terça-feira, 2 de julho de 2013

Pequeno exemplo de carta não enviável


Minha querida,

eu não deveria estar aqui, escrevendo esta carta. Há tantas coisas a fazer, e no entanto essa é uma forma que eu tenho de me sentir um pouquinho mais junto de você, depois que a gente se separa. É como se ao te escrever, eu ainda estivesse falando comigo, e como se ao final desta carta, uma resposta tua fosse vir de bate pronto. Não deveria estar escrevendo esta carta, mas ultimamente eu tenho feito tantas coisas que não deveria fazer, que essa carta é grão de areia no deserto.

Você está me fazendo fazer tudo errado. Cada vez que uma moça bonita como você passa diante de meus olhos, eles ardem. A beleza faz meus olhos arderem, de tanto que incomoda ver a beleza, desejá-la e não tê-la. Mas é um ardor que passa tão rápido, afinal, são tantas as belas deste mundo, que se meus olhos ardessem ardentemente por todas, eu viveria o tempo inteiro a chorar de tanto ardor.

São pequenos ardores, mas ardores que distraem. E é tanta coisa que eu tenho a fazer, que as distrações não são bem vindas. Ainda mais essas belas e admiráveis, essas que falam e causam vontade de a gente ouvir o que está sendo falado. Cada pessoa tem seu estilo, e eu não acho que haja estilo melhor que estilo, mas é claro que há os estilos que me agradam mais.

E de repente, me vem uma moça de estilo inquietante. Bela, muito bela, irritantemente bela, apaixonantemente bela, estonteantemente bela. E chata, muito chata, irritantemente chata, apaixonantemente chata, estonteantemente chata. Não é uma chatice como outra qualquer. Gente chata no mundo tem aos montes também, e ao contrário da beleza, a chatice não é normalmente vista como qualidade, e sim o contrário disso. Mas quando a personalidade de uma pessoa se apresenta temperada pela chatice de não abaixar a cabeça, de não aceitar passivamente as idéias, de colocá-las sob o crivo da crítica, dá até um medinho, mas um medinho intrigado. Na verdade dá vontade de muito mais.

Preciso me explicar melhor: a primeira vez em que nos dirigimos a palavra, eu gaguejava como se tivesse nascido gago. Eu estava era impressionado com a sua presença. Parecia uma divindade dessas do panteão africano, uma daquelas bem guerreiras, mas numa embalagem de mocinha acanhada. Isso que mais me intrigou, e muito ainda me faz os olhos arderem. Arderem muito!

Mas eu deveria era estar fugindo de você, como um operário que foge do aguardente que tem atrapalhado no seu desempenho na obra. Ou melhor, como um operário apaixonado, que tem suspirado tanto sem resposta, que isso até tem atrapalhado seu desempenho na obra. Suspiros sem resposta... Quando essas respostas vêm?

Se eu pudesse, eu parava tudo e ficava o resto da vida te escrevendo cartas. É o mais perto de você que eu posso chegar neste momento. Mas eu não escreveria carta nenhuma, se eu pudesse chegar mais perto. Na verdade, eu até escreveria mil cartas na tua pele, como naquele livro do Chico, te cobriria o corpo todo de versos, de frases soltas, de divagações e desabafos de amor. Histórias de amor são sempre tortas. O melhor seria que elas nunca acontecessem. Mas a gente não escolhe entrar em uma delas, algo nos destina a isso. Que seja o acaso, Deus, as leis da física. Algo nos destina às histórias de amor que vivemos.

Mas como todo esse magnetismo que você provoca em mim, toda essa inexplicável atração, pode acabar de uma vez por todas? Cansei de ficar morrendo de vontade de te procurar, de correr atrás de ti, de largar tudo o que eu deveria estar cuidando pra cuidar de te encantar, no mínimo o tanto que você me encanta. Cansei desse encanto, quero o antídoto, quero a cura. E no entanto, quando eu te pergunto, você me diz que não me dará a chave dessa gaiola, que algum hedonismo ou algum egoísmo te fará me segurar. A pergunta que eu tenho a fazer é: já que é assim, por que é que é que você não entra nessa gaiola junto comigo? Acredite, com o tanto de bem querer que eu tenho sentido, a vida aqui dentro dessa gaiola, comigo, vai ser muito mais interessante do que aí, do lado de fora, sem mim.

Mas eu gostaria de terminar dizendo que essa não é uma carta de amor. Poderia até ser, pode ser que um dia se torne, mas é apenas uma carta de admiração, e eu vou terminar esse parágrafo, pra voltar ao meu ofício. Operário que sou, não posso continuar suspirando por você... Não sem respostas.

Como se eu tivesse escolha! Não posso suspirar, mas as respostas não vêm... E eu suspiro!

beijinhos de maracujá!

Um comentário:

  1. Rapaz, da um jeito nisso.Se não é amor é amor. Fingi não. LirioGuterra

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