terça-feira, 24 de julho de 2012

A Cidade dos Gatos


Então é isso: depois dessa viagem mágica e misteriosa, nada será como antes. A vida é uma jornada, mas dentro dessa longa estrada da vida, alguns pequenos percursos merecem holofotes, e eu estou embriagado de aprendizados com essas duas semanas inesquecíveis que ainda não terminaram. Se a vida é uma caminho de lutas, sinto amoladíssima a arma que teremos para lutar nessas próximas doze luas, e meu corpo, que também é arma, que é minha arma mais potente pra seguir essa jornada, também sai amoladíssimo desse esmeril incrível que tivemos lá na cidade dos gatos.


Meu peito felino ficou meio cuiabano depois de tudo o que eu passei, e eu tenho muito a falar sobre nosso projeto coletivo, sobre nossa luta coletiva por transformar a universidade brasileira e por transformar a profissão, mas eu não consigo deixar de tomar um tempo da atenção de vocês, leitoras e leitores, pra confessar o que foi a cidade dos gatos pra mim. Se eu pudesse eu levava todo mundo (ou quase todo mundo) pra casa comigo, aqui dentro do peito. Vocês do Brasil inteiro, que teceram cada momento, cada instante, cada pedacinho de susto e loucura nessa grande jornada coletiva. A gente inventando outros jeitos de ser felizes, e outros jeitos de fazer psicologia, outros jeitos de fazer um mundo novo, outros artifícios pra construir o socialismo. Eu saí desse encontro completamente diferente da forma como entrei, não sei como vai ser voltar pra casa, e espero levar pra casa tudo de vocês que veio comigo, em meu corpo. Estou aqui na cidade dos solitários (aquela onde não existe amor), a caminho de casa, e morrendo de medo de reencontrar minha vida anterior a essas duas semanas, e não conseguir me reencaixar. Mas a sensação é de que voltarei ainda melhor.

Quem conhece gatos sabe o quão esnobes eles são. Hedonistas que só eles, só chegam perto de nós quando querem tirar algum proveito, nem que seja apenas algum carinho. E quando se cansam de nós, vão embora, e nos deixam pra trás, quer nós queiramos esta separação, quer não. Mas não sei se todo mundo sabe o quanto os animais de estimação se adequam ao jeito de ser de seus donos. Na verdade certas espécies animais, domesticadas por humanos ao longo da história das espécies, acabam por se adaptar aos humanos com quem convivem. E quando eu pensei nisso, eu entendi porque os gatos cuiabanos são esnobes de um jeito tão dado, tão oferecido, tão carente. Ainda são gatos, mas têm muito do povo cuiabano, que é extremamente delicioso de se conviver, e no entanto não vê a própria beleza. Uma cidade de tantos gatos, uma cidade de tanta gente amável, de tanta gente aberta ao contato, que quando vê uma oportunidade de papear, já se encosta, uma cidade com suas malandragens e suas sacanagens, com seus preconceitos e suas asperezas, mas uma cidade simpática e aberta à troca. Não tinha lugar melhor para a psicologia brasileira amolar suas lâminas neste vigésimo quinto encontro.

Foi difícil ir embora de lá. De vez em quando ainda me dá vontade de voltar, aí eu me lembro que o encontro não está mais lá, me esperando, lembro que o que eu vivi foi uma situação excepcional, que nem tudo o que eu tive contato faz parte do cotidiano da cidade dos gatos, que boa parte disso a gente inventou junto, e que a galera de lá ficou desmontando os restos de nosso esmeril depois que embarcamos embora com nossas delegações. Está sendo difícil aceitar isso, que aqueles momentos não podem durar pra sempre. E aí eu penso "então que sejam novos e outros, os momentos que virão". É isso! Que possamos sorrir o que sorrimos e chorar o que choramos (e como choramos!) daqui pra frente também. Alguns sorrisos eu quero pelo menos guardar na minha retina da memória pra sempre, já que não pude trazer comigo pra tudo que é canto que eu vou.



Amores, muitos amores. Guattari falava que militar é agir, eu corrijo arrogantemente: militar é amar. Sem amor não há nem é militância, e sem militância, não há nem é amor. Quando amamos, lutamos pra tornar o amor mais livre e mais possível, lutamos pela liberdade daquelas e daqueles que amamos. E eu sinto cada vez mais vontade de lutar, porque depois da cidade dos gatos, eu amo mais. Amo mais quem antes já amava, e ainda aprendi novos amores, que me deixam mais cortantes na luta. Não basta agir, é preciso agir como quem ama. E os sorrisos e choros que trago comigo na retina da memória me fazem ter vigor pra militar mais e mais.

Quando eu chegar em casa, com esse corpo novo, fruto de um corpo antigo amolado no esmeril da cidade dos gatos, vou olhar pra cada canto, cada móvel, cada rua e cada bairro, e vou me perguntar: "e agora, o que eu faço com isso tudo?". Além de amar e mudar as coisas, é claro, porque isso, além de inevitável, é o que me interessa mais. Mas eu fico, aqui no caminho de volta pra casa, fantasiando o reencontro com o mundo em que eu vivia antes desta viagem. E todos esses momentos loucos só foram tão bons, tão únicos, tão incríveis, porque eu vim trazendo minha casa em meu corpo. Se eu contasse, apesar das diferenças, tudo o que eu vi de tão parecido entre o povo de Vitória e o de Cuiabá, acho que ninguém acreditaria. Mas o cuiabano é ainda mais acanhado, e ainda mais tagarela, até o jeito de ser escroto do cuiabano é mais intenso e mais cativante. Capixaba que sou, aprendi horrores com o povo da cidade dos gatos. Atrapalhei muita coisa por lá, e voltei de lá todo atrapalhado, o que também pode ser traduzido como "amolado".

Não posso terminar sem falar do quanto o povo de São Paulo e de Santos foi fundamental nesse atrapalhamento todo. Embarcamos (eu e o profeta corintiano) em um bonde muito do errado, erradíssimo, e não imaginávamos que era um bonde tão repleto de cuidado e alegria, de sagacidade crítica e fome de movimento. Eu ia por todos os cantos, lá na cidade dos gatos, e tinha alguém daquele nosso bonde errado. Acho que éramos um bando de gaivotas (no meio delas, duas andorinhas capixabas). Confusas, as andorinhas perceberam que, sozinhas, não fariam verão. Mas percebemos também que não estávamos sozinhas e que, acompanhadas, faríamos não só inverno, mas faríamos aquilo lá virar um inferno.

Só não acabou o amor.

No mais, viva Sobral, viva Fortal, viva Goiânia, viva o que o destino nos reservar. Viva a CONEP, nossa arma amolada para as próximas doze luas, viva o amor e a coragem, que Ednardo já nos deu a dica de nos armarmos deles. Viva Vitória e a Serra, Santos e São Paulo, Cuiabá e Várzea Grande. Viva a Psicologia Contra-Hegemônica e a aposta num outro rumo para a humanidade e para a natureza humanizada. Como a gente dizia no CONEPSI Salvador (graças ao Renan e ao João Ubaldo): Viva Nóis! E viva os sorrisos e choros que levamos nas retinas de nossas memórias, porque no amor, que é militância, não somos reféns da solidão. Aqui está presente o movimento estudantil!



beijinhos de maracujá!

6 comentários:

  1. Tanta gente junta com um profundo estranhamento do mundo!! Mas juntos e se acompanhando!! Eu voltei da cidade dos gatos desassossegada, mas gostando de gatos =)

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  2. Foi o primeiro ENEP mais incrível do mundo, na minha opinião.
    Nunca pensei que conheceria tanta gente massa, pessoas que de alguma forma são tão iguais a mim, mesmo sendo diferentes pra caramba. E você, Zé... Foi uma dessas pessoas incríveis que tive o prazer de conhecer. Apesar de termos conversas rápidas apenas no mutirão e vez ou outra nas festas, achei você nada menos que admirável. E espero que ano que vem possamos estar juntos outra vez.

    Um grande beijo, Aline Franz.

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  3. Suas palavras sempre me comovem. Na maioria das vezes por compartilhar cada sentimento e cada vivência que elas traduzem. Dessa vez, minhas lágrimas vem pela tristeza da saudade de algo que não vivi, mas também pela felicidade de saber que a luta continua, comigo em outros frontes. Obrigada por proporcionar essa tristeza e alegria ao mesmo tempo. E viva nóis!

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  4. E VIVA NÓIS!

    E VIVA O ENEP!

    E VIVA A VIDA!!!

    Seu poema Zé, é inspiração p/ lutar e vencer a cd dia, já publiquei no meu face....

    "essa história me forjou,

    faço questão de forjá-la!"

    aguardo-o em ENEP SOBRAL!!!!

    VIVAS E VIVAS!!!

    \\o//

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  5. Que lindo isso.
    Obrigado por tudo meu povo.

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  6. Porra, Zé. Fantástico. Suas palavras me tocaram de um jeito que me fizeram sorrir com os olhos. Concordo com cada escrita tua, e me alegro em perceber que não fui a única escolhida para se sentir desta forma tão intensa, se perceber tão diferente do que era, e aberta há tantas diferenças que virão - e mais: fome destas diferenças. Uma fome do caralho, insaciável, fome de luta, de militância, e, como deixou claro em seu texto, fome de AMOR, que afinal, is all we need.

    Eduarda Metzker - da cidade dos gatos.

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