sábado, 30 de junho de 2012

Meu peito felino



Meu peito, canino, se seduz com facilidade, se seduz por qualquer coisa, qualquer pessoa, qualquer lugar e qualquer ocasião. Eu sou tão fácil, tão dado, tão assanhado. Qualquer piscadela me convence, me captura. No entanto, por fora eu sou felino.


E cada vez mais, felino estou. Aprendi o jeito felino de demarcar território, já que a agressividade territorial dos cães me incomoda. E aprendi o jeito felino de lidar com a sedução: frio. Como todo fixo de ar deveria ser, aliás.

O hedonismo dos cães os põe em perigos, porque é um hedonismo burro, meio cego, entregue a tudo e aos prazeres do acaso. O dos gatos é esnobe (entre o fixo de água e o fixo de fogo). Sim, felinos são vaidosos. Não é a toa que chamam àquele signo "Leão". Não é a toa que elogiamos a beleza de alguém dizendo que está "gato", ou que é "gata". No entanto, quando alguém apronta demais: "cachorro!". Não que os cães sejam, mal intencionados, só são atrapalhados demais. A domesticação os distanciou do que havia de forte em seus parentes selvagens, mais do que separou os felinos. E é aí que eu gosto das cadelas de rua. Porque territorializar fica para os cães, que por sinal também são péssimos no trato com as cadelas. E elas, atraindo sem o querer, são as verdadeiras donas das ruas. Rainhas absolutas da podridão, da baixeza e da falta de pudores e bons costumes. Cadelas (em especial as no cio), falam muito de mim, pelo simples fato de existirem. Venho de Feu Rosa, terra de madrugadas caninas, e sou um habitante das madrugadas de Feu Rosa: sei como as noites são outras quando as cadelas estão no cio. A reação delas e deles a nós, humanos,  é completamente diferente. Eu, como humano bom observador, sinto os sentimentos por trás de tudo isso, e me identifico com as cadelas no cio.

Mas cada vez mais, felino estou. Cada vez menos me pauto no altruísmo excessivo que sempre me balizou, cada vez mais, aprendo que se eu não pensar em mim de vez em quando, posso não estar de pé pra pensar nos outros daqui a pouco. Para o bem dos outros: pensar em mim.

Sou de muitas palavras, então decidi ficar mais calado. Tem gente para quem eu não preciso mesmo oferecer muitas palavras. Tem gente que não merece muito mais do que o meu silêncio. Que minhas palavras sejam cada vez mais raras, e cada vez mais vistas como um presente. Raro presente. E da mesma forma, mudar o jeito de ser muito carinhoso: se antes eu, canino, tinha carinho pra todo mundo o tempo todo, agora que estou mais felino, sou frio como um fixo de ar, e deixo todo mundo privado de meus carinhos. Para quem não o queria, será o incômodo a menos; para quem gostava dele, que faça por merecer. E assim que eu julgar que alguém merece meu carinho, serei o mais carinhosos dos hedonistas felinos. Tenho uma tonelada de carinhos guardados.

E tenho também muito desprezo. Eu passei mais de vinte e quatro anos tão pouco ciente da lição do desprezo, porque só conhecia dele o lado que eu sempre desprezei. Mas descobri com os felinos que tem um lado do desprezo que é um grande companheiro: existe no mundo muita coisa, pessoa, lugar e ocasião que merecem desprezo, até mesmo que precisam de desprezo. Descobri também que eu ás vezes preciso dispensar desprezo pra seguir por um bom rumo. Estou tomando um rumo felino.

Por fim: felinos guerreiam. Felinos são safos sem perder a elegância. Nós, cadelas no cio, sabemos sempre o que fazer, mas o fazemos sempre sintonizados com esse mundo mágico e assustador da podridão. Já os felinos, sempre têm um jeito muito ajeitado de lidar com as adversidades, e eu quero poder lançar mão dessas duas formas de me safar. De acordo com as conveniências, quero poder me ajeitar conectado às redes do submundo que eu amo, mas quero também poder sair, alinhado, aparentando nenhum arranhão, com pose, pompa e cabeça erguida. Quero apreender mais essa faceta da Vontade Guerreira, que é a faceta felina: ter sete vidas, sempre cair em pé, e nunca sair desajustado de um conflito. (...) Já nascemos livres!

Mas não queira adivinhar se eu sou gata ou sou cadela: eu sou trepadeira!

beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O que será de nós?



O que será de mim? Sou um pássaro novo longe do ninho, sou uma criança e não entendo nada.

A velocidade das coisas do mundo é tão ligeira, e está sendo tão ligeira, que só me resta olhar para o futuro com um profundo frio na barriga, e sorrir das incertezas que tanto me dão emoção e tensão. É o destino brincando conosco. Qual o prazer que as peças de um jogo de xadrez têm, em ser movidas por uma mão imperiosa, que não avisa onde quer chegar com cada passo? Acho que não somos o equivalente a peças num xadrez, acho de verdade que não existem peças fora de uma pessoa que joga, nem existe uma jogadora fora das peças e do tabuleiro. Quem joga é peças e tabuleiro, e nem tem tanta noção assim do rumo que tá tomando esse jogo que se dá dentro dela. A surpresa nos guia, sem saber para onde estamos indo. E nós tampouco o sabemos.

O que será de nós? Estamos tocando a vida, estamos lutando, estamos tentando fazer certo e estamos na errância. Todas e todos estamos vivendo ao vivo o ensaio para a vida. A vida não nos deu oportunidade de ensaiar antes do espetáculo, a vida é o ensaio e é também o espetáculo. Ou seja: qualquer erro, é ao vivo. E como lidar com uma vida sem ensaio prévio, em que você interage o tempo inteiro com outras atrizes e outros atores, igualmente ensaiando ao vivo? A gente se toca, se encontra, se acaricia e se fere, se ofende e se alegra, se humilha e se exalta. A gente aprende a viver vivendo, e errando, machucando, se machucando e sendo machucadas e machucados. A vida, a surpresa, o destino, tomando conta de nós.

De repente, me deu uma vontade de falar a vocês, e não sei se você que está lendo isso agora, se esse parágrafo é destinado a você ou não, mas às pessoas a quem ele é destinado, me deu vontade de falar uma coisa (mesmo que não cheguem a me ler): estou tão suscetível às intempéries do destino, e sinto que o que existe entre nós, como seres humanos, é tão forte e tão frágil, que eu rezo ao aço de meus nervos que não ceda. Porque meu coração é de manteiga, daquelas que já vêm com sal. Eu estou, por incrível que pareça, no auge da instabilidade e no auge da solidez. Cada vez mais eu vejo a fragilidade de nossa condição, e a beleza que há no fato de não sermos deuses, a beleza que há no milagre de subvertermos nossos sofrimentos, a beleza que há no risco de desabarmos a qualquer momento. E diante dessa fragilidade, eu tenho cada vez mais certeza de que é humano que ama humanos o que eu quero ser, humano que luta a luta humana de sermos cada vez mais humanos na poesia, força e amorosa luta, e cada vez menos humanos na destruição de nós mesmos, uns dos outros e de tudo o que há. E eu só amo pessoas que amam essa luta, porque amor escolhe a gente, mas só quando a gente escolhe amar. Às pessoas que eu amo, eu gostaria de contar que estou tremendo, morrendo de medo do futuro, sem saber o que será de nós daqui pra frente. Preciso de um pouco de certezas sobre o futuro, porque do futuro eu só tenho dúvidas, e certezas eu só tenho quanto à nossa condição. Cansei da instabilidade de não saber o que será de nós. Mas minha vontade não é suficiente para fazer com que a vida e o destino se revelem tão claramente assim.

O que será de nós? O que será de mim com meus erros? O que será de vocês, com seus fios, tecendo comigo o meu destino, e tendo seus destinos tecidos também por mim? Ao mesmo tempo que a conjuntura é de cada vez mais lutas, mais força, mais desafios e dificuldades, também tem uma incerteza profunda no meu peito: serei eu capaz de sobreviver, amando do jeito que eu amo, ao novo momento inevitável que se aproxima?

Que o caminho nos dê força, para que nossos pés o pisem firme.

"E a cada hora que passa, envelhecemos dez semanas".

beijinhos de maracujá!

quinta-feira, 28 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

Aliste-se já!



Somos uma geração que brilha! Que bom, porque são tenebrosos os tempos que nos aguardam... Pelo menos é o que a conjuntura nos aponta: tempos tenebrosos, mas também tempos que abrem pra grandes rupturas. Pra saber sobreviver às trevas e efetivar tais rupturas revolucionárias, que tal a gente ter fogo de esperança no peito?

Gente, eu estou procurando pessoas que estejam assim:

1) Achando que o sistema tá errado, que tem coisa que não tá certa, e que seria bom se tivesse como mudar certas coisas;
2) Com uma insatisfação entalada na garganta, que dá vontade de fazer algo, de berrar algo, mas parece que falta a palavra que completa a frase perdida;
3) Com um sentimento que parece que tem uma coisa perdida, um caminho bom pra fora desse esquema tenebroso, e que só falta mais gente que queira tentar encontrar esse caminho perdido, ou mesmo inventar ele, se ele inexistir mas for possível abrir essa clareira;
4) Com um sentimento inexplicável, mas que se a gente prestar bastante atenção, até parece uma certeza, certeza de que as regras do jogo não estão funcionando, como se estivesse tudo desmoronando e todo mundo fingindo que não estamos afogados no caos de um sistema falido. Sentimento e certeza de que o sistema tá falido e de que ele não tá conseguindo garantir pra ninguém a felicidade que ele promete;
5) Com uma vontade louca de lutar pra transformar essa sociedade, e construir outra sociedade, com mais igualdade, com mais respeito às diferenças, sem opressões, sem explorações, sem uso imbecil dos recursos naturais disponíveis (por enquanto) para a espécie humana;
6) Com um grito de liberdade entalado no peito!

Você quer a liberdade? Ela também te quer!

Se a liberdade tem por ti amor recíproco, ousar o prazer lutador e a luta prazerosa é a velha nova ameaça! Vida é coisa que se inventa e reinventa, morte é uma ocasião, não uma certeza. Temos certeza de que ocorrerá um dia, mas certeza nenhuma de quando. Também não temos certeza de que o sistema falido durará, e já que estamos fartas e fartos de tal falência (eu, pelo menos, estou farto), que a nossa geração rompa o rumo que as estrelas nos impõem. Quem escreve nossa história somos nós!

Se vocês se enquadram no perfil descrito acima, entrem em contato por favor! Estamos alistando guerreiras e guerreiros que se identifiquem com o perfil demandado para participar de nosso exército.

Junta de Serviço Militante do Blog Artifício Socialista

beijinhos de maracujá!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Organizar



Organizar, gerir de forma eficiente. Colocar as coisas em seus devidos lugares. Limpar o que está sujo, não deixar a sujeira se acumular. Pôr todo mundo pra fazer o que deve ser feito, dirigir os processos para que eles sejam bem geridos. Saber me dirigir, e saber dirigir os outros. Saber ser dirigido, saber cumprir as atribuições que me são delegadas. Saber escolher a minha direção, tanto a direção que vou seguir como caminho, quanto a direção que vou seguir como pessoa que me dirige o rumo. Ter uma boa linha, uma linha justa. Sintetizar opiniões diversas, linhas diversas, construir unidade. Saber a hora certa de divergir, organizar críticas, formular idéias de forma coerente e sucinta. Três minutos de fala, conclua, companheiro.

Organizar as divergências inconciliáveis. Sistematizar o que não não cabe pra definir pra que lado cada um vai. O maluquinho organizou assim: 

Cada lado tem seu lado 
Eu sou meu próprio lado 
E posso viver do lado 
Do seu lado que ela meu 

Organizar no peito os sentimentos. Confusos sentimentos. Dor, alegria, preguiuça, repulsa, amor, irritação, intolerância. Organizar nos braços e no tórax os sentimentos de dentro do peito e transformar sentimentos em abraços. Abraçar forte pra contar o que sente. Um abraço pode organizar, ou desorganizar. 

No meio de tanta confusão, acho que o jeito é tirar um cochilo e rezar pra tudo estar no lugar quando eu acordar. 

beijinhos de maracujá!

Diante dela


A paixão não me cala

Eu é que me calo diante dela
A paixão deixa minha vista
Colorida feito aquarela

Sempre me sinto alucinando
E então fico calado
Com medo de falar besteira
E de fazer tudo errado


beijinhos de maracujá!

Divagações de facebook: sobre o silêncio e a solidão




São outros tempos, e eu também sou outro. Não sei o que fazer com os sentimentos que me afogam, estou extremamente inábil, destituído de força pra continuar fingindo pose, pra continuar teatralizando essas ceninhas sociais patéticas. Decidi romper com uma boa parte das mentiras que nutrem nosso cotidiano humano: agora eu me forço a me calar.


É difícil porque, como sabem, sou viciado em falar (e atribuo isso a ser viciado em buscar aceitação social. Falo porque a linguagem me integra e morro de medo da solidão, mas é dela que tenho precisado, volta e meia, nos últimos tempos). Então tenho me calado, com uma certa freqüência, e isso tem incomodado. Até já suspeitaram que eu fosse mafioso por causa disso. Mas não, só estou exercitando o silêncio, tentando me livrar um pouco dessa grande dependência que tenho de vocês, ficando um pouquinho mais só comigo. Ser solitário em alguns momentos tem sido índice de saúde pra mim, ultimamente.

Mas a grande ruptura foi São Paulo. Sem sombra de dúvidas a minha última ida a São Paulo mudou tudo. Fui recebido com o calor às avessas da cidade, vivi nos dias em que estive lá um momento de grandes emoções, que rasgou meu coração, e voltei pra Vitória me sentindo outra pessoa. E é justamente isso que gostaria de anunciar aqui, nesse texto que estou escrevendo neste momento: sou outra pessoa.

A solidão que já vinha buscando, acelerada pela solitária cidade de São Paulo, no meio de um processo político e afetivo traumático, me deixou outra pessoa. Do José Anezio antigo, só tenho os números de CPF e RG. O resto tudo mudou. Tenho hoje uma reflexão mais aguda e mais apressada de tudo, tenho menos sentimentos no peito, e sentimentos mais intensos. Não me congelei, mas sem sombra de dúvidas, estou muito mais sólido.

Desaprendi o que são algumas das palhaçadas do amor. Agora amo com sinceridade, e às vezes, por não achar palavras pra dizer algumas verdades, fico calado. Às vezes fico calado por outro motivo: por achar que as pessoas presentes no mesmo ambiente que eu, naquele determinado momento, não merecem mais que o silêncio. Mas ainda tem isso aí rolando: um silêncio por falta de palavras pra ser sincero. Não sei se estou amando menos, acho até que estou amando mais. Mas meu amor se tornou mais cruel. Não tenho mais dó de substituir pessoas, já que sempre fui substituível por quem sempre achei que jamais eu substituiria. A idéia de que nas relações humanas a fila anda, idéia cruel, hoje me faz sentido mais do que nunca. Estou aberto a boas relações, e desapegado das que não me agradarem. Não serei jamais frio como os paulistas, mesmo porque nunca fui nem nunca serei capaz de ser frio nem como os capixabas... Mas não serei mais tolo de gastar meu calor a toa.

Uma coisa que peguei dos paulistanos é a pressa. Agora não tenho mais aquela lentidão que aprendi em Feu Rosa a minha vida inteira. Estou sempre pensando dez (ou dez mil) passos à frente. Estou sempre calculando friamente, e se estou me fazendo de lento, isso foi calculado. No amor e na morte não tem segunda chance. A segunda chance no amor é um novo amor. Na política não tem segunda chance, porque nem tem primeira. A política é o mais cruel dos amores: um povo que quer mudar seu rumo, nunca tem chances, ele tem que arrombar brechas no destino, porque o destino foi feito pra calar os povos.

Entendi uma coisa da alma dos paulistanos, que preciso contar pra vocês: são seres solitários, e é isso que faz deles tão eficientes. Eles não esperam todo mundo estar preparado pra dar o próximo passo: basta dar oportunidade de todo mundo estar ciente, e quem teve chance e não aproveitou, será atropelado. Essa é a lógica natural de quem consegue viver numa cidade que atropela. Arquitetonicamente, socialmente, afetivamente, artisticamente, de todos os modos. Vitória é uma cidade lenta, a frieza capixaba é frieza de quem tem vergonha de não ser aceito, e então evita contato. Paulistano sabe que sempre será rejeitado se tentar interação. Por isso é que paulistanos não se falam nas ruas. Por isso e por outro motivo: quem busca interação nas ruas, quase que em cem porcento dos casos, quer tirar proveito da interação, tirar proveito do outro. Mas é claro! Se as pessoas que não querem usar outras pessoas, nunca interagem, claro que a interação vai virar arma apenas dos que querem usar outras pessoas. Assim sendo, paulistanos sabem que não podem contar com ninguém, que precisam dar conta de suas tarefas sem ninguém, e que se não derem, não sobreviverão. Então todo mundo aprende a ser eficiente pra sobreviver.

Não sou tão bom, não sou um paulistano. Fiquei apaixonado com a dinâmica incrível dessas almas que desvendei por lá, porque essa gente consegue viver no meio do cinza, de uma forma que chega até a ser muito linda. Por que é que São Paulo é tão amarga e ao mesmo tempo tão amada? Não é um inferno, é só um lugar duro, mas se a vida está sendo possível lá, é porque nós seres humanos somos capazes de superar todo tipo de adversidade.

A energia que faz nossa espécie conseguir suportar a crueldade insana de São Paulo, se dirigida a outras formas de luta, nos levaria muito longe, e é nisso que eu acredito. Eu sempre sofri com a frieza de Vitória, por isso sofri tanto com São Paulo, em Feu Rosa sempre tive calor humano, e é um bairro que perdeu calor ao longo dos anos, mas continua quente. Como feurrosense serrano que sou, me encanto que as pessoas consigam se adaptar a Vitória, mover suas energias a isso, e também que consigam se adaptar a São Paulo. Eu consigo em relação a Vitória. Quanto a São Paulo, fumei infinitos cigarros por dia, e nem sou fumante. Mas experimentar a solidão de lá era uma aula que eu precisava, pra prosseguir no meu curso de solidão e silêncio.

Não sou pro bico de vocês, pouca gente que está lendo isso aqui pôde me conhecer por completo. Pouca gente o quer, e os que não querem, não sabem o que estão perdendo. Eu carrego o segredo do mundo no meu coração.

Carrego como cada uma e cada um de vocês carrega, mas não tenho tempo pra ficar pesquisando o coração de todo mundo, então acho que é por aí mesmo: cada um na sua, e que o amor seja capaz de nos tirar da mais completa solidão, porque ela é um bom refúgio contra as companhias inúteis, que só desolam e nada trazem de novo. Amar é um exercício cruel.

Por fim, acho que seria legal revelar o motivo dessa busca pela solidão e pelo silêncio: quero parar de gastar minha energia e meu amor a tôa. Pra ser uma boa companhia a quem fizer por merecer. Acho que esse amor cruel me deixa mais apto a ajudar a revolucionar o mundo do que aquele amor bobão de cachorro doméstico que eu tinha antes. Sou cadela no cio. Não das ruas de São Paulo, e sim das de Feu Rosa.

beijinhos de maracujá!

sábado, 16 de junho de 2012

Por um Canto de Sereia


Por um Canto de Sereia

Me acomete um pensamento bem direto:
De que nenhum ser humano é objeto,
Que eu calculo e sei bem o que fazer,
Posso julgar, determinar, posso dizer,
Posso usar, posso comprar, posso vender
Classificar, demonizar e ofender.

Eu confesso que adoro seduzir!
Sedução: meu passa tempo preferido!
Se eu pudesse não humano ter nascido,
Ter um sangue não humano em minha veia,
E pudesse ter meu modo escolhido
Com certeza escolheria ser sereia.

Cantaria pra encantar por todo canto,
Todo mundo que encontrasse por aí,
Seduzindo pra idéia que me toma
Uma idéia que ainda tento digerir:

De que nenhum ser humano é objeto,
De que como ele me fere (eu sendo humano),
Ele também pode por mim ser ferido,
E de que como ele se porta leviano,
Leviano também posso ser, ter sido.

Mas como eu nasci humano, e sou assim,
Tão humano que seduzo apenas a mim,
Meu narcisismo me alerta coisas boas:
Que eu não sou objeto, sou humano,
E que todos os humanos que eu odeio
São tão humanos quanto todos os que amo.

beijinhos de maracujá

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Carta do Futuro para Nós!

Por favor, leiam com carinho e atenção, leiam com amor e coragem, que eu preciso repassar uma mensagem importante:




Nós somos de uma geração que nasceu quando uma galera que lutava muito começou a parar de lutar... A gente era muito pequeno, ou nem tinha nascido, e rolou queda de muro em Berlin, queda da estátua de Lênin na URSS. A galera hoje sabe o que é URSS?

Aí meteram na cuca da gente que comunismo não funciona, e que nenhuma tentativa de transformar funciona, e que a melhor transformação é transformar só dentro da gente e deixar o resto como está. E a gente foi acreditando nisso!

Mas o mais grave não é isso... É que a galera que não nasceu junto com a gente (que nasceu antes), e que era grande quando viu cair muro e cair estátua (principalmente quem era adulto quando viu Collor ser levantado e derrubado, quando viu FHC presidente, quando viu a filha da Glória Perez morrer, e o PC Farias, e os Mamonas, e o Senna, e o Chico Science, e viu Raimundos e É o Tchan surgirem e imperarem por anos), essa galera desanimou. Essa galera perdeu esperança, depositou todas as suas esperanças num Lula-lá-zismo, num jeito tão pobre e frágil de acreditar, que qualquer coisinha fragiliza essa crença, essa esperança. E fragilizou.

A gente viu o depositário de todas as esperanças (das esperanças que venceram os medos), se tornar príncipe da desesperança. Tanto que Dilma usou contra Serra o mesmo medo que Serra usara contra Lula oito anos antes: e dessa vez funcionou. Serra tentou fazer uso da desesperança, pra mostrar que os oito anos mágicos foram uma decepção, e que só a volta ao jeito de antes poderia melhorar o que piorou, tentou usar da desesperança pra mostrar que só quem foi comprado com as migalhas petistas estava satisfeito. Só que migalha tem uma vantagem. Não precisa de uma grande quantidade dela pra comprar muita gente, então com mixaria uma parcela você compra com migalhas, e outra você compra com medo. O discurso da desesperança ameaçou dar certo, e os migalhentos ficaram morrendo de medo de perder as migalhas. Dessa vez foi o medo que venceu, mas quem ele venceu foi a desesperança.

Esse é o nosso retrato, o retrato de um tempo em que as gerações antigas se desesperaram, ficaram encurraladas entre as duas únicas alternativas que os olhos deles podiam enxergar: o medo e a desesperança, cada vez mais encurraladas, porque antes era a esperança frágil contra o medo, agora é o medo contra a desesperança, e as três coisas se sustentam na idéia de que só a urna é suficiente pra sermos livres. As gerações antigas, encurraladas cada vez mais entre alternativas para míopes, ensinam a desesperança e o medo para nós, gerações mais novas. Nós crescemos no sonho da frágil esperança lulalazista e urnista, nós perdemos as esperanças junto com nossas velhas e nossos velhos, nós compramos o medo junto com as lições da geração que nos antecedeu, pra não deixar a desesperança venceu.


A desesperança venceu, e nós, hipermétropes (que enxergamos mal de perto mas vemos maravilhosamente bem lá longe), começamos a perceber o que os velhos não viam: que o medo não tá funcionando. A gente começou a ver que tá tudo ruindo e a gente tá fingindo que tá tudo bem só pra não admitir que na verdade a gente se acomodou com o desastre, por desesperança. É isso mesmo: o nosso medo é medo de admitir que também estamos desesperados, é medo de admitir que não tá bom e voltar a antes, como era pior. A geração que era adulta quando viu Senna morrer, não enxerga que sair das migalhas não é um caminho só com a via de volta à falta delas. Podemos sair das migalhas andando pra frente, e nossa geração (que não aprendeu a desesperança na pele, que recebeu ela apenas por transmissão oral), tá conseguindo olhar pra frente, e começando a contar pras velhas e pros velhos que nossos olhos jovens conseguem ver coisas que os olhos velhos não conseguem ver. E o mais legal é que tem coisas que os olhos velhos não enxergam, mas que os ouvidos velhos escutam.

A gente tá reaprendendo a esperança que nossas mães e nossos pais desaprenderam, e a gente tá reensinando isso pra elas e pra eles. 2011 foi o ensaio disso, 2012 tá sendo o primeiro episódio. Viva à nossa hipermetropia, que aprende com a miopia da galera mais antiga, mas também ensina coisas pra ela. Essas duas gerações em briga são igual e diferentemente cegas, mas essas gerações em parceria enxergam tudo o que é necessário pra seguir em frente.

Só que, me desculpem, mas eu tenho escutado muitos velhos que me escutam, e a gente tem visto coisas incríveis que alguns velhos se recusam a ver, ignorando o que nós, jovens, podemos ensinar. Essa velharia, nós PRECISAMOS enfrentar, até pra ver se ela acorda! E precisamos enfrentar também os jovens que acham que enxergam menos que os velhos, e que por isso nós jovens devemos nos calar, e só escutar o que os velhos dizem, e que por isso querem que os jovens que olham pra frente se calem. NÃO NOS CALAREMOS! Agora é a nossa hora! O futuro se abriu diante de nós, como uma bela mulher nua que se deixa mostrar pela primeira vez para adolescentes desconhecedores do amor. Ou talvez não uma bela mulher, um belo homem, uma bela travesti, não sei. Essas e esses adolescentes estão ainda aprendendo a amar e Milton falou que "Qualquer maneira de amor vale a pena". A gente quer o futuro, essa é a nossa oportunidade, a oportunidade que o futuro nos deu! Não a percamos! Não nos calemos! O presente está nos dando uma lição, que quem era adulto quando viu Senna morrer, desaprendeu. Uma lição que por vinte anos ficou escondida, e que agora volta. E a lição é: Lutar vale a pena.

2011 foi um ensaio, 2012 está sendo o primeiro capítulo. O mundo acaba em 2012. E um novo mundo começa: O mundo que acaba é aquele em que a luta não fazia mais sentido, em que precisávamos escolher o menos pior pra não fazer o caminho de volta. O mundo novo é aquele em que avançamos.

O que a gente ainda não descobriu, e que 2012 vai nos mostrar, é que nós podemos duas coisas: uma que nós já sabemos que podemos fazer, e uma que a gente ainda não sabe, mas vai descobrir. A primeira nos fará agüentar até que comecemos a fazer a segunda. A primeira é que nós podemos cantar. A segunda é que nós podemos voar!


"Se arme de amor e coragem
Que a minh'arma eu nunca embainho
Se arme de amor e coragem
Como a rosa se arma no espinho
Na tragédia, poesia, na prosa
Tem picada feroz e carinho
Se arme de amor e coragem

Que a minh'arma eu nunca embainho

Que a minh'arma eu nunca embainho"

(Ednardo)


beijinhos de maracujá!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Oração Desarvorada


Deus
Tu que és Natureza
Tu que és toda causa e todo efeito
Tu que és ser sumamente perfeito
Tu que tens todo tipo de jeito
De ser

Tem piedade de mim não
Tem paciência
Porque eu não passo de um amante
Da ciência

Tem paciência pr'eu poder
Tecer destinos
Ajudar moiras
Costureira e clandestino

Me dá pedaços de futuro
Preu montar
Quero forjar um tempo novo
Ajuda cá

Quero fazer de ti
Cada vez mais humano
E dos humanos, cada vez
Bem mais insano

E do insano
Cada vez mais divertido
E da diversão
Cada vez tu menos ferido

Deus, por favor
Sejas mais eu, me sejas mais tu
Meu coração me manda negar, e eu só afirmo
Meu coração me manda afirmar, afirmo mais
Meu coração me manda mandar em mim
Não posso
Meu coração e eu não sabemos
O que é nosso

Deus, por favor
Favorece a vida nesse troço
Nessa sinuca sem bico que é viver
Deixa o amor pular pra fora
Transbordar
Se escafeder!

Deixa o amor ser perfumado
E feder!

E que o amém me imponha
Um bom bocado de cadê,
Porque oração que é boa
Tem ação pra dar e vender!

Deus,
Quero ser livre como tu,
Me diz como fazer


beijinhos de maracujá!