosos)


Acordei com uma sensação estranha, que na hora me pareceu numinosa, mas depois foi se assentando e eu entendi que era uma dúvida: "se roubei primeiro ou se primeiro fui roubado". Depois disso, veio uma insônia violenta, e em seguida me vieram uma legião de pensamentos ensandecidos, como um arrastão de pensamentos, numa cidade sitiada, em meio a uma guerra civil dos pensares. "Vou sem medo de altura, sem perigo de cair..."

Daí me deixei invadir por um complexo de pensamento que me invadiria mesmo que eu não autorizasse (mas que, autorizado, me foi mais útil do que se eu fosse invadido resistindo): "sempre que falta algo na compreensão uma seqüência de sentimentos, há aí um roubo?".

É uma questão de psicologia, das mais difíceis de explicar. Por exemplo, quando nos desconhecemos, e de repente nos encontramos nos caminhos da vida, não temos motivos pra confiar um no outro, a não ser que "o santo da gente bata", o que não ocorre sempre, e nem com todo mundo. Um caminho possível é nunca estabelecermos relação de confiança, e isso é o mais corrente. Um segundo caminho é que calculemos, no tato, cada passo desse caminho, a partir do primeiro encontro, e construamos uma relação que vá, passo a passo, se solidificando, numa confiança construída cheia de dedos. E há o terceiro caminho, que é aquele em que de repente você sente por algum motivo que pode se jogar, e se joga! Por ter apostado e não ter se frustrado, cria uma relação de confiança, ao meu ver, muito mais forte e mais profunda do que aquela construída no tato matemático. Mas eu gostaria de atentar ao "por algum motivo". Normalmente eu passaria batido por essa expressão, mas o complexo de pensamentos que me invadiu foi justamente sobre esse tipo de incerteza. Que motivo é esse? O caso da confiança foi apenas um exemplo, pra gente encontrar esse tipo de sentimento, que aparece em muitos outros casos.

Por algum motivo, algo muito magnético nos joga numa situação que nos prova em definitivo que podemos confiar. A minha tese era de que há aí uma ação furtiva (furto ou roubo, não sei, mas algo da natureza da ilegalidade). Há uma pessoa que se dedica a causar um clima tal no ar, que gere esse campo magnético que atraia a outra pessoa a se permitir o risco que prova e atesta a vindoura relação de confiança. Criar o magnetismo é o que estou chamando de roubo, de ação furtiva. No entanto, a pergunta é: o que leva alguém a querer roubar a confiança de outra pessoa? O que nos leva a buscar em outro ser humano uma relação construída não nos protocolos padronizados da confiança tradicionalmente pactuada, construída a cada passo, mas sim nesse súbito e magnético hábito de tentar seduzir e roubar de outra pessoa a confiança? Nossa tese era de que para roubar, é preciso ser primeiro roubado, não é isso?

Pois bem... Todas essa idéias já estavam comigo quando o complexo de pensamentos fez arrastão em mim.



Sentimentos que não sabemos de onde vêm, que nos tomam violentamente e ficam fazendo eco, acelerando respiração, batimentos cardíacos, sentimentos aflitos e às vezes até tristes ou alegres, daqueles pelos quais passamos geralmente despercebidos, mas que se atentarmos, percebemos que vêm de alguma súbita ruptura e que são fruto de um deslocamento subjetivo, como se algo tivesse sido roubado em nós, que deixou uma lacuna e fez o castelo de cartas inteiro desabar. O frio na barriga, o medo da montanha russa, que para alguns é horrível e para outros é delicioso, mas é fato que há borboletas em todo o sistema gastroentérico de quem passeia por esse sistema. Deslocamento subjetivo profundo. E depois disso parece que não tem como esquecer daquela idéia incômoda e insistente que fica, daquele nome ou daquele rosto que ficam cicatrizados na memória da gente, como uma cicatriz que o corpo carrega pra sempre depois de uma ferida, e que marcam na memória do corpo o evento que feriu. Roubar, nesse sentido aqui colocado, é igual a ferir: muda tudo, deixa marca, nada passa ileso. E depois disso, lembrar é reviver com belas cores cada momento que testemunha o bom roubo vivido.

A óbvia pergunta é: de onde vêm esses sentimentos que não sabemos de onde vêm? Se conformar com a idéia de que não sabemos é muito pouco. De onde vem o medo de dizer o que sentimos? De onde vem a falsa certeza absoluta (talvez o maior paradoxo da história dos sentimentos humanos)? E acho que preciso, por fim, me atentar um pouco para isso.

A falsa certeza absoluta é mais ou menos assim. Tenho certeza de que você sabe o que estou sentindo, afinal, cada movimento e cada passo meu me denunciam (às vezes sem querer, às vezes como forma de confissão), e olhando pra você, deduzo o que cada movimento seu diz, afinal, você também pode querer confessar coisas e você também pode tentar não confessar coisas que, sem querer, saiam (deduzo a partir de seus movimentos, mas também a partir de como vejo meus movimentos me expondo). Tenho certeza de que ambos temos certeza sobre o que sentimos, logo nada precisa ser dito. Certeza absoluta, que dispensa palavras. Mas pensando bem, será que temos mesmo certeza? Se a certeza é absoluta, não há motivos para que as palavras sejam dispensadas, e mantê-las dispensáveis é nada mais, nada menos, do que uma singela e profunda prova de dúvida. Da mais cruel e angustiante. Esse é o paradoxo da falsa certeza absoluta. Pode acontecer no campo do exercício profissional (duas pessoas que trabalham juntas, que têm certeza absoluta de que estão de acordo em sua tarefa, mas não ousam falar sobre isso), no campo da luta política (quando um acordo entre companheiros fica no campo da troca de olhares, e não se coletiviza opiniões), no campo do flerte, da paquera e do amor (quando a paixão não declarada fica evidente para ambos, mas ninguém diz nada). Todas e todos temos certeza de que isso acontece, ninguém duvida disso. Todo mundo sabe que isso vem de algum lugar, mas o que a gente ganha se contentando com o fato de não saber de onde isso vem?

Mas mais importante do que saber a origem da falsa certeza absoluta, é lidar com ela: ou seja, não se contentar com ela, e buscar sua superação. Muitas palavras podem ser usadas para evitar as palavras que a falsa certeza absoluta busca dispensar, e o segredo talvez seja identificar quais palavras nos mantêm na pré-tarefa, e quais nos confrontam com a depressão de, talvez, descobrir que estávamos absolutamente errados. Só há movimento quando corremos o risco de descobrir que erramos. Só o risco da decepção pode nos levar para além. Caso contrário, ficamos no estereótipo, na redundância, fechados em um círculo vicioso perigosíssimo. E assim como palavras podem nos prender nesse caminho de correr atrás do mesmo rabo (ficar se movendo em estado parado, no mesmo lugar), outras palavras podem nos colocar num movimento em espiral, que nos leve para além dali, e nos tirar da prisão das palavras estereotipadas, das palavras que fugiam da verdadeira questão, das palavras transparentes e sem opacidade da pré-tarefa. A falsa certeza absoluta tem um frio na barriga que é gostoso, mas ficar nela pra sempre é perder boa parte do movimento da vida, e é uma forma de resistir à mudança (não tô dizendo isso sozinho, tô chamando o Pichon pra falar comigo!). Portanto, o desafio para desafiar a resistência à mudança pode ser resolvido quando buscamos outras palavras. Por exemplo: "Eu entendi errado, ou você sente por mim o mesmo que eu sinto por você?". Tem tudo pra dar errado. Mas tem tudo pra dar certo. Uma aposta.

Talvez seja isso que diferencie o roubo e o furto, no nosso campo semântico. Ambos são alternativos à via burocrática de construção de confiança, mas o furto é ainda mais contido, magnético, pelas beiradas, ótimo para conquistar terreno, enquanto o roubo é à mão armada, busca outras palavras e detona qualquer possibilidade de falsa certeza absoluta. Acho que foi isso que essa insônia me ensinou: o roubo não deixa dúvidas.


beijinhos de maracujá!

Porque o mistério sempre há de pintar por aí...



A gente tá num universo não sei de qual tamanho, mil galáxias, mil estrelas, mil constelações. Tem mil vezes infinitas bilhões de coisas nesse universo que a gente não entende. No meio disso tudo aconteceu de a gente estar vivos, e existindo. A gente tem que conviver com outras pessoas que, por algum motivo escolhido por Deus ou por coincidência das leis da fisico-química, sei lá, são do jeito que elas são. Por que é que fulano é simpático e não arrogante? Por que é que eu gosto de estar com Marília e não com Silvana? Por que é que beltrano gosta de sorvete, e não de cachaca? Cada pessoa é, por mil motivos misteriosos (ou não), de um jeito, e não do outro. E cada pessoa com quem eu me relaciono, faz com que, misteriosamente ou não, eu também seja assim e não assado. Você também é assim, e cada pessoa é assim. Eu seria assim hoje se eu não tivesse conhecido a Marisa Monte? Eu seria assim hoje se eu não tivesse te conhecido? Você seria assim hoje se não tivesse me conhecido? Se não tivesse conhecido o Jorge Amado? Sei lá quem?

A vida é um mistério diante dos nossos olhos, debaixo de nosso nariz, e sem chão abaixo dos nossos pés. Viver é uma coisa que a gente faz no atrituoso ou afetuoso contato com outras pessoas que estão vivendo, tanto quanto vivemos. Porque a gente tá num tufão... A gente tá numa tsunami de coisas que vêm, invadem a gente e depois deixam só os destroços de cada evento, de cada acontecimento. Não é a toa que a gente lembra de lugares, de músicas, de idéias, de momentos, sempre ancorados em alguma pessoa, que estava conosco, ou que estávamos pensando nela, naquele momento em que aquela coisa marcou a gente... Somos inundados por uma avalanche de pessoas representadas por coisas. Coisas desse universo, desse mundo, dessa realidade, em geral, coisas desse planeta, ou pelo menos visíveis daqui. [...] A vida é assim, e se a gente tem que seguir, põe amor nesse peito e vai!

beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sobre a Incoerência e a Dó (ou Resposta a um Texto do Antonio David)


Hoje eu recebi um texto de Antônio David, ex-diretor da UNE pela Oposição de Esquerda, e hoje militante da Consulta Popular. É uma resposta crítica a um documento de um movimento social da educação. E eu acho louvável a iniciativa dele, de formular respostas às posições de outros setores da esquerda. O Antônio Davi sempre foi um exemplo de militante que entende a importância desta prática, que inspirou o Blog Artifício Socialista, e apesar de discordar de certos pontos em suas análises, sempre admiro a atitude de formulá-las e compartilhá-las: que fique de exemplo pra nós. Como se trata de um inspirador deste blog, me senti no direito de dialogar com o texto dele e fazer alguns apontamentos críticos também.

1.1) Assim como ele, também acho estranho que nós usemos dados incorretos nas nossas críticas. Acho importante que estudemos os assuntos acerca dos quais fazemos críticas, e quando vejo alguém fazendo críticas sem estudo, eu recomendo que estude mais. Quando alguém me critica por fazer críticas sem estudo, eu escuto a crítica com atenção, a auto-crítica é fundamental e indispensável na militância e na luta por hegemonia no processo revolucionário. No entanto, eu sempre recomendo que a pessoa estude mais, mas nem sempre de forma amigável. Quando a pessoa defende interesses comuns aos meus, eu recomendo o estudo como melhoramento das críticas dela. Quando ela defende interesses da classe oposta, eu faço a crítica como forma de deslegitimar a fala dela. Chamo atenção pro fato de o Antônio David usar um erro (ou nas palavras dele, uma mentira) para deslegitimar a posição de um documento do DCE da USP, entidade que luta à esquerda no movimento estudantil. Há algum antagonismo entre "dar pau no governo" e os interesses de classe que o camarada defende?

1.2) Mas apesar de achar estranho o uso de dados incorretos, entendo as confusões que a esquerda faz, afinal a imagem acima mostra dados do site da Câmara, em que a previsão orçamentária de investimento na educação era de 3,18% do orçamento. E o apontamento do Antônio David nos coloca uma tarefa, entender a diferença neste percentual de 3% para 5%, que inclusive consiste em distorções orçamentárias (grana que não tá indo pra educação, mas pra outra área indiretamente ligada, e acaba constando no orçamento como se fosse diretamente um investimento na educação) e principalmente em investimento da iniciativa privada. Não é a tôa que lutamos por 10% do PIB não apenas para a educação, mas para a educação pública. Parece uma palavra de diferença, mas quando paramos pra pensar no assunto, entendemos a imensa diferença que uma palavra faz.

2.1) Sobre o REUNI, concordo plenamente com o camarada, quando diz que acumula contradições, no entanto discordo plenamente quando ele diz que isso é o que importa. Acho importante que defendamos a mulher que sofre agressão doméstica, e não vejo incoerência em utilizar as contradições explicitadas por essa agressão para fortalecer a luta feminista, já que tal luta visa à superação inclusive deste tipo de agressão. No entanto, não acho que as contradições acumuladas pela agressão são "o que importa", e que devamos parar de combater as agressões domésticas porque elas colocam as mulheres em condição de enfrentar a contradição e lutar contra a agressão.

2.2) Fiz questão de fazer essa analogia, pra mostrar que as contradições do REUNI só são explicitadas porque a expansão retira a autonomia das universidades, e a esquerda sempre fez (e ainda faz) críticas ao REUNI acompanhadas da defesa de uma expansão em que estudantes, docentes, técnicos e toda a sociedade possam decidir como se dará (ao invés do modelo de expansão via assinatura de contrato e cumprimento de metas, que é a essência do REUNI). Aproveitar as contradições que o REUNI acumula é uma coisa, deixar de lutar por expansão com autonomia e aumento real de investimentos porque o REUNI acumula contradições, é outra coisa completamente diferente. A opressão machista fomenta o conflito e a luta feminista, e o REUNI fomenta o conflito e a luta justamente porque os estudantes entram numa universidade sucateada pelo REUNI.

2.3) Também tenho uma consideração à formulação do companheiro quanto à afirmação de que a classe média nunca lutará por expansão de qualidade. Gostaria de saber como ele entende os estudantes de movimento estudantil que, apesar da origem de classe média, estão conosco, estudantes de origem popular, fazendo movimento estudantil e lutando (inclusive contra o REUNI e por expansão de qualidade). Porque o movimento estudantil que luta a favor da classe traballhadora não é composto apenas por estudantes filhos de operários. Espero que a esquerda não cometa o erro de demonizar os "militantes pequeno-burgueses", porque eles também são estudantes, e quando eles fazem opção de classe para lutar por uma universidade a serviço da classe-que-vive-do-trabalho, isso acumula pra classe.

3.1) Outra coisa que acho importante pontuar: se alguém quer 10% do PIB já, e critica quem quer para daqui a dez anos, tá implícito que há discordância de quem não quer nem já, nem dez, nem sete (a direita). Mesmo assim, ainda parece que as críticas de quem defende "10% do PIB pra educação pública já" se restringem a quem não usa o Já, o que não é verdade. O Antônio David fez um recorte dessa crítica aos setores que não querem o investimento já, descontextualizado do projeto que está sendo formulado por quem faz essa crítica. Essa crítica se insere na dinâmica de um projeto maior, e querer 10% Já é uma tensão para que a educação possa ter o investimento necessário para que os estudantes não precisem, por exemplo, de metas privatistas para ter acesso ao ensino superior e às contradições acumuladas pelo REUNI. Com mais recursos, as outras mudanças globais propostas podem avançar.

3.2) E aí o camarada prefere ser compreensivo com o "governo em disputa interna" e acusar a gente de criticar os setores que não querem 10% já, ao invés de criticar a direita, e no entanto ele dedica as críticas do texto dele mais a nós do que ao governo. Não recebem a mesma compreensão os setores que segundo ele dão pau no governo "com fins eleitoreiros" e que praticam "demagogia" ao serem filiados a um partido e não defenderem o mesmo que o deputado do partido. Vejo aí uma compreensão de movimentos sociais em que o legislador de um partido deve ter mais poder sobre as pautas de um movimento do que as instâncias democráticas de um movimento.

3.3) Por exemplo, eu sou filiado ao partido do Ivan Valente, o PSOL, e também sou membro da Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia, a CONEP. O maior espaço democrático da CONEP é a plenária final do Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia (ENEP). Se o Ivan defende 10% em cinco anos e a plenária final do ENEP decide que a CONEP deve defender 10% já, eu devo respeitar o que foi votado na plenária final do ENEP, ou devo concordar com o deputado do meu partido? O que o camarada chama de "demagogia", eu entendo como "autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos".

3.4) E a citação ao "votem na Heloisa Helena", achei inclusive uma agressão excessiva à militância do PSOL nos movimentos sociais da educação, porque mais uma vez descontextualiza duas práticas da esquerda socialista: crítica à política educacional de um governo através de movimentos sociais da educação e disputa eleitoral. Será mesmo que todas as pautas que eu, como militante do CALPSI-UFES ou da CONEP, defendo, se resumem a pedir voto para os candidatos do meu partido? Eu entendo que os anarquistas façam essa crítica, porque a formulação teórica deles na esquerda é crítica à tática eleitoral. Mas convido o Antônio David a repensar essa crítica dele, porque acredito que a compreensão teórica dele, sobre a relação entre disputa de eleições burguesas e o fortalecimento do movimento socialista, esteja mais próxima das nossas formulações no PSOL (de matriz marxista) do que das formulações anarquistas. Não sei se foi uma confusão acidental ou intencional, mas fica mais fácil evitar confusões assim quando a gente entende que a minha opinião, como membro de um movimento social que é livre pra se filiar a um partido, não é sinônimo nem da posição do meu partido, nem da posição do movimento social que componho. Eu como membro dos dois, devo respeitar a autonomia de ambos nessa relação.

De qualquer forma, é sempre um prazer poder dialogar com formulações de companheiros da esquerda socialista. Acho que é assim, através da crítica fraterna e radical, que construiremos sínteses e unidade na luta. Que contribuições como a do Antônio David continuem incitando a esquerda a formular contribuições que incitem a esquerda a formular, e assim a gente, na luta, se forma pra luta. Mas é claro, sem nunca deixar de colocar abertamente as divergências, de criticar as incoerências, e igualmente importante, sem nunca ter dó.

beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Carta aos Cidadãos de Bem


Maria Ortiz, Vitória, 9 de agosto de 2012. Quinta-Feira.

Ser normal na sociedade não está sendo bom. Estamos afirmando isso. Quem aí tá feliz com esse modelo? Galera, vamos ser sinceros: TÁ LEGAL? As coisas estão funcionando, pautadas no cálculo preciso tanto das ciências que temos hoje, quanto da matemática e da filosofia que norteiam nossos dias, nossos remédios, nossos horários de trabalho, o uso dos nossos cofres públicos, a prevenção das nossas doenças sexualmente transmissíveis? Essas ideias, que norteiam tanto a nossa vida quanto as leis que TOPAMOS cumprir, estão fazendo da vida o que de melhor a vida pode ser? A vida pode ser mais do que isso aí, isso que a obediência à norma pode oferecer? O que a vida pode oferecer? A vida pode oferecer mais do que isso? É muito fácil se perder nesse labirinto de perguntas, não é? Então vamos ser mais pragmáticos agora, e afirmar pra enfileirar as ideias e sair do labirinto: nós achamos que ser normal na sociedade não está sendo bom. Não está funcionando.

Caro cidadão de bem, preste atenção: os “loucos”, espalhados pelas cidades, ajuntados nos hospícios, não cansam de denunciar: “Ei normais! Onde está essa felicidade?” A maior ironia é justamente que os padrões, as normas e os estatutos de “boa convivência” provam cada vez mais (e de maneira mais empírica possível, ressaltamos!) que não estão cumprindo o que se propõem a cumprir, que não estão oferecendo a felicidade, ordem ou segurança que prometem, ou seja, que não estão FUNCIONANDO. Parece óbvio. E sinceramente achamos que é mesmo: você constrói uma casa, passa um tempo considerável construindo essa casa, anos e mais ano de muito suor para levantar aquela edificação, até que um dia você tem um insight, revelação ou sentimento que coloca tudo em questão, e te faz acreditar (ou seria “perceber”?) que tudo deve ser repensado e reavaliado. Manter a edificação do mesmo modo, mesmo sabendo das inúmeras falhas, ou tentar outra coisa? É simples. E não tem muito que pensar sobre.

Por exemplo, você já reparou como se dá a transição do não normal para o normal na atualidade? É absolutamente normal existirem mendigos nas ruas. O consenso da maioria é que a pobreza é algo que está aí colocado e ponto. É normal. Ser humano! O que isso tem a ver com o mendigo na rua do centro de vitória? Que bobagem! Não tem nada a ver. O imaginário popular está te lembrando a todo o momento: “fique calmo cidadão de bem. Existem outros tipos de seres nas cidades. Você deve coexistir com eles”. Eis aí uma das mil faces da “normalidade”. E convenhamos, caro cidadão de bem: no final das contas, nem ser humano ele é. Ele é um mendigo e só. E pensar assim é normal. Todos nós aprendemos na escola que normal é o que está de algum modo dentro da regra. No entanto, nos parece que ao longo da história houve algum movimento sorrateiro que simplesmente sequestrou essa palavra de nosso dicionário. Hein?

Momento denúncia:

Interrompemos nossa programação normal para um informe de alta relevância para você, caro cidadão de bem. Recebemos uma ligação anônima de um número não identificado com a seguinte frase (em tom de ameaça): "Estamos armados e com reféns, temos conosco a palavra 'normal' e todos os seus sinônimos, e cobraremos caro pelo resgate. Graças a vocês, nunca um sequestro foi tão fácil e se quiserem suas palavrinhas de volta, fiquem atentos ao celular que ligaremos em breve para acertar o valor. Só o a antropofagia salva"

Hoje em dia, caro cidadão de bem, parece que “normal” é justamente aquilo que não funciona ou funciona de maneira defeituosa. O que precisa ser consertado ou substituído, é justamente o que está aí colocado, demarcado como bom e taxado de normal. Como se “normal” fosse um esconderijo, um "debaixo do tapete", para colocar tudo o que há de errado funcionando no sistema. Mais ou menos assim: algo não vai bem, existe algum “curto” no sistema. Solução: dê a esse problema a roupagem de “normal” e tudo estará resolvido. Parece até sacanagem nossa, mas essa é a fórmula mesmo. Basta aplicar. Lembra da fórmula de báskara, cidadão de bem? Então...

Exemplo: o que são os remédios das farmácias? De uma maneira geral, o que são eles? Dorgas Manolo! E não tem chororô aqui não. São drogas, e nós fazemos uso delas. Ponto. O que é a cocaína? O que causa mais espanto? Um usuário de ritalina ou um usuário (safado vagabundo marginal) de cocaína? É óbvio! O cheirador, né! Por quê? Só lembrar a fórmula.

Vamos abrir amanhã uma boca de fumo dentro da prefeitura de Vitória!

Fique calmo prezado cidadão, só foi uma brincadeira. Mas essa frase causa espanto não é? Quanta babozera! Cambada de vababundo! Aposto que muitos cidadãos de bem que estão lendo essa carta pensaram isso, e nem precisam se sentir envergonhados por isso não, é normal pensar assim! Desse modo, experimentem agora trocar a palavra “boca de fumo” por “drogaria” ou “farmácia”. Olha! Agora sim! Aí pode. E por que isso pode? Basta lembrar a fórmula. Tenta então substituir por "cyber café". A droguinha da cafeína e a droguinha do facebook, mas tá valendo, lembra da fórmula?

Cidadão de bem, agora indo direto ao ponto e sem muita conversinha, pensa: qual é a função de uma escola? Pensou? Agora se pergunta: “tá cumprindo essa função”? Qual é a função de uma religião? Agora se pergunta: “tá cumprindo a função”? Qual é a função do ESTADO? E por aí vai... ei!, é uma lógica simples e empírica. 

Nota de rodapé: Essa fórmula do tapete não é um defeito no metabolismo do sistema, e sim o seu sistema imunológico

Desculpe a franqueza, caro cidadão de bem, mas vamos um pouco mais a fundo: pensa nos valores que foram ensinados a vocês desde criançinha. Lembra lá da sua mãe te ensinando coisas, seu pai te dando bronca, a tia da escola te botando de castigo, sua tia te dando esporro por fazer “arte”, vai lembrando... Adolescência, a primeira transa, a formatura do escola: valores! você aprendeu, parabéns! E se você aprendeu mesmo, você provavelmente entendeu qual é a FUNÇÃO deles certo? Tá de boa? De novo então: eles estão funcionando? Então propomos um teste simples e EMPÍRICO: vai lá fora na rua e simplesmente observe as pessoas por 10 minutos. Só isso. Foi? Então, tá tudo funcionando de boa?

Caro Cidadão de bem, o que é afinal de contas ser normal? Sinceramente? Não damos a mínima para isso. Nós, que gostamos tanto de você, só queremos enfatizar isso: o que você aprendeu como “normal” é realmente normal? Se sim, pergunte-se: sou feliz com o que aprendi? Um abraço forte.

Esperamos que essa carta chegue a você.

Anidalmon Morais Siqueira Filho - http://artificiosocialista.blogspot.com.br/
José Anezio Fernandes do Vale - http://molotovaluzdevelas.blogspot.com.br/

E vai ficar ainda melhor...



Cola seu rosto no meu, vamos dançar uma canção.

Eu não sei o que está acontecendo, mas o que quer que seja, está acontecendo rápido demais. O machismo cresce, mas a luta feminista também. As contradições do capital crescem, mas a luta contra-hegemônica, anticapitalista e mesmo socialista, se agigantam assustadoramente. Um espectro ronda o mundo civilizado, como o conhecemos: o espectro do renascimento da vontade de lutar.

Eu não sei o que está acontecendo, mas está acelerado em todos os níveis, inclusive nas paredes, nos casais (cada vez menos convencionais), na maneira de amar. Paredes defendendo o amor livre, a ponto de eu sonhar que alguém tentava me convencer de que o amor tem que ser monogamia pra ser verdadeiro. Tipo um "desiste dessa idéia". Para as leitoras e leitores do blog Artifício Socialista que não têm muito contato com Freud, ele fala que os sonhos são um mecanismo através do qual o nosso inconsciente busca realizar desejos. E o que será que meu inconsciente tá tentando fazer, quando me põe pra sonhar assim? Quais outras linhas inconscientes o meu inconsciente deve estar tecendo nessa costura? "There's a natural mystic blowing through the air".

Eu tenho visto as pessoas postando tanta indignação inteligente no facebook. Gostaria de poder contar com essas pessoas protestando comigo, lado a lado. Elas muito provavelmente não pensam igual a mim quanto à importância das lutas que eu faço parte, e eu entendo isso, respeito essa diferença, mas ainda não fui convencido de que estou errado, por isso eu convido as pessoas a lutarem comigo. Quase tudo que é postado no facebook, pela maioria das pessoas que eu tenho como amigas, eu concordo. Um programa comum de lutas, seria tão fácil, e se todo mundo fosse pras ruas em atos unificados em terno desse programa comum, a gente teria grandes atos no Brasil inteiro. Mas nós ainda não temos esse cenário armado. Então eu continuo tentando juntar pessoas em torno de um mesmo projeto. Há quem ache que é utopia. Eu, com todo respeito, acho que é acordar.

Mas eu fico feliz que pelo menos as pessoas estejam falando. Não estão topando lutar concretamente, mas estão fazendo algo que há pouco tempo eu quase não via, elas estão manifestando concordância com boas idéias, estão dizendo que assinam embaixo de boas posições políticas. Espero que algo mova essas pessoas para algo que vá além apenas da "manifestação pública de opinião política" na vitrine facebookistica, e caminhe em direção à organização coletiva e à luta concreta. Não quero que as pessoas sejam necessariamente do mesmo coletivo, partido, ou entidade que eu. Nem quero que estejam em todos os protestos e eventos políticos que eu esteja. Quero ver mais pessoas lutando de verdade.

Os egípcios não derrubaram presidentes via twitter e facebook, eles marcaram atos via twitter e facebook, para se comunicar. Foi NA RUA que a Primavera Árabe fez o que fez. Ignorar isso e ficar só no facebook é muito mais utópico do que acreditar que as pessoas podem se juntar pra lutar. AS PESSOAS JÁ ESTÃO FAZENDO ISSO. No mundo todo, cada vez mais, e aqui no Brasil, inclusive.

Eu gostaria, por exemplo, de fazer dois convites:

1 - Pra quem é antimanicomial, sábado dia 25 de agosto, nove  horas da manhã, em frente à Clínica Santa Isabel (Cachoeiro-ES), um ato mandingueiro, lutando por uma rede substitutiva de saúde mental, que seja de qualidade, pública, gerida pelo e para o povo trabalhador, e contra os manicômios, subjetivos (como os sentimentos de que a loucura não pode circular pela cidade e ter saúde de qualidade) e objetivos (como essa clínica particular, que recebe dinheiro público pra destruir a "saúde mental" de seus "pacientes", ou melhor, de seus prisioneiros).

2 - Pra quem defende educação de qualidade, acessível a todas e todos, também gerida pelo e para o povo trabalhador, pública e efetiva em formar seres humanos para a transformação social, tem uma greve imensa (ou melhor, várias greves) rolando no Brasil inteiro. Colem nele aí, participem nas universidades e institutos federais mais perto da sua casa, e depois me contem como foi!



No mais, eu vejo que a mentalidade das pessoas está mudando, justamente porque a conjuntura política está ganhando calor, e as condições materiais de transformar essa sociedade só aumentam. Claro que essa conjuntura, ao mudar as mentalidades, também sofre influência dessas mudanças, então cola seu rosto no meu, vamos dançar uma canção.

beijinhos de maracujá!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Santidade em tempos de greve




Escrevo este texto inspirado numa boa provocação do professor Maurício Abdalla, da filosofia da UFES, no grupo do facebook de nossa universidade, sobre as críticas docentes ao governo durante a greve, e a necessidade de autocrítica desses docentes no cotidiano de suas práticas profissionais. Concordo plenamente com ele, não somos santos, os docentes não são santos.

Assim sendo, não posso deixar de comentar as minúcias da relação dialética entre a luta docente por universidade de qualidade e as práticas docentes que sucateiam a mesma.


Sou um estudante que luta, há anos (e vou lutar até o dia em que me formar) para que a universidade esteja a serviço de uma formação e de uma produção de conhecimento que emancipem, ao invés de manter a sociedade injusta como está. Para isso, por exemplo, lutamos por avaliação efetiva (lutamos contra o ENADE, política privatista do governo, mas também lutamos por mecanismos democráticos e reais de auto-avaliação das universidades e dos cursos, centrados não apenas na posição de docentes, mas também de técnicos, estudantes e de toda a sociedade, sem ranqueamento mercadológico das mesmas e incluindo o povo pobre que deve ter o poder de decidir como ela funciona), lutamos por democratização do acesso (e isso quer dizer aumento de vagas, mas com aumento também nos investimentos e recursos, e não uma expansão que sucateia as universidades, como o REUNI, ou compra de vagas nas particulares, como no PROUNI. E quer dizer também o fim do vestibular, acesso universitário a todas e todos, com cotas sociais e raciais até lá, já que o vestibular é um método de seleção racista. Mas pra ter vaga pra todo mundo, precisa ter grana pra bancar esses custos, e por isso lutamos por no mínimo 10% do PIB pra educação pública já, imediatamente), lutamos por um projeto de educação e de universidade que atendam a todas as demandas de transformação da sociedade, esses são apenas alguns exemplos. E pra dar mais um exemplo, lutamos por qualidade nas aulas, tanto para graduação quanto para pós graduação.

Lá no meu curso, quando tocamos nesse assunto, vários docentes de pós graduação disseram (equivocadamente) que estávamos atacando a eles e aos pós graduandos, mas nós só estávamos atacando aos docentes que se aproveitam dos pós graduandos para darem aula na graduação, e assim ficam livres a se dedicar apenas às pesquisas e à pós (que é o que dá produtividade). E ainda assim, nosso inimigo não é o professor produtivista, nosso inimigo é a lógica produtivista, o professor é apenas mais uma infeliz vítima, mas uma vítima ativa, que ao invés de escolher se ferrar fugindo do produtivismo e recebendo pouco, prefere se ferrar obedecendo a essa lógica e ganhando mais. Eu critico o produtivismo, mas isso não me impede de, como estudante, lutar ao lado dos professores, sei que a pauta deles é justa, e se lá no meu curso tem professores que não ajudam em nada, eu não vou odiar todos os professores por isso.

Eu fico feliz de saber que na UFES e no Brasil inteiro tem docentes lutando por qualidade da educação, não se submetendo. Eu posso muito bem estar amanhã criticando professores que hoje são meus colegas de greve, e eu não me tornarei inimigo deles por causa disso. Mas deixar de construir e fortalecer a greve nesse momento histórico porque há professores (e não são poucos) que não têm compromisso com a educação, é misturar auto-crítica com auto-flagelação (o que já entra na questão da santidade, e que eu acho que não ajuda em nada a educação brasileira). O discurso do mérito e da santidade: "já que você não tem compromisso com a educação, porque é que eu vou ter que ter?".

Por isso, independente da santidade alheia, eu FAÇO QUESTÃO de estar em greve, sabendo que não há docentes perfeitos, nem técnicos perfeitos, e que eu não sou um estudante perfeito, mas que a imperfeição não me cala diante de um governo mesquinho, inconseqüente e irresponsável com a educação. Qualquer pessoa com um mínimo grau de inteligência, que avaliar a realidade do Brasil hoje, vai ver que essa greve é necessária, e que participar dela é uma oportunidade única tanto pra mudar a história do país, quanto pra aprender com essa história.

Como greve não é uma questão de santidade, quis trazer essa contribuição pra complementar a fala do professor Maurício, para que não distorçam as verdades que ele disse, como se a falta de santidade dos grevistas fosse a prova de que a greve não é legítima. Nosso compromisso é com a sociedade que está por vir. Mas nós a construímos agora! A auto-crítica é indispensável, e a participação na greve igualmente! Elas não se excluem, elas se complementam. Não é uma questão de santidade, é uma questão de luta!


beijinhos de maracujá!

Susto e Silêncio


Na falta de um bom silêncio
Daqueles sinceros que apoiam de perto
Me entreguei a umas palavras

Versos de susto, estranho afeto

Procurando rimar pra falar
Palavras faltosas
Tateando um pesar que dá dor,
Tristeza que se apossa

Não tem verso que diga
Tem susto
Tem vazio, minha amiga
Tem susto
E por mais que eu já creia
Com custo,
Ainda sou caixa cheia
De susto

Na falta de um bom silêncio,
Daqueles que dizem o que tem que ser dito
Ensaio um poema em consolo
Mas tem sentimento que não dá pra ser escrito!

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Escrever é se desnudar



Escrever é tirar a roupa. Sei que já escreveram sobre isso antes, talvez eu até já tenha lido isso e não me recorde. Mas eu estaria dizendo isso mesmo que jamais tivesse lido em outro lugar, e sei que já escreveram isso mesmo não lembrando de já ter lido antes, porque qualquer pessoa que escreva sabe que escrever é se desnudar. É um saber que vem sem pedir autorização, assim como a escrita não pede autorização de nosso corpo para ser escrita: simplesmente o desnudar nos toma, como num sonho, em que de repente, não há mais roupa: há a escrita, e a vergonha de que nos leiam esconde um desejo profundo de se escancarar. Escrever é obedecer a esse desejo.

Escrever, assim como cantar, parece com não morrer, e é igual a não se esquecer que a vida é que tem razão. Canto também é nudez e escrita também é imperativo da vida. O paradoxo de Caetano diante do João poeta que não gosta de música e do João músico que não gosta de poesia é um espanto com o singular, com algo muito singular e espantoso. Um incômodo dos mais justificáveis. Para quem não sabe do que estou falando, sugiro procurar sobre uma música do Caetano Veloso chamada "Outro Retrato".


Mas a escrita (assim como o canto), pode também servir para ocultar, para desviar atenção do foco, ou para enganar. Existe a escrita que reveste, a escrita pre-tarefista, que parcializa e encobre. Essa escrita está aí, por todo canto, e é ótima pra quem quer se livrar da depressão da tarefa em sua totalidade, da realidade nua e crua, pra quem não quer se expor nem se afetar. A nudez é um cruel caminho para a mudança, e a escrita que desfoca é uma conservadora defesa diante do risco iminente de obedecer ao desejo de se despir.

É importante enfatizar: quem escreve não está livre do risco de nenhuma das duas, é preciso saber lidar com ambas, quando emergirem, o que é completamente diferente de optar por ambas: só se pode optar por uma delas, porque a opção pela escrita insere no cenário um inconciliável compromisso de classe. O compromisso com a nudez é sempre comrpomisso com a mudança, com um projeto de mudança que a pré-tarefa encobre. Por isso, apesar da vergonha de mostrar nosso lado escuro da lua, uma força estranha nos leva a escrever. E escrevemos, não podemos parar. Praticamos a nudez criminosa, qual pássaros proibidos, e apesar do rubor em nossas faces (e nas vossas também), obedecemos ao chamado da transformação: escrevemos!

beijinhos de maracujá!

domingo, 5 de agosto de 2012

De Carne, Sangue e Memória


(Para a CONEP)

Meu corpo é feito disso:
De carne, sangue e memória,
De ossos, dores, delícias.
De vontade de escrever a história.

Essa história me forjou,
Sou uma história encarnada,
Todo o que penso e que sinto
(De modo pouco sucinto)
Faz, em meu peito, manada.

Manada, em meu peito, corre,
Estourada, enlouquecida.
Manada de vontades
De transformar realidades,
De lutar pra mudar a vida.

Hoje, depois dessa história,
Já não sou quem era antes,
Sou carne, sangue e memória,
Mas também espada cortante.

Hoje, com um corpo feito disso,
Quero seguir nessa história,
Não sou só: nada me cala.
Essa história me forjou,
Faço questão de forjá-la.


beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Eu quero teu corpo inteiro



Eu quero teu corpo inteiro.

A parte do meio das palmas das minhas duas mãos é meio funda, e eu realmente acho que a mão humana foi projetada pra deslizar nas curvas de outros corpos humanos. E o teu corpo deixa a minha mão com vontade de cumprir sua missão na terra, que é uma missão eminentemente tátil. Eu quero ir te desvendando ousadamente até não sobrar nada que eu não tenha conhecido. E você vai adorar me ter tomando conhecimento de ti. Tenho júpiter em áries na casa nove, sou um bom conhecedor. A modéstia me impede de contar isso pra todo mundo por aí, mas você precisa saber disso. Você merece!

A angústia milimétrica e eufórica de ter a minha respiração na tua nuca, a surpreendente e inexplicável segurança instável de um abraço que aperte teu corpo contra o meu. A divertida brincadeira de ter as costas de tuas coxas pressionadas contra a frente das minhas, e os meus joelhos encaixados atrás dos teus. A pele dos pulsos deslizando na pele da cintura. Beijinhos de ponta de lábios, em lugares variados, que fazem a espinha arrepiar toda, de baixo pra cima, até o cérebro arrepiar. Os nossos rostos repousados entre nossas pernas, corpos largados, num descanso setenta. Os dedos profundamente entrecruzados nas mãos dadas em praça pública. Os dedos bandidos nas brincadeiras noturnas de transporte público. a voz sussurrada dentro do ouvido, e a língua não falada, colada na outra língua. Eu quero que você queira meu corpo inteiro.

Mas qualquer coisa, se quiser minha alma e meu coração junto, tamos aí!

beijinhos de maracujá!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Tem como voltar ao normal?



"Eu me sinto aéreo como um trem descarrilado no momento em que está tombando". Fui feito em frangalhos e não sei como voltar ao normal. Muita coisa que estava certa em mim se desfez, e muita coisa que eu tinha certeza de que estava fluida, se consolidou, assustadoramente. É como não voltar de uma viagem.

Fala-se sobre certas over doses em que a pessoa sobrevive mas "não volta". Dizem que a pessoa pirou, há quem fale em seqüelas eternas. É claro que isso é trágico, se partimos do pressuposto de que estamos mais seguras, seguros e saudáveis aqui, no cercadinho da normalidade, dentro dos limites gregários das convenções sociais e linguísticas. Mas a língua nos trai o tempo inteiro, e o social (como todo fenômeno natural) está restrito aos limites das leis da natureza, e a mais imperativa e cruel das leis da natureza é a mudança, a transformação (que às vezes é gradual e parcial, mas às vezes é súbita e sem aviso). Como João arrebatado na ilha de Patmos, tendo diante de si uma revelação que até hoje arrepia muita gente. João "voltou" depois de redigir o apocalipse?

Isso é um bom modo de entender o que é a viagem, e a relação dela com a loucura. A vida é louca, a normalidade é um conjugado de padrões desarrazoados, e a gente opera com eles porque é bom ter a sensação de chão debaixo dos pés. Mas o não-enlouquecimento é um padrão fictício e arrogante. Assim como temos a ilusão "de não se drogar". É uma farsa, a idéia de que alguns seres humanos se drogam e outros não. Não existe droga, tudo é alimento, alguns absorvidos por vias diferentes das clássicas vias de ingestão. Há alimentos bons e ruins, há usos bons e ruins de ambos. Há alimentos que se come, que se bebe, que se masca, que se cheira, que se fuma, que se injeta, que se assiste, que se escuta, que se toca, que se chupa, que se mete. Alimentar é uma prática, se relacionar com substâncias (externas ao corpo ou produzidas por ele) é uma prática. E socialmente, criamos alguns padrões que delimitam que se afundar no McDonalds é mais lícito do que dar uma bolinha num baseado pra aliviar uma dor. Os critérios de saúde, de segurança e de dignidade, quando se fala em uso de drogas e alimentos, me fazem achar se eu devo levar a sério o discurso corrente sobre isso, ou sugerir uma droga psiquiátrica pra quem o reproduz. Que caminho de volta é esse? Volta pra onde? Quem disse que a ida, seja pela via das drogas ou da loucura, é uma perda de patamares, um rebaixamento?

Percebam que eu não estou fazendo uma apologia ao estado de loucura ou de drogadicção. Estou apenas dizendo que a gente precisa ser menos arrogante na certeza quando à validade dos limites hoje vigentes. É científico pôr esses padrões em questionamento, e não partir do pressuposto de que eles são impecáveis, porque o método como um psiquiatra receita um remédio (muitas vezes pesadíssimo) é completamente baseado na mais tacanha inferência, tentativa e erro. Mas precisamos ter ciência de que a loucura, numa sociedade parcializada como a nossa, pode ser fonte de muitos sofrimentos particulares, e que é importante entender a dinâmica desse sofrer pra lidar com ele. Vale o mesmo pro uso problemático dos alimentos chamados de "droga". Falo em uso problemático porque nem todo uso de "drogas" é problemático. Há inclusive usos terapêuticos.



Eu sou usuário de uma droga chamada movimento estudantil. Militar me deixa eufórico, às vezes me deixa depressivo, às vezes me deixa meio louco, alucinado, às vezes me deixa lúcido, focado, anfetaminado. O uso dessa prática altera meu estado de consciência. Há quem diga que o movimento estudantil é um grande manicômio, cheio de gente louca. As pessoas ainda associam o fenômeno humano da loucura aos horrores dos manicômios, como se toda loucura tivesse que ser castigada. E numa sociedade conservadora, que teme a ação de quem luta por mudanças, o movimento estudantil é uma loucura bem castigável.

E aí eu fui pra uma viagem dessa droga aí, e não voltei. O barato bateu pesado e eu tô brisado até agora. Fiz o uso da droga numa dose excessiva (over dose, aquilo que acontece toda vez que alguém vomita de tanto beber, ou que come até ficar com dor de barriga), e tô a sete dias sem voltar da viagem. Alucino ser um trem descarrilado. E não tô tendo essa onda sozinho.

A sensação, comentei isso com alguém essa madrugada, é a mesma do segundo antes de a montanha russa fazer uma grande descida. A sensação que eu tenho é de que a viagem continua. Eu convivo com as pessoas na rua, na universidade, em minha casa, no ônibus, e ninguém percebe que eu ainda tô surtado. Quantas pessoas como eu não estão por aí, achando que estão normais, mas afundadas numa viagem. A minha viagem teve muitos gatos, uma vaca, e uma reoxigenação deliciosa.

O problema é que essa viagem revirou tanta coisa em mim, que eu perdi algumas estabilidades, e ganhei outras que eu julgava já completamente abstraídas. Agora eu estou aqui, com um corpo de carne e osso parecido com o de antes, mas todo revolvido por dentro, tentando elaborar tudo pra ver se eu volto ao normal. Alguém sabe como faz? Se souberem me ajudar, digam urgente, que além de mim, tem mais uma multidão de gente precisando!

Se é que a gente quer voltar!


beijinhos de maracujá!