segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sobre a Dialética entre o Intra e o Extra Sala de Aula na Formação em Psicologia - Contribuição do Blog Artifício Socialista ao CALPSI-UFES e à CONEP



Na invenção de uma psicologia contra-hegemônica e também de uma psicologia dialética, é preciso considerar a importância do papel, para TODA E TODO estudante de psicologia, SEM EXCEÇÃO, de uma formação generalista, tanto quanto de um acesso aprofundado aos temas que lhe convenham durante a formação. Um curso de psicologia não pode ser apenas o curso de uma ou de algumas poucas teorias, em que semestre após semestre as aulas se dedicam a te ensinar sempre um pouco mais da mesma coisa, com uma ou outra disciplinazinha que traz fragmentos de outros campos teóricos, de forma desconectada, resumida e pobre. Por outro lado, também não convém uma formação completamente enciclopédica, em que aprendemos um pouquinho de cada coisinha, semestre após semestre, disciplina após disciplina, e saímos sabendo de tudo na profissão, mas sem consistência em nada. Mas como devemos nos portar diante deste impasse?


Na construção de uma psicologia contra-hegemônica brasileira, assim como na invenção de uma psicologia dialética (projetos diferentes, mas que não precisam andar muito distantes), a superação dessa contradição passa pela superação de outra: a dicotomia entre espaço intra e extra sala de aula.



Tolice achar que as aulas sozinhas formam um corpo para o exercício revolucionário e emancipador da psicologia. Igualmente tolo achar que as aulas são dispensáveis. O estudo de caso sobre o qual formulo minhas teses, o curso de psicologia da UFES, tem uma singularidade diante disso: uma altíssima produção acadêmica, oficial e extra-oficial, oriunda do esforço, da proposta e ou da iniciativa de estudantes. Grupos de estudo, projetos de pesquisa e extensão, grupos de intervenção, eventos, debates, atividades que não ocorreriam apenas por iniciativa docente do curso, e que permitem a parte considerável do corpo discente a formação em áreas e teorias que jamais seriam tratadas apenas em sala de aula.


Ocorre porém, que ainda é muito espontânea, no caso da UFES, a produção de grande parte deste conhecimento extra sala de aula. O desafio hoje é fazer com que essas atividades sejam parte do PROGRAMA do curso, incentivadas e reconhecidas como tal, e não apenas um apêndice, uma coisa menos séria, ou algo que ocorre extra-curso, como muita gente (entre estudantes, professoras e professores) considera. Não é demais ressaltar que, de forma alguma, a inclusão da produção hoje espontânea num patamar de formação planejada no projeto do curso, deve tutelar e aparelhar esses processos. Isso é um risco quando não se muda a concepção de que o curso é feito apenas por docentes. O projeto de um curso deve ser constante e cotidianamente formulado, sob vias tácitas e também institucionais, por todas e todos que vivem o curso, e não apenas pelas professoras e professores universitários. A hierarquização professor-aluno na gestão do processo educacional é uma chaga adultocentrista que ANULA a possibilidade de gestação de uma psicologia contra-hegemônica.

Por outro lado, temos no caso da UFES, e sei que no Brasil inteiro também, uma quantidade razoável de aulas simplesmente ruins. A experiência intra sala de aula é INDISPENSÁVEL, não caio na estratégia pós moderna de esvaziamento do espaço escolar formal. A sala de aula é um formato extremamente ruim em sua atualidade, mas não resolveremos esse impasse descartando o formato como um todo, o desafio que se impõe a nós é o da reconfiguração. Claro que aqui, mais uma vez o adultocentrismo da hierarquização professor-aluno intervém. Uma experiência educacional gerida com base numa autoridade superior docente, e numa produção de silêncio por parte dos corpos que estão vivendo o processo de formação, obviamente redundará em uma formação teórica pouco consistente, fundada na transmissão anti-dialética de um saber cristalizado, e não no diálogo que constrói essa transmissão simultaneamente como invenção, a partir do conhecimento já existente, de um conhecimento adequado às novas lutas que surgem na constante busca por emancipação. A estrutura da sala de aula, dos programas das disciplinas, das avaliações, da vida como a vivemos no eixo "ensino" do tripé universitário, forja um conhecimento a serviço da hegemonia.


A crueldade de levar pessoas a se idiotizarem numa formação limitada à sala de aula é tão grande quanto a esparrela, a farsa de que a libertação dessa crueldade se dá substituindo o lado de dentro pelo de fora. No entanto, dois apontamentos são indispensáveis: 1) Pessoas não se inutilizam no exercício da profissão por viverem essas duas experiências extremas limitadas, não dá pra afirmar, anti-dialeticamente, que a formação puramente intra ou a puramente extra sala de aula anulam por completo a possibilidade de construção de um exercício dialético e contra-hegemônico da profissão. Afirmar isso é dizer que este é o único fator determinante da qualidade da formação, o que é uma visão obviamente limitada e mentirosa, e que fecha o nosso horizonte para os outros tantos campos tão possíveis de disputa como este, abordado por esta contribuição; 2) Não caiamos no equívoco de achar que dialética se produz com adição simples. Não basta fazer um "interacionismo" entre o intra e o extra sala de aula. Ambos precisam ser radicalmente transformados, e precisamos decidir (no exercício da experiência educacional) o que queremos com cada um deles, para que no nosso projeto de formação, coloquemos cada um em seu devido lugar nessa articulação. Para isso, precisamos entender mais aprofundadamente a realidade de cada um destes espaços, ou melhor, as várias realidades, porque há uma diversidade de experiências intra, e uma diversidade de experiências extra.

Não se trata de escolher uma forma em cada um desses espaços e hegemonizá-los, anulando as outras formas. A diversidade é bem vinda, ela é fruto da produção cotidiana da experiência educacional, pautada nas demandas da conjuntura vivida por nós. No entanto, ela não pode estar descolada de uma visão global da sociedade na qual essa formação se dá, e na qual essa psicóloga ou psicólogo atuará. Não se trata da diversidade pela diversidade, como se ela, em si, encerrasse um bem. A hegemonia, o modo de ser dominante, reformista e conservador da psicologia, também se faz com diversidade. A diversidade não é fim, é meio. A finalidade é a construção de uma psicologia revolucionária.


Por fim, é preciso denunciar a visão diversista da psicologia. A gente aprendeu a achar bonito que a psicologia seja diversa, mas hipocritamente a gente não conversa, a gente se odeia, as teorias só se contactam na agressão, na queimação mútua. A ciência sustentada nessa metodologia de diálogo será obviamente eficiente em contribuir para manter um sistema de exploração. O caminho para a superação deste problema é a elaboração de metodologias para o diálogo entre os diversos campos de saber que compõem a profissão. A psicologia não é diversa por uma dádiva, mas como fruto de uma história confusa, atropelada e repleta de incompetências na formulação de uma ciência a serviço dos interesses da humanidade. Eu recomendo que leiam o texto de 1927 de Lev Vigotski chamado "O Significado Histórico da Crise da Psicologia: Uma Investigação Metodológica", assim como uma série de textos nos quais Vigotski nos alertou desesperadamente que a psicologia caminhava para um abismo. Nós naturalizamos esse abismo que distorce as potências de nossa profissão, e o enxergamos como uma beleza. É lindo ser diverso, a psicologia é uma profissão múltipa, e sustentamo-nos nessa hipocrisia pra anular qualquer diálogo dentro da nossa formação e do exercício da nossa profissão.


Resumindo o que tenho a propôr diante disso tudo. A universidade precisa ter um projeto de curso, que ainda deve começar a ser construído (não é esse projeto que existe por aí nos cursos de hoje, em absoluto), mas que não joga no lixo o que os projetos atuais de curso têm a nos oferecer. Essa construção deve ter voz igual de estudantes e docentes, resguardadas as diferenças que não podemos calar (o percurso que faz do professor um professor e a potência inovadora do estudante, o vínculo mais intenso do docente com a instituição universidade e a maior liberdade do estudante em função desta), mas essas diferenças devem ser usadas em favor da democracia, e não como justificativas para uma hierarquização tradicionalista. Essa construção precisa conter um estudo aprofundado das diversas experiências intra e extra sala de aula, elencando os diversos temas e as diversas teorias abordadas, para pensar as disciplinas como espaços de uma formação generalista, que permita ao estudante o contato com a diversidade dessa profissão, dando base para o diálogo e para a disputa fraterna, incentivando o estudante à produção de sínteses. As escolas teóricas precisam deixar de ter como núcleo as disciplinas (que devem ser generalistas) e precisam habitar os espaços intra e extra sala de aula. Esses espaços precisam ser incentivados (inclusive através dos debates nas disciplinas em sala de aula, e construídos tanto por docentes quanto por discentes, e também em iniciativas conjugadas. Os horários de aulas precisam incentivar a participação nos projetos de pesquisa e extensão, nos grupos de estudo, nos eventos, debates, nas atividades culturais, artísticas, nos espaços de vivência e na participação no movimento estudantil e outros movimentos sociais. As questões polêmicas de um curso de psicologia não podem em hipótese alguma ser resolvidas através da via disciplinar, moralista, ou algo assim. É preciso haver diálogo para a transformação da situação, que pode tanto passar pela mudança do comportamento questionado quanto pela mudança do questionamento, ou ambas as coisas. Afirmar isso a priori é, mais uma vez, profundamente anti-dialético. Um projeto contra-hegemônico de curso, ou seja, um projeto de curso que forma profissionais de psicologia comprometidas e comprometidos com uma psicologia contra-hegemônica, revolucionária, transformadora, libertadora e emancipadora, não pode ser um projeto construído durante um período e, depois de pronto e aprovado, engessado em si. Ele precisa (como método, como meio), conter em si as ferramentas de seu próprio questionamento, de sua própria avaliação. Um projeto de curso que não pressuponha ferramentas para sua transformação, para a adesão das novidades oriundas da vida do curso, está ignorando que o processo de formação humana é um processo histórico. No entanto, não se trata de uma renovação que desfigure e deforme seu princípio fundante, que é a produção de uma psicologia transformadora.

Precisamos urgentemente EXIGIR, na UFES e por todo o Brasil, que nossos cursos se submetam a uma grande transformação nos nossos projetos. Sou da opinião de que a ferramenta que temos para sincronizar (o que é diferente de hegemonizar) esse processo é a CONEP, Coordenação Nacional de Estudantes de Psicologia, a entidade estudantil nacional dos estudantes de psicologia. Precisamos nos juntar dentro dela, e a melhor ferramenta para isso se chama Centro Acadêmico, ou Diretório Acadêmico. São dois tipos de ferramenta, que se complementam: a entidade nacional CONEP e a entidade local (no nosso caso o CALPSI-UFES, Centro Acadêmico Livre de Psicologia "Maria Clara da Silva"). Por que esse trabalho pede dois tipos diferentes de instrumentos? Porque temos muito o que aprender, na luta pela criação do projeto local em nossa universidade, com as lutas ocorridas em outros cursos por todo o Brasil, mas isso não pode se tornar a criação de um projeto único, que ignore as demandas de cada local, na produção de seu curso. A CONEP pode ser uma ferramenta incrível, se a ocuparmos adequadamente, para que o CALPSI-UFES possa trocar com vários outros CA's e DA's do Brasil inteiro, respeitando a autonomia de cada curso, e podemos forjar um projeto geral, que inclua a diversidade dos inúmeros projetos particulares. Na criação de projetos de curso, há lutas que deverão ser travadas dentro de cada universidade, mas ao mesmo tempo, outras lutas dizem respeito à política nacional da educação superior ou da profissão, e a CONEP é indispensável nesse caso.

Por isso dedico ao CALPSI-UFES e à CONEP esta singela contribuição, que é apenas a primeira do blog Artifício Socialista para a construção de uma psicologia Contra-Hegemônica, que é uma luta política contra a psicologia conservadora, reformista que está aí hoje, na hegemonia de nossa sociedade. Essa contribuição é também para a construção de uma Psicologia Dialética Brasileira, que é uma formulação teórica ainda emergente, e que será apenas mais uma teoria dentro dessa psicologia contra-hegemônica, mas isso é uma outra história.


Se alguém se interessar por esse assunto e quiser sugerir, criticar, elogiar ou mesmo escrever outras contribuições como essa junto comigo, entrem em contato. Precisamos pôr nossas idéias no papel, e depois em prática.

beijinhos de maracujá!

domingo, 29 de abril de 2012

Como zune um novo sedã...



Uma leitora anônima do blog Artifício Socialista pediu que nos fosse enviado um texto, de sua autoria, e que aqui compartilhamos, já que a investigação científica acerta da intercessão entre os fenômenos da liberdade e do amor é uma das áreas de interesse deste blog.

Tava numa dor tão surda e apertada, angustiada, nervosa, sem saber porque, mas sabendo exatamente o motivo de tamanha inquietação.
Não tava conseguindo mais dormir. Olhava o relógio, e a cada momento, cada minuto parecia uma eternidade. Me pegava pensando o tempo inteiro naquilo que não queria: naquilo que sabia que ia me destruir. Mas quem disse que a gente manda na cabeça? Quando eu menos queria, estava lá, sendo levada pelos pensamentos, até me cansar, e de cansaço, adormecer.
Adormecer pra acordar no dia seguinte, com a cara grudada no relógio do celular, tentando encontrar qualquer vestígio, qualquer indício que me dissesse que ainda valho a pena, que o efeito que tem sido causado em mim, ainda sou capaz de causar em alguém...
Mas quem disse que o celular respondia afirmativamente? A única coisa que ele fazia era me ignorar, e continuar com aquela cara cínica, apenas me mostrando que eu havia acordado tarde demais.
E tem sido assim: acordar tarde, para comer à tarde, ler para me enganar, conversar pra desconversar com a minha cabeça aquele assunto que ela teima em insistir e eu teimo em tentar abafar.

"Eu". No final das contas, o que ele sempre deseja, é ele mesmo! Não seria isso que diria uma alma mais elevada, despreendida de toda vida material, em pleno contato com o cosmos?
Pois bem. EU. Minha alma não é elevada o suficiente, e nem quero que seja. Quero me enterrar no que sinto aqui mesmo, mas não como uma morta viva! Quero ter os pés no chão, e mesmo assim, conseguir voar, mas não para esse céu dos elevados espiritualmente. Para o méu céu, que meu EU criou.
Se for necessário permanecer em silêncio, que eu fique então. O que não dá mais é pra fingir que o que bate no coração deve ser ignorado. 

Liberdade, afinal de contas, não é isso que queremos? Talvez nem todo mundo, mas quem compõe meu mundo, sei que quer.
E que maior tiro pode ser dado na liberdade do que a prisão do silêncio silenciado por uma mordaça? Dessas mordaças invisiveis que todo dia fabricamos... Nos dedicamos, colocamos nossas vidas para construí-las, tecemo-as cuidadosamente todos os dias, com a finalidade de apenas com o olhar poder dizer aquilo que nos afeta.
O que não percebemos, talvez, é que temos fortalecido cada vez mais nossas mordaças e cortando as mordaças alheias, mandando que outras bocas se abram para dizer daquilo que nós PRECISAMOS FALAR!

Nessa situação, de acordar, beber, comer, ler, dormir, acordar, beber, comer, ler, dormir, tem alguma coisa que não está explicita, mas que ao mesmo tempo grita e bate na cara de quem passar por perto: preciso de liberdade, mas não só... Preciso também de amor...

beijinhos de maracujá!

Respeite o ciclista!



Meu amor,
A distância é ferramenta
Não estou te abandonando
Nem me abandonando de ti.
A distância é instrumento,

É um espaço que estou dando
Pra que o tempo faça estragos
E faça a gente sorrir.


Os estragos do tempo são dádivas
Muitas vezes nem dão tanto vigor,
Mas têm muita chance de impôr
Um novo jeito de trato com a vida,
Um novo jeito de trato com o amor.

Não estou te abandonando,

Nada acabou entre nós,
Só estou ficando sozinho,

E te deixando sozinha,
Pra que, na solidão do teu quarto,
Ou na solidão das tuas ruas
(lotadas de gente sozinha),
possas escutar minha voz.


Ou talvez escutar meu silêncio,
Ou talvez nada escutar de mim,
Mas tirar da tua solidão,
Ou tirar de seus outros amores,
As certezas que nortearão
E as dúvidas que criarão
Nosso próximo encontro,
E por fim,
Que a distância não seja um fim.


Que não seja uma finalidade,
Que seja apenas caminho,
Que seja um instrumento:
Eu não quero que fiques sozinha

E nem quero a vida sozinho.


Eu só quero um tempo pra mim,
E parar de roubar o teu tempo
E ficar te impondo o meu,
Cada um com seu tempo, por um tempo,
Para que desejemos ardentemente
De um jeito louco,
Ter de novo o tempo um do outro.

Sei que vai acontecer,

É fato que vai rolar,
Logo você me procura
Não importa pra onde eu vá.
Se você quiser de verdade,
Você vai saber exatamente
Como me encontrar.


Não foi só planejado
Nem foi só acidental.
Não foi pura natureza
Nem foi antinatural.
Dei distância por necessidade:
Porque necessitava dela
E porque o destino, perfeito,
Me fez fazer desse jeito.

Assim, não importa, meu bem,
Se tudo o que eu fiz nesse lance
Foi de propósito, ou sem querer.


Se eu perdi celular sem querer,
Poderia ter sido de propósito,
Se eu parei de te caçar de propósito,
Poderia ter sido sem querer.


O que importa é o que há entre nós,
Eu continuo amando a sua voz
Suas palavras, seu sorriso, seu calor.
Eu continuo amando estar contigo,
Amando ser teu grande (ou maior) amigo,
Amando habitar o teu amor.


Mas a distância é instrumento precioso,
E é por isso que eu vou cuidar de mim.
Nós dois estamos turbulentos, assustados,
Nossos olhares falam de algo guardado,
Que a gente ainda não pôde tomar coragem
Pra deixar fugir.

Então talvez a ferramenta da distância

Siga pra nos fazer sentir, refletir, descobrir,
A hora certa de sair da pré-tarefa
Do amor.


Eu te amo, e a distância é instrumento,
Artifício pra inventar outro momento.
E por mais que outro caminho também valha,
Por mais que nossos corpos peçam fogo,
Por mais que nossas bocas queiram beijos,
Por mais que nossos ouvidos, ansiosos,
Tenham por nossas vozes ardil desejo,
Ainda assim, o destino, feito criança,
Me fez apostar na competência da distância.
Há certas faxinas que só se faz em solidão,

Mesmo quando em solidão compartilhada.


Tchau e até o fim dessa empreitada!

beijinhos de maracujá!

sábado, 28 de abril de 2012

Eu e o silêncio, o silêncio e eu


Tenho estado, cada vez mais, em silêncio. É íntimo que eu escreva sobre isso, mas eu estou me desnudando até pra não aumentar o silêncio que tem me habitado ultimamente. Se não escrevesse sobre tais intimidades, não teria sobre o que escrever, e é justamente esse o motivo íntimo que é a única coisa sobre a qual consigo falar: eu perdi a capacidade de falar sobre o que eu sinto.

Eu tenho três frases sobre cada assunto. Da boca pra fora, só isso, dentro da minha mente, tem uma revolução acontecendo, a todo momento. Quando eu converso, quando eu ouço música, vejo um filme, uma aula, uma cena do cotidiano, quando eu canto, quando eu falo (as minhas frases agrupadas em trio), quando eu escuto, quando eu vejo, quando eu sinto. Quando eu penso. A todo momento uma revolução corre dentro da minha cabeça, e eu não consigo verbalizar quase nada daquilo, por mais que eu tente... Quando eu tento, saem três frases, e o máximo que eu consigo é repeti-las alternadamente para que pareça que eu estou dizendo coisas novas. Mas eu tenho estado muito ocupado aqui dentro, pensando essas coisas, pra conseguir me colocar pra fora e falá-las.

Eu tão tagarela (e tão tagarela continuo), nunca estive tão atento para o que as pessoas têm a dizer. As pessoas têm muito a dizer, em primeiro lugar. Mas quanto mais eu fique travado pra falar as coisas que tenho pensado, a partir do que eu ouço das outras pessoas e coisas, mais eu reflito nelas, formulo sobre elas, e tenho coisas novas a dizer (que eu quase nunca consigo dizer), e mais eu escuto as pessoas. Eu tenho crescido tanto, com esse meu silêncio, que eu acho que eu tô desenvolvendo super-poderes, telepatia, coisas tipo X-men!

Eu sinto no rosto das pessoas o que elas estão sentindo, e acho que transmito mais o que eu sinto, também. Mas eu não tô sabendo lidar com isso! Tô crescendo rápido demais, tá acelerada, essa história toda! E tem uma outra coisa que tá me assustando mais: Tem um livro de poesia se embrionando dentro de mim.

Fiquei uns dias sem escrever aqui, e esse blog me faz falta. Acabei tendo que escrever sobre mim. Toda vez nos últimos dias que eu tentava escrever sobre qualquer assunto, me faltavam as palavras pra transformar aquela inundação de emoções num post de blog, e eu ficava na impotência silenciosa de posts nem iniciados. Ficava diante do editor de texto do blogger, assim como estou agora, mas sem palavras. Eu tô completamente transformado e estou completamente me transformando, a todo momento. Quando eu tentava escrever sobre as milhões de chamas que queimavam em meu peito, só conseguia formular três frases porcas e nada mais. Só silêncio.

Daí comecei a sentir necessidade de escrever em versos, e isso foi crescendo e se tumultuando dentro de mim de uma maneira tão intensa e interessante que eu até me lembrei dos muitos poemas que eu já escrevi, e que guardo como documentos da minha adolescência alucinantemente esquisita. Já que estou numa adultice alucinantemente esquisita, que tal escrever um livro de poesias?

Eu preciso de um nome, um nome que conceitue a idéia que o livro vai ter, e não posso pedir ajuda a ninguém nesse nome, porque é algo que só eu tenho a dizer, nesse momento. Mas enquanto eu ainda não sei que nome meu livro vai ter, eu escuto as pessoas, e rezo para que Deus ponha nas bocas das pessoas o nome que eu tô caçando. Deus e eu vamos escrever um livro em parceria.

Falar sobre o meu silêncio é falar sobre mim. Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu. Só falo tanto de mim porque não sei mais quem eu sou. Só sei que, mesmo que eu possa estar errado, me sinto muito melhor do que antes. E esse eu novo que eu virei, que eu tenho virado a todo momento, parece estar atraindo coisas bacanas e bons momentos. Vou apostar nesse novo eu, sem medo de perdê-lo quando outros eus quiserem chegar.

E sigo atento ao que as outras pessoas têm a dizer, porque rodeado por essa infinidade de outros eus, como eu e todos os seres humanos estamos, é uma ótima oportunidade pra deixar o nosso eu se encontrar por aí, inventar moda, inventar trocas, trocar idéias, e crescer.

Tenho estado mais em silêncio, mas tenho estado mais atento. Se encontrar comigo por aí, me faça um favor: fale comigo, me faça te escutar. E me deixe te escutar. O silêncio, quando bem empregado, é uma arma incrível. E eu tô muito bem armado!

beijinhos de maracujá!

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Escrever em parceria é a velha nova ameaça!


Eu sei que há certas faxinas que só se faz em solidão, mas escrever em parceria é a velha nova ameaça!

Tudo bem que tudo é coletivo, pra mim isso é clichê, mas ao mesmo tempo é cientificamente comprovado, nós da psicologia marxista já provamos isso, e muitas outras psicologias, apesar de não-dialéticas, também conseguiram sacar esse fato indiscutível. Tudo no ser humano é coletivo, é social, é histórico. Onde há um indivíduo já há coletividade. Uma ação individual é sempre ação coletiva. Não tem como delimitar em definitivo o que é individual e o que é coletivo, porque não tem como a dimensão social, coletiva, histórica, se dar sem dialéticamente ser reproduzida pelos indivíduos, cada um à sua maneira, em sua singularidade. E ao mesmo tempo porque não tem como individualidade alguma se dar sem as determinações coletivas do social e do histórico. Porém, pra mim fica claro que quando o coletivo que está introjetado em mim dialoga com o coletivo que há introjetado em você, um coletivo sintético e mais forte está claramente colocado aí! E sim, eu aposto que esse coletivo oriundo de parcerias é mais forte (posso estar errado nesta suposição, mas tenho certeza absoluta de minha tese) do que o coletivo que existe sozinho dentro de mim. A coletividade de coletividades é mais forte do que apenas uma coletividade. Agora considerando que cada um de nós está inserido em diversas coletividades de coletividades (inserido em diversos grupos), nós podemos ter em um sujeito uma coletividade de coletividades de coletividade. Uma pessoa é uma coletividade de parcerias entre indivíduos, Uma coletividade de coletividades (parcerias) de coletividades (indivíduos), pra que fique mais claro.

Diante disso, eu vou pegar um certo modo particular de vínculo, de grupo, de parceria, de coletividade: a dupla. Mas a pergunta "como fazer o corte feminista nessa reflexão da parceria em dupla?" não deixa de me perseguir em nenhum momento. Só que essa vai ficar pra um outro post, específico sobre isso.

É preciso escrever em dupla. É preciso colocar nossa coletividade individual pra compartilhar idéias com as coletividades individuais de outras pessoas, e fazer dessa troca de idéias um campo de produção acadêmica, de produção teórica para a militância, de procução cultural e artística. A gente precisa permitir aos nossos corpos o encontro. Poder dar as mãos a alguém no percurso de uma produção ajuda a produção a ser mais viscosa. Talvez seja por isso que estamos sentindo um indiscutível aquecimento entre as coisas oriundas de lutas sociais e de tudo o que pensa essa sociedade: porque estamos nos encontrando mais.

Eu estou escrevendo esse texto sozinho, eu estou escrevendo esse blog. Mas se você que está lendo, acha que tem um tema legal pra tratar comigo, que poderíamos escrever em parceria um texto sobre qualquer assunto, vamos marcar a data e eu já tô dentro. Peito e casa em aberto, pra receber essa graciosa vontade de não deixar nada tal como está. Não é que a obrigação seja à escrita em parceria, mas nada impede isso, então façamos junto o que estamos fazendo em separado. Nós temos muito a fazer em conjunto, mas é preciso saber a hora certa de agir, pra não espantar e todo mundo e voltar pra mesma modulação de sempre, repetindo sempre os mesmos sons, na hora certa. É preciso ler sobre nós mesmas e mesmos. Nós somos um mistério indiscutível, e essa galera mané da frança, da alemanha, até dos estados unidos, prejudica lá fora, só, que essa galera não tinha noção do que tá rolando aqui.

O convite é à contaminação, à viralidade... Façamos parcerias, essa é a velha nova ameaça... Aquela velha fórmula de sempre, mas que está mais atual do que nunca. Existem coisas que nós já estamos sentindo há tempos, e só precisávamos de compartilhar.

Se suas idéias valem uma parceria, e se as idéias de alguém se encantaram com as tuas, deixa a pentada rolar! Uma hora as idéias começarão a ter a infeliz idéia de se ajuntar. E eu gostaria de ver isso de perto, mas sei que isso tudo tarefa da próxima geração. Que nossas crianças possam viver mais a experiência da parceria, então! É com esse desejo que eu termino esse texto convidando: façamos parcerias, a coletividade das cletividades da coletividade!

beijinhos de maracujá!

domingo, 15 de abril de 2012

De como as borboletas batem asas


Nos meus sonhos você me abraçava e me apertava e a gente dançava um bolero! E o teu braço envolvia minha cintura, e o meu braço envolvia teu pescoço, e o teu rosto acariciava o meu rosto, e eu sentia o calor do teu olhar.

Nos meus sonhos nossos passos eram fato. Eram certeiros, precisos, decididos. Eu era pérola, você era jóia, e enfeitávamos uma bela noite alegre. Nos meus sonhos eu era serenidade, e você turbulência. Eu era fôlego de susto, e você o susto que me fazia existir!

Me assusta, me dá frio na barriga... Borboletas, como dizem por aí. Você me faz me sentir numa montanha russa, me faz me sentir da lua, vendo a terra nascer e se pôr! Meus olhos se arregalam de susto, porque você é uma existência assustadora. Eu nunca vi nada igual. Eu nunca vi meu planeta de fora, e você me faz me sentir assim: no espaço sideral, fora do meu chão.

O que mais me impressiona é que eu não sei o que é isso. Como é o nome desse sentimento. Eu me sinto como um povo revolucionário após tomar o poder da burguesia, levantando bandeiras vermelhas e cantando odes ao internacionalismo. Eu nunca vi a terra de fora, nem nunca fiz revolução, mas tenho certeza que é um sentimento tão inexplicável quanto esse frio na barriga que você me dá.

Nos meus sonhos a gente canta uma mesma música, uma bela canção de Sérgio Sampaio. E eu tenho a sensação de que ele fez essa música pra você. Quem vai me provar que errei? Você diria que ele a fez pra mim, e eu ficaria com o peito cheio de alegria. E quantas namoradas, e quantos namorados, não diriam a mesma coisa, pensando em alguém com uma canção que nos meus sonhos me faz lembrar você?

Nos meus sonhos nós dois somos um bolero! Ninguém me segura, ninguém te segura, ninguém nos segura. Nos meus sonhos somos uma pessoa só, como Arnaldo uma vez falou. E não somos?

Sim, somos, mas podemos ser ainda mais! Tudo o que eu mais quero... Vamos ser uma pessoa só? Una com tudo o que é no universo, numa suma perfeição espinosista? Vamos fazer do nosso abraço uma oração a Deus? Nos meus sonhos, nós dois somos um bolero delicioso de dançar... Um bolero de puteiro de luxo, uma mistura de Jardim Limoeiro com filme de Tarantino. Se eu pudesse, te levaria pelo mundo, por todos os continentes, pra mostrar quantos lugares são tão lindos e me dão tanto frio na barriga que até me lembram você.

Eu estou aqui, te cantando, tentando te encantar, porque não tem outro jeito de ser feliz que não seja sonhando os belos sonhos em que somos, de forma espantosamente bela, uma pessoa só. Meus sonhos contigo são quentes, são carnais, são belos, são inesquecíveis.

Que tal sonharmos em acordado? Vem me tirar pra dançar!

beijinhos de maracujá!

Prudentes Devaneios (ou Sobre o dom de escamotear)


Às vezes é preciso entender que nem todas as vezes em que dormimos, sonhamos. E não estou falando de noites sem sonho, é que às vezes vem o pesadelo. Às vezes ficar acordado é a melhor maneira de viver sem contato com certos terrores, possivelmente reservados às sonhadoras e aos sonhadores.

Aquarianos, seres nojentamente escorregadios, têm fome de liberdade, sede profunda de voar e viver fora das gaiolas. Ninguém explica esse desespero libertário que queima agressivo dentro de nós, como um ar que alimenta um grande fogo. Somos o combustível do fogo revolucionário, e esse fogo nos consome.

Mas há um preço a pagar por essa afecção que nos toma. Podemos a qualquer momento nos consumir no fogo libertário e acabar restando de nós apenas cinzas libertinas. A qualquer momento podemos nos encerrar em pesadelos, perder o tino e concluir em migalhas de penas caídas tudo o que seria grande vôo. Como exercer a liberdade de maneira prudente?

A liberdade imprudente facilita as chances da bad trip, do pesadelo demoníaco e inquietante. Mas quem disse que a liberdade prudente é garantia de sonhos floridos todas as noites? Às vezes, acordamos no meio da noite, achando que morremos, ou que morreu alguém que amamos, ou que morreu algo de indispensável em nós, ou que morreu a esperança de mudar. Os últimos vinte anos foram um pesadelo desesperançoso, do qual estamos acordando. Nós somos um perigo adormecido. E aquarianas e aquarianos têm um peso grande nisso, pela sede de liberdade. O desejo de construir algo novo aumenta o perigo que nós somos.

Mas não sou de trocar a liberdade pela "realidade", até mesmo porque aquarianas e aquarianos sonham em acordado. Sonhamos com um mundo novo, diferente, e com muita lucidez e concretude, exercemos em vigília o direito de sonhar. Não quero ter medo do sonho, preciso saber fazer da liberdade a minha fortaleza, e não ter medo dela.

O amor é um grande desafio, porque amar em liberdade é para poucas e poucos, nos dias de hoje. No amor, é preciso sonhar acordado, é preciso liberdade prudente, é preciso cuidado para não machucar, para não se machucar. Que o amor seja exercício de felicidade mútua, não uma felicidade idealizada, interminável e monótona. Que o amor seja exercício da vida concreta, com altos e baixos, mas sem aceitação passiva das opressões que o espontâneo nos impõe. Que o amor seja invenção de outro amor, de um amor livre, e que não tenhamos medo de amar.

Ninguém calará o amor sonhador que há em nós. Não é exclusividade das aquarianas e dos aquarianos, a vontade de ser feliz. Cada um tem uma tendenciazinha a procurá-la de maneira diversa, mas ela, a felicidade, seduz a todas e todos. Nós a queremos temperada de liberdade, e esse tempero pode alimentar a todo mundo, pra além de signos e outras convenções. Felicidade temperada de liberdade, amor temperado de sonhos, e meu peito em carnaval temperado de frio na barriga. O coração bate como se eu estivesse no desespero de um pesadelo. É um risco que eu corro ao sonhar.

E eu sonho!

beijinhos de maracujá!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Por uma metodologia vigotskiana na leitura da psiquiatria de Pichon-Rivière!



Esse tipo de idéia é fruto de hidratações capilares no meio da madrugada. Para a galera acostumada com textos mais informais no blog, me desculpe, mas tenho NECESSIDADE de entrar na Hard Science agora:

Pronto! O assunto é o seguinte: a psicologia e a psiquiatria brasileiras e latino-americanas estão carentes, a meu ver, de uma formulação teórica que a ciência deve aos movimentos sociais da Luta Antimanicomial e Antiproibicionista. Essa formulação é uma leitura metodológica da psiquiatria de Pichon-Rivière a partir da psicologia materialista histórico-dialética. Este texto pretende ser uma primeira aproximação a esta formulação, e um marco social da necessidade de sua construção. Pode ser que daqui a pouco abandone esse caminho que começo a traçar aqui, mas acredito que prosseguirei nele, e convido quem mais, no campo da ciência, da aplicação prática ou da militância (ou das três coisas) que queira trilhar esse caminho junto conosco. Fiz opção pela escola soviética da psicologia, principalmente nas contribuições metodológicas de Vigotski, porque entendo que são os trabalhos que mais têm condições de nos permitir levar Pichon para além do ápice do seu avanço na construção de uma psiquiatria social e militante.

Em primeiro lugar, preciso dizer de qual Vigotski estou falando. O compreendo, dentro do cenário da psicologia brasileira e latino-americana, a partir das contribuições de um autor da pedagogia histórico-crítica (cujo principal expoente é Demerval Saviani). Este autor a que recorro se chama Newton Duarte, e uma obra dele é, a meu ver, obrigatória para qualquer pessoa que queira falar sobre qualquer conceito de Vigotski hoje, seja para discordar ou para concordar. A obra se chama "Vigotski e o 'Aprender a Aprender': Crítica às Apropriações Neoliberais e Pós-Modernas da Teoria Vigotskiana", e faz uma sistematização incrível e muito necessária das diversas formas através das quais, em nome de Vigotski, o projeto da psicologia soviética (incluindo aí também o próprio Vigotski) foi distorcido acidental ou intencionalmente. É um texto da pedagogia, mas é também nosso, da psicologia, e faço uma ressalva desde já para que entendamos a grandeza dessa obra: Newton Duarte deixa claro que não faz questão de trabalhar pormenorizadamente o conceito de Pós-Modernismo, e por isso faz uma grande generalização no trabalho dele. Não convém dizer que ele fez o certo ou o errado, mas eu aponto para um outro tratamento marxista para essa temática, apesar de achar que isso não tira em nada o mérito da crítica que o livro faz. Eu aponto para a necessidade de uma crítica séria e dialógica (ou seja, com rigor metodológico no materialismo-histórico dialético) das mais diversas teorias ditas pós-modernas, para que saibamos o que não se sustenta teoricamente, sem perdermos o diálogo com o que essas experiências teóricas produziram. Sinto pobreza no pensamento dialético quando se trata um conjunto tão amplo e variado de teorias como uma coisa só, e a rotula de pós-modernismo, encerrando o debate como se essa coisa "pós-modernismo" fosse um mal do qual o marxismo vai livrar o mundo. O projeto da crítica marxista não é esse e nem deve ser. Não é assim que um pensamento crítico deve operar. Mas a categorização do Newton Duarte é declaradamente por ele avaliar que não era prioridade se deter numa conceituação mais aprofundada de pós-modernidade, e ele inclusive apresenta uma posição, da qual concordo parcial e quase que totalmente, de que o paradigma pós-moderno é expressão acadêmica do mesmo conjunto de interesses que se expressa politicamente no neo-liberalismo (os interesses da atualidade do Capital). Assim sendo, Newton Duarte vai dizer que os interesses por trás da psicologia da escola Soviética, que teve como principais expoentes Leontiev, Lúria e Vigotski, são os interesses classistas do Trabalho, opostos aos interesses do Capital na luta de classes, e portanto, é compreensível que ao longo da história Vigotski tenha sofrido censuras, edições, interpretações superficiais, distorcidas e muitas vezes mal intencionadas de sua obra. A leitura dessa obra de Newton Duarte é obrigatória para pôr essa variação de interpretações de Vigotski em cenário, e forçar que definamos a qual Vigotski nos filiamos em nosso trabalho, e eu entendo que Newton Duarte ajuda a elucidar alguns equívocos para que cheguemos ao Vigotski, na sua fonte, com mais clareza da intencionalidade de sua obra.

Em segundo lugar, sugiro as leituras de um autor que eu considero que exemplifique muito bem qual prática acadêmica vigotskiana defendo e sigo. Esse autor se chama Achilles Delari Jr., e eu deixo aqui um link onde uma série de artigos e textos seus podem ser lidos: 
http://www.vigotski.net/casa.htm#textos A referência nesta obra de Newton Duarte e na obra completa de Achilles Delari Jr. (na verdade, na obra completa dos dois), nos instrumentaliza para sabermos como usar Vigotski, mas deixo claro desde já que a responsabilidade do que farei com Vigotski a partir daqui é minha e não destes dois autores. As suas obras são apenas ferramentas das quais lanço mão para meu trabalho sobre a obra de Vigotski.

Da mesma maneira, posto tudo o que foi dito acima, lanço mão da obra de Vigotski como ferramenta para trabalhar sobre a obra de Pichon. Então em terceiro lugar sugiro uma leitura que pode nos ajudar nos próximos passos desse percurso aqui iniciado. No Brasil a editora Martins Fontes lançou uma obra de Vigotski com o nome "Teoria e Método em Psicologia", e esse livro, coletânea de textos, pode nos dar muita noção do quão grandiosa é a lucidez e a consistência metodológica de Vigotski, e do quanto ele trabalhou para nos deixar armadas e armados de uma práxis científica crítica em psicologia, mas ao mesmo tempo profundamente teórica, conceitual, sistematizadora e passível de diálogo com as mais variadas formas que a psicologia toma. Em um longo texto presente nesta publicação, Vigotski fala "Sobre o sentido histórico da crise da psicologia", e vai debater sobre a necessidade de constituirmos uma psicologia geral, espaço de síntese entre as diversas produções de saber dentro da ciência psicologia. A unidade dessa nossa ciência faz parte do projeto metodológico vigotskiano, tanto quanto a crítica como prática dela. Por isso sugiro a princípio as noções que Vigotski traz em outro texto do mesmo livro já citado, cujo nome é "O Método Instrumental em Psicologia". Acredito que o conceito de Ato Instrumental é um bom lugar para se começar a pensar conceitualmente a teoria da constituição da loucura no argentino Pichon-Rivière. E se o que estou propondo aqui funcionar na prática, pretendo escrever uma continuação deste texto, e aprofundar nos conceitos vigotskianos que nos serão úteis.

É preciso deixar claro, nessa segunda parte deste texto, que eu não conheço tanto a obra de Pichon quanto a de Vigotski, e preciso reconhecer essa limitação. Esse texto que escrevo é uma contribuição de alguém que está COMEÇANDO a ler mais sistematicamente o que Pichon deixou, e isso impõe, é claro, uma incerteza no percurso a ser trilhado a partir daqui. Mas pra mais uma vez deixar referência bibliográfica, esse texto é escrito embasado na leitura das primeiras páginas do livro "Teoria do Vínculo", que também foi publicado no Brasil pela Martins Fontes. Conforme eu me aprofunde na leitura deste e de outros livros de Pichon, vou escrever novos textos como este aqui no blog, para quem quiser construir esse projeto junto comigo.

Fica evidente para mim que Pichon rompe parcialmente com a psicanálise, ao afirmar que uma teoria de constituição da experiência psíquica tem três dimensões bem claras para ele, apesar de dialeticamente articuladas e indissociadas. Em suas próprias palavras, "Existem três dimensões de investigação - a investigação do indivíduo, a do grupo e a da instituição ou sociedade -, permitindo três tipos de análise - a psicossocial, que parte do indivíduo para for; a sociodinâmica, que analisa o grupo como estrutura; e a institucional, que toma todo um grupo, toda uma instituição ou todo um país como objeto de investigação. (p. 2)". Aqui Pichon claramente diz que a psicanálise não dá conta de tratar sozinha destas três dimensões, porque o fenômeno da loucura e da constituição psíquica também contém elementos pertinentes ao campo das lutas sociais. Porém ele vai dizer que as lutas sociais também não dão conta de compreender o fenômeno da loucura sem os elementos oriundos da psicanálise. A ruptura com a psicanálise é parcial, e acho que apesar de não podermos jogar no lixo as contribuições psicanalíticas, podemos levar a psiquiatria de Pichon para um estágio ainda mais autônomo em relação à psicopatologia psicanalítica. O caminho metodológico pra isso, como já disse, acredito ser vigotskiano/marxista, mas isso pede a compreensão dos fenômenos psiquiátricos como decomponíveis até a menor unidade possível, que é a meu vero próprio ato instrumental de que Vigotski fala.

Falando rapidamente acerca do assunto. Vigotski acredita que existe uma diferença entre a decomposição até a unidade e a decomposição até o elemento. Decompor a água até a menor unidade possível e decompô-la até a molécula de H2O, o que permite encontrar ainda afecções, características, próprias da água. Decompôr a água para além disso nos leva aos elementos, Hidrogênio e Oxigênio, mas perde-se aí a unidade, e o elemento sozinho não explica as características do fenômeno estudado como a unidade nos permite. A unidade de um fenômeno psicológico seria aquilo que nos permite conceituar diferentes traços da formação psíquica sem perdermos suas características e nos perdemos numa análise meramente elementar. O ato instrumental é uma unidade da psiqué, segundo Vigotski, que é composta por três elementos, análogos aos do processo de trabalho descrito no capítulo V do Capital de Marx, porém voltados para a transformação interna do homem, e não para a transformação do mundo como o trabalho classicamente definido. Esses três elementos são o estímulo objeto, o estímulo instrumento e a resposta. A novidade em relação ao esquema estímulo-resposta clássico, Pavloviano, é justamente a presença desse estímulo instrumental, que age não sobre o estímulo objeto (sobre o mundo), como seria no trabalho técnico, mas sim sobre a própria resposta (sobre a psiqué do sujeito), no caso do ato instrumental. Com um pouco de clareza do texto Vigotskiano sobre o tema, dá pra entender que ele está esboçando conceitualmente um método de análise possível de aplicação a qualquer  fenômeno psicológico humano. O ato instrumental é o que permite à psiqué humana existir dentro da história, dentro do social, já que é o estímulo instrumento, ou instrumento psicológico, que permite inclusive a mediação entre consciências (intrapsicológica).

Ponto. Aqui Pichon e Vigotski se encontram. Aqui o conceito elementar de instrumento psicológico (que só funciona em unidade se articulado com os outros dois elementos do ato psicológico) se torna o estímulo que permite o vínculo presente tanto na análise psicossocial, na sociodinâmica quanto na institucional. Um desafio que devemos seguir, é entender empiricamente como cada um desses três tipos de atos instrumentais se dão. O instrumento psicológico é a ferramenta através do qual todo ser humano se relaciona com o mundo, consigo mesmo e com outros seres humanos. Através dele, em suas diversas nuances, é que é possível o vínculo do indivíduo com o objeto, com o outro, de que tanto Freud quanto Pichon falam. Estou aqui fazendo um exercício teórico até muito prolíxo, por ser uma aproximação inicial, mas a utilidade de Vigotski na leitura de Pichon não é, a meu ver, apenas na revisão de literatura. Fica claro, já nas primeiras páginas da "Teoria do Vínculo", que a principal potência de Pichon é na observação empírica do sujeito na sua vivência grupal, seja em qual nível de análise for. Entender a indissociabilidade entre individual, grupal e institucional dá a Pichon uma radicalidade rica para que observemos a loucura hoje, dentro do paradigma da Reforma Psiquiátrica (e consequentemente, dentro da investida manicomial da psiquiatria conservadora), e entendamos como ela se constitui na relação com a atualidade dessa sociedade. É preciso levar a lucidez de Pichon para dentro dos CAPS, dos Hospitais Gerais, das Residências Terapêuticas, mas também dos Hospitais Psiquiátricos, das Comunidades Terapêuticas, das Clínicas particulares. É preciso levar Pichon para as ruas, para dentro da família patriarcal, é preciso levá-lo para o feminismo, e levar o feminismo para ele, ou seja, levantar os temas candentes hoje, para entender como o humano enlouquece em 2012. Vigotski nos ajuda a preparar Pichon teoricamente para essa empreitada empírica posterior, para que ela seja através do método materialista histórico-dialético, e para que não precisemos ficar pra sempre recorrendo às teorias alemãs, americanas e francesas pra entender a realidade da loucura brasileira e latino-americana.

Sei que deixo muitos buracos neste texto, mas nem me desculpo por isso, não tinha como ser diferente, são aproximações iniciais. Para quem quiser preencher lacunas nesse trabalho, tanto no bibliográfico quanto no empírico, basta entrar em contato. Esse caminho vai ser mais agradável de trilhar e mais produtivo se trilhado em boa companhia.

beijinhos de maracujá!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Radicalidade é a velha nova ameaça!