sábado, 19 de abril de 2014

O que leva alguns estudantes a virarem capachos da reitoria? (parte I)


Esse texto é uma primeira aproximação com um tema muito sério para todas e todos que vivem o cotidiano da universidade, em especial para quem é estudante. O fenômeno que o movimento sindical brasileiro chama de "peleguismo" também existe no movimento estudantil, e o blog Artifício Socialista quer contribuir para este debate.

PELEGO é uma espécie de pano ou tapete cuja função é forrar a pele de um animal de montaria, sob a cela, para amortecer o impacto da pessoa que monta no lombo do animal. No movimento sindical da era Vargas, quando o governo buscava acompanhar de perto a dinâmica da organização trabalhista, entendê-la e cooptar este movimento, colocando dentro dos sindicatos pessoas sem compromisso com os interesses dos trabalhadores, e sim com os interesses dos patrões e do governo, foi criado pelo sindicalismo de esquerda, combativo e a serviço dos interesses da classe trabalhadora, esse segundo sentido do termo PELEGO: o sindicalista que fica entre o lombo do trabalhador e a bunda do patrão, amaciando, facilitando pro patrão manter seu lucro, e o trabalhador se manter na sua situação de explorado.

Isso também existe no movimento estudantil. Por exemplo, na UFES, onde eu estudo (apenas até agosto, se Deus quiser), tem muito pelego dentro do DCE. Uma galera que fecha com a reitoria, uma galera que fecha com o governo federal. O projeto educacional aplicado hoje no Brasil é claramente pra dar espaço pra estratégias de privatização, formar mão de obra qualificada e barata pro mercado de trabalho, sem preocupação com a formação crítica, ou seja, uma formação contrária às necessidades estudantis, comprometida com uma universidade precarizada, sem democracia na gestão do processo educacional, com MUITA exploração das trabalhadoras e trabalhadores da educação. E tem estudantes que disputam eleições e ocupam entidades pra defender esses interesses, do governo e das reitorias. A Reitoria da UFES (como muitas em todo o Brasil) tem compromissos com o empresariado capixaba, com as elites e com a manutenção da universidade elitista que temos hoje.


Vou dar um exemplo prático de como operam na prática os interesses dos aliados da reitoria:

A POLÊMICA DO RU NA GREVE DE 2014

Não entrarei com profundidade no mérito da legitimidade das lutas do SINTUFES no ES e da FASUBRA no Brasil. Resumidamente, não estão nem pedindo aumento salarial, apenas cumprimento do acordo da greve de 2012, e questões relativas à melhoria da universidade brasileira (fim das terceirizações, 10% do PIB pra educação pública, condições de trabalho pros profissionais da educação e de estrutura pro ensino, etc.). A greve é uma forma de lutas legítima, e teremos oportunidade de conversar sobre isso aqui nesse fanzine, em um texto especificamente sobre essa forma de luta chamada GREVE!

Acontece que a greve tem dois níveis de luta e conquista: um nacional e outro na UFES. A nível nacional, a presidência, os ministérios do planejamento e da educação são os patrões, a nível de UFES o patrão é a reitoria. E a reitoria pode abrir um caminho de negociação (o que apressa a resolução do impasse da greve) ou não abrir diálogo. Pior do que isso, Reinaldo Centoducatte escolheu o caminho de enfrentamento indireto à greve. Como ele está fazendo isso?

Por um lado ele se recusa a negociar, tratando trabalhadores como lixo, e por outro ele utiliza como instrumentos de enfraquecimento da greve uma parte do DCE. Ou melhor, duas partes. As chapas Conecta e F5 estão ambas sentadas no colo de Reinaldinho, brigando entre si pra ver quem é mais oportunista (vou explicar esse OPORTUNISMO, calma!), e a reitoria está muito feliz com isso, afinal, Deus dá a cada ser humano duas pernas, tem uma pra cada chapa oportunista sentar. Os interesses da reitoria são CAMUFLADOS de interesses dos estudantes, e aí essas chapas fazem alvoroço se proclamando REPRESENTANTES DOS INTERESSES ESTUDANTIS. A minha tese é de que essas chapas NÃO REPRESENTAM os interesses estudantis, muito pelo contrário, elas estão defendendo o sistema, os interesses da reitoria, contrários aos interesses de TRANSFORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE, buscando a qualidade e a democracia, ou seja, contrário aos interesses dos servidores (técnicos e professores) e dos estudantes.
SOBRE O OPORTUNISMO DOS REITORISTAS NO DCE UFES

Afirmo que são oportunistas esses setores, porque as figuras que detêm o poder dentro destes grupos, figuras dirigentes, defendem seus interesses políticos a qualquer custo, fazendo o que for mais oportuno pra ganhar o posto de número um no colo de Reinaldo. Você, estudante, que faz parte da Conecta ou da F5 e está lendo este texto, mas não se considera reitorista, eu acredito em você. O problema é que as pessoas que centralizam a definição da linha política nos grupos de vocês, essas sim, têm total noção de que são reitoristas, e eu gostaria que você refletisse o porquê de eles mentirem pra vocês que eles querem estar A SERVIÇO DO REITOR E NÃO DO ESTUDANTE. Você vai entender o motivo de eu estar escrevendo tudo isso.

O fato de os dirigentes dessas duas chapas mentirem, dentro das suas chapas, que são reitoristas, é uma prova desse oportunismo. O interesse é a próxima eleição. O RU é uma pauta de campanha. O objetivo deles é causar sensacionalismo e apelar para a fome dos estudantes, enfraquecendo a greve, e com isso ganhando mais apreço da reitoria. Se fortalecem politicamente aumentando o número de cargos no DCE e também se fortalecem politicamente aumentando a relação de aliança com quem manda na UFES (a reitoria).

Um grupo de estudantes com fome, querendo resolver a falta de comida durante a greve, puxou uma assembléia para debater a questão do restaurante universitário. Uma questão deve ser debatida em seu contexto, nesse caso, a universidade e a greve. A universidade não qual fica o restaurante em questão e a greve que parou o restaurante em questão. As pessoas dessas chapas oportunistas compraram a ideia de que o RU deveria ser discutido isoladamente do seu contexto, ao invés de ajudar o debate da assembleia a desvelar a verdadeira problemática do RU, que resolvesse os problemas dos estudantes, dos servidores, dos professores, da universidade, dos terceirizados que trabalham no RU, e da sociedade brasileira, que é em grande medida vitimizada com a precarização da universidade pública. Por que eles compraram essa ideia de que o RU deveria ser discutido desprezando o contexto. Primeiro porque queriam acusar a chapa cujos integrantes propuseram a contextualização, e transferir para os estudantes desinformados da realidade do DCE um ódio a essa chapa. O objetivo são as próximas eleições. Em segundo lugar porque sabiam que a reflexão sobre o contexto da universidade poderia convencer democraticamente no debate a maioria dos estudantes da tese que eu também defendo: A TESE DE QUE A FOME DOS ESTUDANTES DEVE SER TRATADA COMO CULPA DA REITORIA, E QUE DEVEMOS COBRAR URGENTE A RESOLUÇÃO DESTE E DE OUTROS PROBLEMAS.

Não tem ninguém neutro em relação à reitoria, nem ao governo, porque são órgãos que atingem diretamente nossas vidas. Ou estamos contra ou a favor. Os que dizem que não estão nem contra, nem a favor, estão na verdade a favor, e querem esconder isso de você. Quero chamar à reflexão sobre isso, porque diferenças políticas se resolvem no fraterno debate, mas oportunismo se resolve com denúncia.

Se você é estudante da UFES, não precisa concordar comigo, nem discordar de mim, mas leve esse debate para o seu curso e para o seu Centro ou Diretório Acadêmico. Quero provocar o debate coletivo sobre esse assunto, porque oportunistas só conseguem convencer as pessoas quando o debate democrático está vetado. Comparando as várias versões da história, a verdadeira versão sempre aparece!

No próximo texto responderei diretamente à pergunta que dá título a essa série de textos. Vou terminar esse texto começando a responder essa complexa pergunta. O texto acima serviu para dar elementos básicos para uma resposta qualificada e dialógica dessa pergunta.

O QUE LEVA ALGUNS ESTUDANTES A VIRAREM CAPACHOS DA REITORIA?

Eu parto do pressuposto que se um estudante luta contra os interesses dos estudantes, é porque ele tem outros interesses que para ele são colocados como interesses maiores. Estudantes defendendo o RU aberto como forma de assistência estudantil, e ignorando que muitos estudantes recebem migalhas da assistência estudantil porque a reitoria DESVIA NA TRAMÓIA metade das verbas da assistência estudantil para o RU, porque RU elege reitor, define publicidade política de pessoas que podem subir no organograma de cargos da UFES.

É exatamente essa a questão. Uma pessoa foge aos interesses dos estudantes quando visa a subir de nível nas relações de poder da universidade. É o Movimento Estudantil como escada, é um uso oportunista do movimento estudantil. Mas a resposta a esse tipo de prática oportunista deve ser o movimento estudantil autônomo, que luta para que os estudantes tenham mais poder na gestão da universidade, luta contra uma universidade antiquada e profundamente hierarquizada, onde o reitor é chamado de magnífico e o estudante espancado por defender direito a vivência na universidade. Onde uns são vândalos quando quebram portão e outros não o são quando quebram barracas, arrancam faixas de sindicatos.

O que leva alguns estudantes a virarem capachos, é o fato de eles acharem que a universidade está boa do jeito que está, então devemos tentar lidar com o modo normal de funcionamento dela, e nos conformar com o cotidiano, lutando apenas contra o que foge às regras. AS PRÓPRIAS REGRAS ESTÃO CONTRA OS ESTUDANTES, e se tudo na UFES está tão mal, o que me espanta é que a gente ainda não tenha parado TODO O RESTO DA UFES!

beijinhos de maracujá!

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