domingo, 1 de abril de 2012

Abrir abril


Acabou o primeiro trimestre do ano explosivo, do ano que veio pra pegar fogo. E esse domingo, dia da mentira, dia de pessoas que só podem ser mentiras, marca uma reoxigenada. Ontem comentaram comigo uma verdade: que nem todo carnaval tem seu fim. Minha carne é de carnaval, e o meu coração é igual àqueles que têm uma seta e quatro letras: AMOR. Por isso, onde quer que eu ande, em qualquer pedaço, eu faço um Feu Rosa, um CALPSI-UFES, um Manguinhos. Eu não marco toca, eu viro toco, eu viro moita. E é desse jeito que eu entro nesse segundo trimestre, mostrando como sou e sendo como posso, de maneira bem espinosista, jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos e, pela lei natural (ou divina) dos encontros, deixando e recebendo um tanto, passando aos olhos nus ou vestidos de luneta. No passando, no presente, participando e sendo o mistério do planeta.

Eu não passo de um malandro, de um moleque do Brasil, que peço e dou esmolas. Mas porque é mesmo que estou falando de mim? É apenas uma descrição ética. Nós, vigotskianos, reichianos, espinosistas, novos baianos, nos descrevemos em fanzines virtuais pra compartilhar um modo ético de o corpo estar no mundo. Aliás, ética é isso, não é um código de conduta moral dos "deves" ou "não deves". Ética é o modo de um corpo estar no mundo. Seja qual modo for, seja qual corpo for. Sem bem nem mal. Apenas bom ou mau (momento, encontro, instante). Estou falando de mim para que façam do que eu digo o que bem quiserem. Espero que o encontro de vocês com a minha ética (com o meu modo de estar no mundo) seja bom, mas caso seja mau, que posso eu fazer? Talvez me explicar depois. Mas eu não sou dono de tudo o que fazem com o que eu fiz.

E isso vale também na militância. Nós lutamos, mas não somos autores de tudo o que nossas lutas geram. E quando elas aquecem a conjuntura, nem tudo o que brota daí são flores, portanto, precisamos aprender a não querer que a conjuntura, diante das nossas lutas e intervenções, seja um mundo mágico, parte bela do país das maravilhas. Porque até o país das maravilhas tem as suas bad trips (e das mais pesadas). A lei natural dos encontros, de que Espinosa falava, é essa. Não existe bem nem mal, existem bons e maus encontros. E alguns maus encontros são inevitáveis, mas isso não nos impede de planejar que os encontros sejam bons.

A diferença entre o planejado e o espontâneo é essa: Diante da natureza, ou de Deus, como preferirem, diante do acaso do mundo, podemos jogar nosso corpo no acaso espontâneo ou no acaso planejado. O acaso planejado é um jeito de jogar o corpo no mundo que, fazendo uso da lei natural (ou divina) dos encontros, planeja anular o machismo, a homofobia, o adultocentrismo, a manicomialidade, o elitismo, o racismo, a opressão e a exploração classista, etc. É o acaso do corpo que quer transformar. O acaso espontâneo aceita todas essas características do mundo atual, que tendem a fortalecer maus encontros, e se deixa levar por elas como se elas fossem inevitáveis. Se elas fossem de fato inevitáveis, todos os maus encontros seriam independentes de nossa ação. Mas como a ação de nossos corpos, o modo como nos jogamos no mundo, pode interferir no resultado desses bons e maus encontros, eu opto pelo acaso planejado. É assim que meu corpo vai.

Sobre o adultocentrismo, uma nota de rodapé: há duas coisas que não tem idade pra começar a ensinar pra uma criança, a saber 1) o direito à liberdade de uso do próprio corpo, com todos os limites que a vida impõe aos nossos corpos nesse uso individual, para que a vida faça sentido para esse corpo, e 2) o dever de respeitar o corpo alheio, que é a mesma coisa que o direito de ser respeitado pelos outros corpos, no exercício de seus direitos individuais e no exercício dos encontros. O adultocentrismo é um dos principais meios de manter o mundo social sendo hegemonicamente dos maus encontros, porque menosprezamos as crianças, achamos que ainda não é hora de falar de sexo com elas, e elas aprendem empiricamente sobre sexo de maneira espontânea, e não de maneira planejada, achamos que ainda não é hora de falar de drogas com elas, e elas aprendem empiricamente sobre drogas de maneira espontânea, e não de maneira planejada. Achamos que não é hora de falar sobre prazer com elas, achamos que ainda não é hora de falar sobre a vida com elas, achamos que não é hora de falar sobre a lei natural (ou divina) dos encontros com elas, e o resto da história, já sabemos, né?

Tirar o adulto do centro do universo social humano, tirar o adulto do centro da relação adulto-criança, tirar das mãos do adulto o poder decisório sobre a vida da criança, sobre a vida do adulto, sobre a vida de todas e todos. Não há idade inicial para se exercer a real democracia, nem há idade real pra aprender a entender a lei natural dos encontros. Não há idade inicial pra aprender sobre o que Espinosa chamou de Deus. Não radical ao adultocentrismo! Uma palavra de ordem que toda e todo comunista devem berrar com entusiasmo.

Vamos abrir abril gestando essa idéia. Temos nove meses até o mundo acabar, ou começar de novo. Podemos parir um mundo novo, planejando bons encontros, ou podemos dar à luz o mesmo mundo de sempre, espontaneamente mantido pela inércia de não projetarmos nossas intervenções. Eu abro abril fazendo a minha escolha, e estar em cima do mudo é estar do lado de lá!

Como você abre abril?

beijinhos de maracujá!

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